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02/05/2004 - 06h49

Cientista americano diz que Júpiter passa por mudança climática

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Mudança climática parece estar mesmo na moda entre os mundos do Sistema Solar. Aquela de que mais se ouve falar é a da Terra, que parece estar se aquecendo por conta do aumento das emissões de gás carbônico na atmosfera, graças a uma certa espécie primata que resolveu deixar a vida mansa e construir fábricas e automóveis movidos a derivados de petróleo e a carvão.

Em Marte, sem interferências civilizadas, uma coisa parecida parece estar acontecendo. Um estudo feito em 2001 por Michael Malin, cientista responsável pela câmera de alta resolução instalada na sonda Mars Global Surveyor, mostrou que, a cada ano, a camada de dióxido de carbono nos pólos marcianos está menor --sinal de que parte dele está indo para a atmosfera, intensificando também lá o famigerado efeito estufa (que na verdade cairia bem ao gélido planeta vermelho). E a última novidade, divulgada há apenas dez dias, vem de Júpiter.

É o que diz Philip Marcus, um físico do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Num estudo solo publicado na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), ele sugere que o maior planeta do Sistema Solar está prestes a entrar num momento de turbulentas mudanças, que devem levar a drásticas modificações em sua aparência.

"Nos próximos dez anos --o que é um tempo curto para a maioria das coisas astrofísicas--, astrônomos amadores e profissionais ou vão observar mudanças, ou minha hipótese está incorreta", ele diz. "A mais dramática --e observável por amadores-- será que as faixas de nuvens aos 34 S vão formar ondas. As ondas ficarão mais pronunciadas até que a faixa se quebre em "manchas" altamente alongadas e separadas. As manchas vão encolher e se tornarão mais circulares, durante uma década, depois de sua formação."

Os efeitos não somente farão surgir coisas no Sul joviano (Jove é um outro nome dado a Júpiter, o deus dos deuses entre os romanos na Antigüidade), mas também propiciarão o desaparecimento de outras. "Houve uma fila de 24 vórtices observada a 41 S que foi claramente fotografada pelas sondas Voyager em 1979. Esses vórtices são pequenos e, portanto, mais difíceis de ver. Eles vão começar a desaparecer. Na verdade, acredito que alguns deles já tenham até sumido."

Marca registrada

Até mesmo a característica mais marcante de Júpiter, a famosa Grande Mancha Vermelha, sofrerá modificações com a mudança climática. O primeiro a reportar sua existência foi o britânico Robert Hooke (1635-1703), no longínquo ano de 1665. Desde então, a mancha tem sido observada consistentemente, oferecendo um desafio formidável aos cientistas planetários. Para começo de conversa, de que se trata? O consenso é o de que se trata de uma enorme tempestade sem fim na turbulenta atmosfera joviana, um vórtice poderoso, com dimensões assustadoras --na área que ela ocupa seria possível acomodar umas duas ou três Terras. "A mancha vermelha vive de comer todas as suas vizinhas (em sua latitude) que tenham o mesmo sentido [ou seja, que girem na mesma direção]. Ela não tem companheiras. Ela as come. Eu diria que é um fenômeno muito, muito duradouro", diz Marcus, que foi atraído para o estudo de Júpiter justamente pelo enigma da marca registrada do planeta.

"Eu tenho feito pesquisa sobre Júpiter desde 1979, quando as duas naves Voyager nos mandaram fotos e vídeos mostrando a interessante dinâmica fluida da mancha vermelha, das correntes de jatos e de outros vórtices. Eu tinha acabado de sair da graduação. Um dia, enquanto via as fotos da Voyager da mancha vermelha, eu me convenci de que, entre dinâmica de fluidos e computação, eu tinha as habilidades necessárias para atacar o problema que era entendê-la. Eu publiquei vários estudos sobre o tema."

Claro, nem todos os mistérios foram resolvidos. "A cor da mancha vermelha vem de moléculas-traço cuja química é incerta", diz Marcus.

