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01/09/2005
-
09h28
CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo
O que era para ser o maior feito da biologia do século que nasce acabou ganhando um gosto agridoce. A decifração do genoma do chimpanzé e sua comparação com o humano, publicada nesta quinta-feira por um consórcio internacional de cientistas, falhou em identificar os fatores que diferenciam as duas espécies e descobrir, afinal, o que nos torna humanos.
O seqüenciamento de 95% do genoma do chimpanzé (Pan troglodytes), cuja análise sai hoje numa série de artigos na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), tem sido aguardado com ansiedade pelos biólogos moleculares, médicos e estudiosos da evolução humana.
Seu cruzamento com a seqüência de DNA do Homo sapiens, esperavam, traria pistas sobre as diferenças genéticas que nos tornam suscetíveis a doenças que não afetam esses grandes macacos africanos; e responderia a questões sobre os eventos evolutivos que conferiram à espécie humana o desenvolvimento da linguagem, o andar sobre duas pernas e habilidades cognitivas elevadas. Um Prêmio Nobel chegou a propor que, com a seqüência do chimpanzé em mãos, seria possível até mesmo reconstituir ancestrais extintos do homem. Não aconteceu.
Em vez disso, o estudo confirma previsões anteriores de que, ao menos nos genes, muito pouca coisa separa as duas espécies. As diferenças no DNA de humanos e chimpanzés são de apenas 4% dos quase 3 bilhões de bases (letras químicas A, T, C e G) que compõem ambos os genomas. E boa parte dessas modificações se deu de maneira trivial ao longo dos cerca de 6 milhões de anos transcorridos desde o ancestral comum de ambos, com a mera troca de uma letra num gene, a duplicação de um conjunto de letras qualquer ou a deleção de outro.
Quando se olha para os genes em si --isto é, os trechos de DNA que se traduzem em alguma função, como a síntese de proteínas--, nós e esses grandes macacos africanos somos 99% iguais.
Sem surpresas
"O número de diferenças é muito pequeno. São cerca de 40 milhões de bases", disse Robert Waterston, da Universidade de Washington, um dos coordenadores do estudo. "Nesses 40 milhões está o fundamento genético daquilo que nos torna humanos", arriscou, acrescentando que achar informações relevantes nessa sopa é que são elas --para variar.
"Em certo sentido, a grande surpresa é a falta de surpresas", disse à Folha o matemático Tarjei Mikkelsen, um aluno de pós-graduação do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que assina o artigo científico comparando os dois genomas, juntamente com pesquisadores dos EUA e da Europa.
"É natural pensar que, se os humanos são tão "especiais", isso deveria ser refletido em características "especiais" da seqüência do genoma. Mas agora que nós temos o genoma quase completo, é impressionante ver que os processos que levaram à evolução da espécie humana são os mesmos, e ocorreram no mesmo ritmo, que os que moldaram a evolução de outros mamíferos."
Evolução acelerada
Uma das formas de tentar descobrir as tais características "especiais" humanas no emaranhado do DNA seria olhar para os genes que estão evoluindo aceleradamente --ou seja, acumulando mutações (trocas de letras) que modifiquem a composição das proteínas que eles codificam.
"Nada de interessante salta aos olhos" quando se faz essa estimativa, disse o biólogo Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago (EUA). Só genes associados à reprodução e à defesa contra doenças, que também evoluem rápido nos chimpanzés. "A questão do que nos torna humanos continua em aberto."
O genoma traz, no entanto, algumas boas pistas para quem quiser se lançar à tentativa de respondê-la. Há seis ou sete regiões do DNA humano, por exemplo, que parecem ter sido "turbinadas" pela seleção natural. Em outras palavras, elas passaram inteiras através das gerações por conferirem alguma vantagem a seus portadores. Em uma dessas regiões reside o gene FOXP2, que está fortemente associado à linguagem.
Outro ponto que está atiçando a curiosidade dos cientistas é que as maiores anomalias parecem ser os chamados fatores de transcrição --genes que controlam o funcionamento de outros genes. Os 358 genes desse tipo estudados acumulam 47% mais mudanças que os seus equivalentes em chimpanzés. "Pequenas alterações nesses genes podem levar a mudanças dramáticas no organismo", disse Mikkelsen.
