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20/09/2004 - 06h08

Vila mineira pode guardar genes de índios botocudos

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CRISTINA AMORIM
da Folha de S.Paulo

Um grupo de brasileiros descobriu que os esforços dos portugueses na época colonial para exterminar os índios aimorés, ou botocudos, não foram tão bem-sucedidos quanto d. João 6 gostaria. Ainda que os últimos da tribo tenham morrido na década de 1920, uma vila no vale do Jequitinhonha (MG) parece guardar os genes dessa nação indígena.

"É quase a vingança dos vencidos", diz o geneticista Sergio Danilo Pena, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ele e seus colegas buscam em Queixadinha descendentes dos aimorés --especificamente da herança genética passada pela mães índias, o DNA mitocondrial.

Há algumas formas de levantar a história genética de um povo. Uma delas é buscar traços dos ancestrais no cromossomo Y, passado pelo pai aos filhos homens. Outra é mapear o DNA mitocondrial, ou mtDNA, só transmitido de mãe para filho e apenas transformado por mutações, cujas taxas são conhecidas pelos cientistas, o que o torna um excelente "relógio" molecular.

Tais mutações dividem o mtDNA em linhagens (ou haplótipos, na língua dos geneticistas), normalmente ligadas a uma origem geográfica. Há cinco linhagens ameríndias conhecidas: A, B, C, D e X, a última rara no Brasil, afirma Pena. O grupo da UFMG vasculhou Queixadinha em busca dessas "marcas", para construir uma árvore genealógica e descobrir a origem da população. "Se pegássemos um grupo do vale do Jequitinhonha, onde só viviam aimorés, e que esteja lá desde sempre, as linhagens mitocondriais que obtivéssemos seriam provavelmente de botocudos."

Os geneticistas analisaram 174 pessoas. Depois de um levantamento de parentesco, eles isolaram 74 linhagens matrilineares, vinte das quais eram ameríndias. O índice era esperado pela equipe. Uma pesquisa anterior havia demonstrado que um terço das marcas deixadas pelo mtDNA no código genético do brasileiro tem origem indígena.

A surpresa veio da análise das 20 linhagens ameríndias. Eles descobriram que a maior parte delas pertencia ao haplótipo C, o terceiro em freqüência no Brasil. Em seguida, perceberam que havia cinco linhagens dentro do grupo C nunca vistas na América do Sul.

A vila está localizada numa das regiões mais pobres do país: 91% das pessoas têm esquistossomose e 60% são analfabetas. "Ninguém se muda para lá", diz o geneticista. A baixa taxa de mobilidade geográfica, somada à história de ocupação botocuda, levou a equipe a deduzir que as cinco linhagens estão ligadas aos aimorés.

Para confirmar a hipótese, eles comparam os haplótipos exclusivos de Queixadinha com material genético de 20 dentes aimorés, guardados no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, desde o século 19. Pena espera obter a resposta no começo de 2004.

Ancestralidade

A tese da UFMG, caso confirmada, tem implicações na história antropológica americana. Análises anteriores dos formatos cranianos dos aimorés os apontam como possíveis descendentes da mais antiga habitante das Américas: Luzia, crânio com cerca de 13 mil anos encontrado em Minas Gerais na década de 1970.

Luzia está no centro de uma das teorias mais debatidas sobre o povoamento do continente, proposta pelo bioantropólogo brasileiro Walter Neves. Segundo ele, o crânio tem características físicas semelhantes às dos africanos e dos aborígenes australianos, o que indicaria a colonização americana inicial por povos negróides.

A teoria é criticada devido à falta de traços genéticos de Luzia e seu povo na atual população indígena do continente. Para Neves, os negróides teriam sido substituídos por outra onda migratória, tipicamente asiática (mongolóide).

Só que, até hoje, não se tem notícia de um grupo "vencedor" que não contenha genes dos "vencidos": sempre há mistura, principalmente entre os homens invasores e as mulheres dos invadidos. Se o povo de Luzia foi suplantado por outro, provavelmente houve cruzamento entre eles --e a transmissão do DNA mitocondrial. Caso os herdeiros tenham sido os aimorés, então os geneticistas podem ter em mãos a comprovação da hipótese de Neves. "Seria como ganhar uma loteria científica", diz Pena. "Mas estamos pagando para ver."

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