"Eu suspeito --mas não posso provar-- que a cor seja bem sensível à temperatura, então eu espero que ela fique mais suave ou sofra uma mudança, como já fez muitas vezes no passado."

Para o pesquisador americano, tudo faz parte de um ciclo climático que se repete em Júpiter a cada 70 anos, aproximadamente. No momento atual, o fim de um desses ciclos está para acontecer. O sumiço dos vórtices responsáveis por várias manchas brancas observadas em Júpiter desde 1930 --uma das predições-- seria o primeiro efeito de uma cadeia que levaria a um aumento de cerca de 10C na temperatura equatorial e a uma redução equivalente nos pólos.

Surpreendentemente, hoje Júpiter tem uma temperatura mais ou menos igual em toda parte (e não muito aprazível, diga-se de passagem, flutuando em torno dos -150C), diferentemente do que acontece na Terra, em que os pólos são bem mais frios.

Ao que parece, há mecanismos atmosféricos ausentes aqui que fazem com que a temperatura seja equilibrada por lá, a despeito do equador receber mais radiação solar do que os pólos.

E essa é só a ponta do iceberg. Com toda a franqueza, Terra e Júpiter são planetas bem diferentes. Enquanto o primeiro é um corpo rochoso, com uma superfície sólida e dimensões relativamente pequenas, o segundo é um gigante gasoso, com diâmetro cerca de 12 vezes maior e composição bem mais simples, em que predomina o hidrogênio.

Além disso, orbitam o Sol a distâncias bem díspares. A Terra está a 150 milhões de quilômetros da estrela, o que faz dela um bom lugar para abrigar água líquida em sua superfície.

Já Júpiter se posiciona a uma distância pouco mais de cinco vezes maior e nem mesmo tem uma superfície sólida que possa abrigar água, em qualquer estado que seja. Boa parte de sua energia térmica vem de dentro do próprio planeta.

É quase como uma estrela que acabou sendo pequena demais para ter dado certo. (Essa idéia foi explorada na continuação da saga literária e cinematográfica "2001: Uma Odisséia no Espaço", de autoria de Arthur C. Clarke, em que sondas alienígenas --os famosos monolitos-- acabam por desencadear um processo no planeta gigante que faz com que ele, de algum modo, inicie a fusão nuclear do hidrogênio em seu núcleo e se "acenda", tornando-se uma estrela-irmã do Sol.)

Apesar do tamanho, o velho Jove não mete medo nos cientistas. "Júpiter é de muitos modos bem menos complicado que a Terra, uma vez que é basicamente uma bola de hidrogênio: um núcleo sólido bem pequeno, provavelmente feito por hidrogênio metálico, sob grande pressão. Em volta há hidrogênio líquido e acima, hidrogênio gasoso", diz Marcus. "Não há continentes para aquecer com o Sol, nenhuma montanha para desviar correntes, nenhuma vida vegetal para colocar e tirar carbono da atmosfera, nenhum ser humano para poluir e complicar a química etc."

Planetologia comparada

Ainda assim, há muito que para aprender sobre o planeta de residência dos humanos olhando para outros mundos mais inóspitos no Sistema Solar, segundo Marcus. E Júpiter, apesar de tão diferente, não é exceção. "No que diz respeito à meteorologia, há muita similaridade entre as correntes de jato, os ciclones e os anticiclones jovianos e os terrestres. Eles se comportam de maneira similar, especialmente no modo como interagem uns com os outros", afirma.

"Se eu tivesse estudado o clima de Júpiter do mesmo modo que alguns --mas não todos-- cientistas modelam o clima da Terra, eu teria usado um código de computador enorme, que teria incluído todos os processos físicos que eu pudesse imaginar. Claro, eu nunca teria achado o ciclo joviano desse jeito. É complicado demais", diz Marcus. "Em vez disso, eu me concentrei em pedaços muito específicos da física --estudei cada um deles até saber o que era importante e o que não era-- e então juntei as peças. Se vamos entender as mudanças climáticas da Terra, acho que precisamos começar a olhar para elas com idéias novas."
 

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