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27/06/2005 - 10h06

Mamífero picava como cobra, diz estudo

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Se alguém aterrissasse sua máquina do tempo em meio à mata pantanosa que dominava o oeste do Canadá há uns 60 milhões de anos, precisaria de um bocado de cuidado ao caminhar pela folhagem. Correria o risco de levar uma picada venenosa, uma injeção de peçonha nas próprias veias do viajante do tempo. Só que o atacante não seria uma cobra, mas um bichinho felpudo com o tamanho de um camundongo.

A história improvável dessa criatura, conhecida pelos cientistas como Bisonalveus browni, acaba de ser elucidada por uma dupla de pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá. Os caninos superiores do animal, que nunca tinham sido achados antes, exibem uma canaleta interna que só pode significar uma coisa: transmissão de veneno.

Em outras palavras, trata-se do primeiro mamífero fóssil a exibir características literalmente venenosas. Alguns raros parentes da humanidade vivos hoje são capazes de produzir veneno, mas nenhum de forma tão sofisticada --nem tão parecida com a de uma cobra-- quanto o B. browni.

"A semelhança com as serpentes é muito impressionante mesmo", disse à Folha o paleontólogo de vertebrados Richard C. Fox, 71, que publicou o estudo sobre a criatura na última edição da revista científica "Nature" (www.nature.com), junto com seu colega e aluno de doutorado Craig Scott. "Tanto essas ranhuras dentro dos dentes quanto a posição das presas que inoculam o veneno são muito parecidas com o que se vê em algumas cobras", afirma.

Fox compara o VDS (sistema de aplicação de veneno, na sigla inglesa) do mamífero a répteis como a africana cobra-de-papo (Dispholidus typus), comum em várias partes da África.

Da gaveta à surpresa

Embora tenha sido encontrado em 1991, o pequeno fóssil, formado por um crânio incompleto, pedaços das duas mandíbulas e vários dentes, só pôde ser estudado recentemente. "É comum, em trabalhos de museu, que essas coisas fiquem paradas até que alguém possa dedicar atenção a elas. Foi o que aconteceu com Scott quando ele veio fazer seu doutorado e eu sugeri que ele trabalhasse com esse material", conta Fox.

Apesar de a espécie já ser conhecida (graças a uns poucos dentes), o material de 1991 trouxe várias surpresas. A mais óbvia é a abertura do canino superior, que começa mais larga no alto, perto do que seria a gengiva, e vai afinando até terminar mais estreita na ponta do dente. Suas paredes estão cobertas de esmalte, o que deixa claro que a canaleta é uma estrutura natural da dentição do bicho, e não um buraco que apareceu ali durante sua decomposição.

De quebra, foi possível comparar esse dente com os caninos da parte de baixo da boca. Ficou claro que as presas inferiores têm formato bem diferente, mas se encaixam com perfeição nas de cima. Ou seja: tudo indica que se trata de um aparato especializado para produzir, injetar e liberar veneno. "Não encontramos sinais ósseos da câmara que guardaria o veneno, mas ela poderia estar localizada no fundo da mandíbula ou num tecido mole, que não se fossilizou", afirma Fox.

Seja como for, o bichinho certamente é um dos mamíferos mais inusitados do passado ou do presente. Entre os membros venenosos do grupo hoje estão o ornitorrinco (que tem uma espécie de espora responsável por injetar o líquido nas patas traseiras) e alguns musaranhos, cuja saliva é altamente tóxica, mas que não contam com dentes especializados para levá-la ao alvo. Só o Solenodon, um pequeno e esquisitíssimo comedor de insetos de Cuba, chega perto em sofisticação --mas são seus incisivos inferiores que fazem o serviço.

Os pesquisadores imaginam que o B. browni utilizasse seu veneno para imobilizar invertebrados ou pequenos vertebrados, como fazem seus análogos de hoje. Estima-se que, em vida, o animal todo não passasse muito dos 10 cm, lembrando vagamente um pequeno porco-espinho. Alguns membros de sua família mais estudados tinham características semi-aquáticas, como as lontras de hoje. No entanto, sem o resto do esqueleto do animal, é difícil dizer se esse era também o caso dele, afirma o paleontólogo.

Experimentalismo

A criatura habitou o Canadá no chamado Paleoceno, uma fase cheia de possibilidades para os mamíferos. É que os antigos reis da vida terrestre no planeta, os dinossauros, foram extintos há 66 milhões de anos, e uma série de oportunidades evolutivas tinham se escancarado. O B. browni conviveu com os primeiros primatas, parentes do homem (na época parecidos com um cruzamento de esquilo com lêmur), com os mais antigos herbívoros de casco e com os multituberculados, seres muito semelhantes aos roedores de hoje, mas sem parentesco próximo.

Talvez seja essa a chave para explicar o aparecimento da criaturinha, bem como de outros possíveis mamíferos peçonhentos que Fox e Scott dizem estar identificando na fauna canadense. "Essa é uma idéia bastante interessante, que nós ainda não exploramos. A variedade de mamíferos venenosos talvez tenha a ver com a exploração de novos estilos de vida que o Paleoceno permitiu."

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