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da Folha de S.Paulo
O que era para ser o maior feito da biologia do século que nasce acabou ganhando um gosto agridoce. A decifração do genoma do chimpanzé e sua comparação com o humano, publicada nesta quinta-feira por um consórcio internacional de cientistas, falhou em identificar os fatores que diferenciam as duas espécies e descobrir, afinal, o que nos torna humanos.
O seqüenciamento de 95% do genoma do chimpanzé (Pan troglodytes), cuja análise sai hoje numa série de artigos na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com), tem sido aguardado com ansiedade pelos biólogos moleculares, médicos e estudiosos da evolução humana.
Seu cruzamento com a seqüência de DNA do Homo sapiens, esperavam, traria pistas sobre as diferenças genéticas que nos tornam suscetíveis a doenças que não afetam esses grandes macacos africanos; e responderia a questões sobre os eventos evolutivos que conferiram à espécie humana o desenvolvimento da linguagem, o andar sobre duas pernas e habilidades cognitivas elevadas. Um Prêmio Nobel chegou a propor que, com a seqüência do chimpanzé em mãos, seria possível até mesmo reconstituir ancestrais extintos do homem. Não aconteceu.
Em vez disso, o estudo confirma previsões anteriores de que, ao menos nos genes, muito pouca coisa separa as duas espécies. As diferenças no DNA de humanos e chimpanzés são de apenas 4% dos quase 3 bilhões de bases (letras químicas A, T, C e G) que compõem ambos os genomas. E boa parte dessas modificações se deu de maneira trivial ao longo dos cerca de 6 milhões de anos transcorridos desde o ancestral comum de ambos, com a mera troca de uma letra num gene, a duplicação de um conjunto de letras qualquer ou a deleção de outro.
Quando se olha para os genes em si --isto é, os trechos de DNA que se traduzem em alguma função, como a síntese de proteínas--, nós e esses grandes macacos africanos somos 99% iguais.
Sem surpresas
"O número de diferenças é muito pequeno. São cerca de 40 milhões de bases", disse Robert Waterston, da Universidade de Washington, um dos coordenadores do estudo. "Nesses 40 milhões está o fundamento genético daquilo que nos torna humanos", arriscou, acrescentando que achar informações relevantes nessa sopa é que são elas --para variar.
"Em certo sentido, a grande surpresa é a falta de surpresas", disse à Folha o matemático Tarjei Mikkelsen, um aluno de pós-graduação do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que assina o artigo científico comparando os dois genomas, juntamente com pesquisadores dos EUA e da Europa.
"É natural pensar que, se os humanos são tão "especiais", isso deveria ser refletido em características "especiais" da seqüência do genoma. Mas agora que nós temos o genoma quase completo, é impressionante ver que os processos que levaram à evolução da espécie humana são os mesmos, e ocorreram no mesmo ritmo, que os que moldaram a evolução de outros mamíferos."
Evolução acelerada
Uma das formas de tentar descobrir as tais características "especiais" humanas no emaranhado do DNA seria olhar para os genes que estão evoluindo aceleradamente --ou seja, acumulando mutações (trocas de letras) que modifiquem a composição das proteínas que eles codificam.
"Nada de interessante salta aos olhos" quando se faz essa estimativa, disse o biólogo Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago (EUA). Só genes associados à reprodução e à defesa contra doenças, que também evoluem rápido nos chimpanzés. "A questão do que nos torna humanos continua em aberto."
O genoma traz, no entanto, algumas boas pistas para quem quiser se lançar à tentativa de respondê-la. Há seis ou sete regiões do DNA humano, por exemplo, que parecem ter sido "turbinadas" pela seleção natural. Em outras palavras, elas passaram inteiras através das gerações por conferirem alguma vantagem a seus portadores. Em uma dessas regiões reside o gene FOXP2, que está fortemente associado à linguagem.
Outro ponto que está atiçando a curiosidade dos cientistas é que as maiores anomalias parecem ser os chamados fatores de transcrição --genes que controlam o funcionamento de outros genes. Os 358 genes desse tipo estudados acumulam 47% mais mudanças que os seus equivalentes em chimpanzés. "Pequenas alterações nesses genes podem levar a mudanças dramáticas no organismo", disse Mikkelsen.
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