Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
12/04/2004 - 04h08

Brasileiros acham bactéria multicelular

Publicidade

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Está nos livros de biologia: bactérias são organismos compostos por uma única célula. Mas algumas criaturas encontradas em várias lagoas no Rio de Janeiro, apesar de terem todos os traços que caracterizam uma bactéria, insistem em ser multicelulares. A descoberta, que torna muito mais sutil a fronteira entre seres vivos simples e complexos, foi feita por um grupo de brasileiros.

As bactérias são a forma de vida mais elementar. Estão em toda parte e sequer possuem um núcleo organizado para guardar seu material genético.

O DNA fica todo espalhado, boiando no citoplasma (o gel que contém todas as organelas celulares).

Embora compostas por uma célula, em alguns casos as bactérias vivem em colônias e têm um "comportamento" conjunto. Mas isso não é suficiente para caracterizá-las como multicelulares, pois não há divisão clara de tarefas entre as células, elas conseguem sobreviver sozinhas e chegam até a competir entre si.

Esse não é o caso do organismo descrito por Carolina Keim, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e seus colegas num artigo publicado na edição de março da revista científica "Journal of Structural Biology"
(www.sciencedirect.com/science/journal/10478477).

A criatura foi encontrada em lugares como as lagoas de Araruama (a maior lagoa hipersalina do mundo, com concentração de 7% de sal na água), Maricá e Rodrigo de Freitas (na capital fluminense).

"É isso aí, ela dá em qualquer lugar que tenha água salobra e uma boa reserva de enxofre", diz Henrique Lins de Barros, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), um dos autores. Também participaram das pesquisas Marcos Farina, Radovan Borojevic, Fernanda Abreu, Ulysses Lins, Juliana Martins e Alexandre Rosado, todos da UFRJ.

Jeito de multicelular

O organismo consiste numa bolinha com umas 20 células. Cada célula tem forma piramidal, e todas se dispõem lado a lado, com a ponta voltada para o centro.

Na região central, há uma espécie de bolsa isolada, que permite o compartilhamento de substâncias. Essas células nunca vivem sozinhas e, aparentemente, tampouco fazem concorrência umas para as outras.

"A tendência atual é olhar com muito cuidado a questão da multicelularidade", diz Lins de Barros. "No caso desses organismos, tentamos mostrar que satisfazem os critérios mais rígidos. Temos um exemplo de organismo bacteriano que satisfaz as condições impostas a um multicelular."

Para Keim, é fácil entender de onde vem a confusão. "A fronteira entre organismos unicelulares e multicelulares é artificial", diz.

"Na verdade, não temos uma fronteira, mas duas tendências: uma é a complexidade, principalmente em animais e plantas, que possuem vários tipos de célula especializada, que trabalham sempre em conjunto. No extremo oposto, temos outro estilo de vida, muito mais simples, formado pelos microorganismos unicelulares. Entre as duas tendências, uma miríade de formas diferentes. Pensamos que esse organismo está entre esses dois opostos."

Um dos grandes enigmas da biologia é o surgimento dos organismos multicelulares. Por bilhões de anos, só houve vida bacteriana na Terra.

Então, de repente, formas complexas de cooperação entre células começaram a surgir. O resultado foi o aparecimento das criaturas multicelulares, cuja complexidade crescente conduziu aos animais e ao homem. Ninguém sabe se esse salto evolutivo foi fortuito ou não.

A descoberta faz supor que talvez a complexidade seja uma tendência natural --ainda que tarde a surgir. "Os organismos multicelulares tiveram várias origens independentes durante a evolução", diz Keim. "Tudo indica que esse organismo é representante de mais uma origem independente."

"Se olharmos a "Árvore da Vida", veremos que existe um "gap" [lacuna]", diz Lins de Barros.

"De um lado estão todas as bactérias unicelulares. Do outro, a árvore se abre em diferentes galhos e dá origem a organismos cada vez mais complexos. Acho que nossos organismos estão numa ramificação ausente na representação atual. Trata-se de uma tentativa, bem-sucedida, de bactérias aumentarem a complexidade e se organizarem de forma a originar um organismo multicelular."
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página