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28/01/2004 - 07h15

Feijão centenário veio de longe dos Andes

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Vagens preservadas por mais de 300 anos numa caverna do norte de Minas Gerais podem indicar a origem do feijão cultivado pelos índios brasileiros. As pistas do DNA centenário extraído dessas plantas indica que o México e o norte da América do Sul estão na origem do hábito de ingerir essa leguminosa, elemento básico da dieta em qualquer mesa do Brasil.

Não foi surpresa para o agrônomo Fábio de Oliveira Freitas, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. Grãos de milho do mesmo sítio arqueológico de Lapa do Boquete, em Januária (MG), haviam sugerido uma ligação genética da planta brasileira com parentes mexicanas. "O meu trabalho com o milho já era um forte indício dessa influência do norte do continente", afirmou Freitas à Folha.

Se confirmados por novas descobertas, os dados podem ajudar a demolir a idéia de que a agricultura feita no Brasil antes da chegada de Cabral foi influenciada pelas poderosas civilizações andinas que floresceram no Peru e na Bolívia. Aparentemente, o que mais contou foi a influência mexicana e caribenha, ao menos quando se trata dos principais cultivos.

Sorte na preservação

Controvérsias arqueológicas à parte, Freitas nunca teria conseguido realizar a sua análise, divulgada no último congresso da Sociedade Brasileira de Genética, se não fosse por uma prática providencial dos índios de Januária. "Eles tinham o costume de fazer um silo subterrâneo, usando um cesto de palha trançada, no qual colocavam plantas como milho, algodão, maracujá e feijão", conta o agrônomo.

Esse fator, mais o calcário da caverna, que diminui a acidez do solo e facilita a preservação de material orgânico, permitiu que restassem duas vagens, com três grãos. Freitas conseguiu extrair o DNA ancestral de um só deles, em busca do gene que codifica a proteína faseolina, assim chamada por causa do nome científico do feijão (Phaseolus vulgaris).

A espécie é a principal do gênero do feijão a ser cultivada, embora outras sejam utilizadas por populações isoladas nas Américas. Versões selvagens da planta podem ser encontradas desde o México até o norte da Argentina, o que complica ainda mais a tentativa de estimar onde o feijão foi domesticado pela primeira vez.

O gene da faseolina, que aparece em muitas cópias ao longo do DNA da planta, interessava ao pesquisador porque ele é ligeiramente diferente em feijões de origens diversas. Por isso, a seqüência de "letras" químicas dos genes isolados da amostra de Januária (com cerca de 310 anos de idade) foi comparada com as de feijões modernos do México, da Colômbia, da Argentina e do Peru.

A análise mostrou que os genes da faseolina no feijão brasileiro são muito parecidos com os do norte (México e Colômbia). Estes, por sua vez, parecem ter um parentesco próximo entre si. As variantes andinas da planta, pelo que sugerem as variantes do DNA, permaneceram por mais tempo isoladas geneticamente de suas "primas" do norte.

A diversidade genética das amostras é relativamente modesta, o que indicaria que o P. vulgaris foi domesticado só uma vez.

Um problema possível nessa conclusão é o fato de a datação das amostras ser posterior à chegada dos portugueses ao Brasil. "Não achamos sinal algum de influência européia no nível onde estavam as vagens. A região só começou a ser colonizada no século 18, e é bem isolada. Subindo o rio [São Francisco], são 1.000 km dali até a costa, e descendo o rio são 600 km. Por isso, acho muito difícil que esse feijão tenha chegado lá trazido pelos colonizadores", avalia Freitas.

O cultivo da leguminosa na região, pelo menos, é bem mais antigo: em estratos arqueológicos mais profundos, correspondentes ao período entre 1.500 e 2.000 anos atrás, outras vagens foram encontradas, mas não foi possível datá-las com precisão, nem extrair seu DNA.

Contraprova amazônica

Agora, a expectativa do pesquisador é achar evidências semelhantes na Amazônia, de forma a tornar mais evidente a "migração" do feijão e do milho do norte das Américas para o Brasil. Se os dados amazônicos confirmarem o que DNA de Januária sugere, dois caminhos distintos e independentes teriam levado essas duas importantes plantas domésticas para os Andes e para o atual território brasileiro.

O trabalho integra a tese de doutorado de Freitas, que agora pretende prepará-lo para publicação numa revista científica.
 

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