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28/03/2004 - 07h50

O lado oculto da física

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Quando os alunos reclamam da chatice que é ter de fazer cálculos sobre aquele monte de roldanas, pesos e cordinhas, muitos professores do ensino médio tentam convencê-los de que a física é muito mais do que isso. Não fossem as pressões do vestibular, eles argumentam, o curso teria outra cara, muito mais interessante e envolvente, voltada não só para a matematização das descobertas dos cientistas, mas acima de tudo para suas motivações e buscas interiores.

Pois bem. Agora esses professores já têm um jeito de ao menos atenuar a aridez de seus cursos, simplesmente recomendando a seus alunos a leitura de "Sobre os Ombros de Gigantes", de Alexandre Cherman.

Astrônomo do Planetário do Rio de Janeiro e doutorando em física pelo CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), Cherman conseguiu reunir numa obra concisa o lado "oculto" das aulas de física --a história e o sabor de sucesso por trás de cada descoberta e salto teórico. Não se trata de uma análise profunda acerca dos eventos históricos que cercaram a evolução do campo, mas uma introdução. Ideal justamente para quem quer descobrir que Isaac Newton é mais que "força é igual a massa vezes aceleração" ou que algumas tortuosas sessões de cálculo integral e diferencial.

O livro também responde por uma das reivindicações mais comuns entre os alunos do nível médio (ao menos entre os que se interessam pelo tema).

Por que diabos a física que eles aprendem é interrompida no século 19, antes que Albert Einstein e Max Planck, com a relatividade geral e o princípio quântico, viessem a virar a coisa toda de cabeça para o ar?
Cherman oferece petiscos saborosos e, acima de tudo, claros sobre as duas grandes revoluções que mudaram a forma como se vê o mundo. Mais do que isso, a apresentação não destoa de todo o resto, o que reforça a idéia de que a física não é uma sucessão de destruição e reconstrução de teorias, mas um contínuo aprimorado a cada nova geração, conforme os lampejos de gênio e os dados experimentais evoluem para um entendimento mais profundo (ainda que necessariamente incompleto) dos fenômenos.

A idéia já vem desde o título da obra, uma referência a sir Isaac Newton, físico que justificou sua capacidade de enxergar além de todos
os outros homens e redefinir a ciência de sua época por justamente repousar "sobre os ombros de gigantes" --seus predecessores no esforço de decifrar os enigmas da natureza.

O livro segue basicamente uma ordem cronológica, começando com as primeiras concepções gregas acerca do mundo físico, ainda no campo filosófico, e partindo na direção da revolução copernicana e da posterior queda da barreira entre os mundos sublunares e supralunares (que, segundo Aristóteles, seguiriam regras e teriam composições totalmente distintas).

Apesar disso, Cherman se recusa a manter sua narrativa engessada pela linha do tempo. Quando preciso, ele salta séculos e progride em determinados assuntos, para não perder bons ganchos que podem ajudar a elucidar conceitos e a forma como as idéias evoluíram ao longo dos séculos. Depois, sem tentar esconder os saltos temporais, retoma a cronologia de onde havia parado.

Até mesmo a linguagem adotada --em suas virtudes e seus defeitos-- é muito similar à usada pelos professores de ensino médio. O tom é eminentemente didático, mas de vez em quando se enrosca em narrações desconfortáveis e pouco arejadas sobre vetores, métodos de cálculo e assim por diante. Ainda assim, não chega a ser cifrado (como muitos professores conseguem ser), o que é positivo. E está longe de esgotar o assunto.

Isso fica claro não só pela rápida passagem por milênios de história e reflexão, processo necessariamente permeado de lacunas, mas acima de tudo pela conclusão do livro: a apresentação das teorias que ainda estão por atingir a plenitude no século 21 e além. Supercordas, supersimetria, gravidade quântica --é no último capítulo que todas essas coisas vão dar as caras, numa demonstração de que a história da física é não só um livro com muitas páginas, mas um que ainda não teve --e provavelmente nunca terá-- final definitivo.

Mais do que qualquer outra coisa, essa noção de que há sempre uma fronteira adiante é a razão de ser do livro de Cherman. É uma inspiração para aqueles que, a despeito das cordinhas e roldanas, ainda têm vontade de enxergar mais longe, subindo sobre os ombros dos gigantes do passado.

Não é um livro para iniciados ou um tratado aprofundado sobre história da ciência. Trata-se de uma obra de divulgação, voltada principalmente para o público jovem --com o qual Cherman, 34, parece dialogar muito bem. Concentrado em idéias e mantendo a matemática a uma distância segura (como já dizia Einstein, as idéias é que são realmente importantes --com matemática, você prova o que quiser), como suporte para a organização do conhecimento, "Sobre os Ombros de Gigantes" permite um vislumbre de todo o charme que existe na busca da compreensão do que faz o Universo funcionar. No fundo, não passa de um aperitivo.

Mas toda pescaria bem-sucedida --sobretudo as que lidam com a motivação e o despertar do interesse dos jovens pela ciência-- sempre começa com uma boa isca.

Sobre os Ombros de Gigantes
200 págs., R$ 31,00 de Alexandre Cherman. Jorge Zahar Editor (r. México, 31, CEP 20031-144, RJ, tel. 0/xx/21/2240-0226).
 

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