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20/01/2004 - 06h37

Sono sem sonhos consolida as memórias

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Quem pensa que as horas de sono são apenas o momento de "descansar a cabeça" do que acontece durante o dia não poderia estar mais equivocado. Experimentos coordenados por um pesquisador brasileiro mostram que o sono profundo é justamente a hora em que o cérebro se põe a consolidar as memórias do que aconteceu durante a vigília.

"É como um eco", explica o biólogo brasiliense Sidarta Ribeiro, autor principal do estudo que sai hoje na revista científica on-line "PLoS Biology" (www.plosbiology.org). Ribeiro e seus colegas da Universidade Duke, no Estado norte-americano da Carolina do Norte (entre os quais os também brasileiros Miguel Nicolelis e Janaina Pantoja) conseguiram as evidências mais claras até hoje do papel do sono na formação das memórias --com a ajuda de cinco ratos e muitos eletrodos.

Explica-se: com a ajuda dos aparelhos, os pesquisadores foram capazes de monitorar a atividade de até 160 neurônios (as células nervosas) de cada um dos bichos, verificando os padrões de atividade deles na vigília, no sono profundo (ou de ondas lentas) e no chamado sono REM, caracterizado pela presença de sonhos.

Experiência com eletrodos, aliás, o grupo tem de sobra. Foi graças à tecnologia, capaz de medir com precisão o funcionamento de centenas de neurônios, que Miguel Nicolelis (orientador de pós-doutorado de Ribeiro na Duke) conseguiu fazer com que macacos mexessem um braço mecânico apenas com os impulsos transmitidos por seu cérebro.

A chave do novo trabalho, no entanto, é que a atividade cerebral do quinteto de roedores foi medida a partir do contato com objetos novos, que eles nunca tinham visto antes. "Até então, essa reverberação sempre tinha sido observada com um rato que estava careca de saber uma determinada coisa", afirma Ribeiro, 32.

Depois de brincar por certo tempo com os objetos, projetados para gerar o máximo possível de respostas sensoriais dos bichos, os ratos (com a multidão de eletrodos implantada na cabeça) tinham sua atividade neuronal monitorada durante a vigília e os vários períodos de sono --que não é contínuo, como o da maioria dos humanos.

Baixa fidelidade

No fim das contas, o que os pesquisadores verificaram é que, durante o sono de ondas lentas, padrões de impulsos elétricos parecidos (mas não idênticos) aos dos primeiros contatos com os novos objetos surgiam. "Seria muito estranho se houvesse um "replay" total, porque o cérebro está usando aquela área para representar uma série de outros objetos, mas há uma semelhança consistente", afirma Ribeiro.

Seria quase como uma fita cassete ou de vídeo de baixa fidelidade, reproduzindo som ou imagem de forma longe de perfeita, mas mesmo assim reconhecível. Outro detalhe desse "replay" é que ele acontece numa intensidade menor --passam menos impulsos elétricos de neurônio a neurônio por unidade de tempo. "Isso é natural, porque no sono você tem menos excitação sensorial", já que o animal não está tendo atividade alguma, explica.

A idéia de que o sono funciona como cimento das memórias recém-criadas é antiga, mas o trabalho dos cientistas da Duke dá passos importantes para confirmar o fenômeno e explicar como ele ocorre. Os dados mostraram, por exemplo, que a reverberação das memórias ocorre em praticamente todas as áreas da parte posterior do cérebro: córtex, hipocampo, gânglios da base e tálamo. Para muitos cientistas, isso só ocorreria no córtex e no hipocampo.

Os ecos das memórias em formação se mostraram persistentes, reaparecendo ao longo de 48 horas. "Antes, as reverberações eram registradas por apenas meia hora ou 20 minutos, enquanto já se tinha demonstrado que a formação de memórias poderia ser prejudicada com privação de sono horas ou dias depois do evento inicial", diz Ribeiro.

O papel dos sonhos

Outra idéia defendida há tempos é a ligação das memórias com o sono REM, no qual ocorrem os sonhos. "Esse grupo agora verificou isso não na fase do sono em que se sonha, mas naquela em que aparentemente só se dorme", diz o bioquímico Ivan Izquierdo, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), para quem o trabalho tem implicações científicas e também clínicas.

Ribeiro diz que, embora reverberações consistentes só apareçam mesmo no sono de ondas lentas, o mais provável é que o REM também tenha papel importante. É nele que são ativados genes dos neurônios que regulam o fortalecimento das sinapses (as conexões entre as células nervosas). Os sonos com e sem sonhos seriam, assim, complementares.
 

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