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25/04/2004 - 03h11

As revoluções da geometria

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ALESSANDRO GRECO
free-lance para a Folha de S.Paulo

Minha física nada mais é do que geometria." As palavras do filósofo e matemático francês René Descartes descrevem mais do que a importância da geometria em sua obra --Descartes foi o inventor das coordenadas cartesianas. Elas remetem a uma parte da ciência, muitas vezes esquecida pelo imaginário popular, que revolucionou o pensamento científico desde o seu surgimento com o filósofo grego Euclides até a física contemporânea, com a teoria das supercordas --uma idéia que diz que o mundo é feito de dez dimensões e que só percebemos as três espaciais e a temporal, pois as outras são muito, muito pequenas.

Escrever um livro sobre essas revoluções é um desafio. Fazê-lo interessante para um público amplo que, em geral, conhece somente as coordenadas cartesianas é, digamos, uma tarefa ingrata. O físico Leonard Mlodinow, ex-pesquisador do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), faz um trabalho muito interessante ao costurar as cinco revoluções geométricas que abalaram a ciência no recém-lançado "A Janela de Euclides".

A forma escolhida por ele para contar essa história, entremear vida e obra dos geômetras, funciona bem ao diluir a densidade das descobertas feita por Euclides, Descartes, Carl Gauss, Albert Einstein e Edward Witten. E, ao falar também dos outros personagens que ajudaram os cinco grandes a fazer suas revoluções, o livro coloca em contexto suas descobertas, mostrando que ciência, diferentemente do que muitas vezes se imagina, é produto não de uma, mas de várias mentes brilhantes.

O truque faz o leitor caminhar pelo livro sem maiores dificuldades e se divertir com as histórias bem conhecidas, como a primeira medição da circunferência da Terra, feita por Eratóstenes durante a época de ouro de Alexandria sob o comando de Alexandre, o Grande. O resultado encontrado por Eratóstenes, 40 mil quilômetros, tem um erro aproximado de somente 4% em relação ao valor medido hoje por satélite e certamente lhe daria um Prêmio Nobel, se ele existisse na época. Mas há também fatos obscuros no livro, como a invenção do gráfico pelo bispo Nicole D'Oresme.

O livro peca, no entanto, nas passagens relacionadas ao trabalho dos matemáticos. No início, até que causa pouca espécie a escassez de imagens, muito devido à "simplicidade" natural das descobertas descritas por Euclides em seu clássico "Os Elementos", mas, conforme se avança através dos séculos, a situação se complica.

Explicar o conceito de espaço curvo sem várias imagens é difícil mesmo para uma pessoa como Modlinow, acostumado a falar para um público amplo, inclusive para crianças, e que atualmente está ajudando o físico Stephen Hawking a escrever a continuação do best-seller "Uma Breve História do Tempo" -- com sua habilidade em explicar conceitos, o novo Hawking será, ao menos, muito mais legível do que o original.

Modlinow, que já escreveu um episódio para o seriado "Jornada nas Estrelas: A Nova Geração", tem também uma habilidade rara entre cientistas, especialmente físicos-matemáticos, habituados a lidar com o mundo abstrato: sabe ser um contador de histórias. Fala da geometria como se fosse uma novela, no que é ajudado por histórias como a do livro "Os Elementos". Primeiro, ele não é um livro, mas uma série de 13 rolos de pergaminhos. Segundo, Euclides nunca o escreveu e nenhum original sobreviveu até os dias de hoje. Terceiro, o que sabemos sobre o livro teve como fonte principal um texto escrito por um erudito chamado Hipócrates (não o pai da medicina, mas um outro de mesmo nome).

Mas o que falta de informação sobre o livro sobra de profundidade na sua idéia central: criar uma lógica inovadora, livre de suposições, na qual tudo deveria ser provado. Hoje o texto parece óbvio, mas, ao definir, por exemplo, o que são um ponto e uma linha, Euclides organizou a geometria e abriu uma janela de conhecimento em que alguns dos maiores físicos e matemáticos da história --Einstein inclusive-- se inspiraram e usaram para desenvolver suas idéias. Mas faltou a ele uma percepção do espaço a seu redor. A noção de como se localizar nele, como saber onde estamos.

Coube a Descartes fazer a segunda revolução da geometria, criando as coordenadas cartesianas. O que Euclides não esperava é que a próxima revolução fosse um ataque à suas idéias por um jovem alemão que se tornaria um dos maiores matemáticos de todos os tempos, Carl Friederich Gauss. Basicamente, ele provou que há espaços não-euclidianos, ou curvos. "A suposição de que a soma dos três ângulos de um triângulo é menor do que 180 leva a uma geometria especial, bem diferente da nossa (isto é, euclidiana), que é absolutamente consistente, e que eu desenvolvi de modo bem satisfatório para mim mesmo", escreveu Gauss a um amigo --e nunca permitiu que a informação fosse publicada enquanto ele, Gauss, estivesse vivo. A geometria nunca mais foi a mesma e culminou na formulação da teoria da relatividade por Albert Einstein, a quarta revolução.

Hoje o mundo passa pela quinta revolução, com a formulação da teoria das cordas, hoje chamada supercordas, liderada pelo americano Witten.

Somente não podemos dizer se ela está certa, ou se será somente mais uma nota de rodapé na história da ciência. Mas é certo que a geometria continuará a fazer suas revoluções. Qual será a próxima? Ninguém sabe.

A Janela de Euclides de Leonard Mlodinow 296 págs. R$ 39,50 Geração Editorial (r. Prof. João Arruda, 285, CEP 05012-000, SP, tel. 0/xx/11/3872-0984)
 

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