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23/09/2005 - 09h25

Gramática vê laço entre línguas distantes

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Um método emprestado da biologia evolutiva pode quebrar uma velha barreira no estudo das línguas humanas. Com ele, lingüistas e antropólogos acharam indícios de parentesco entre idiomas que se separaram há mais de 10 mil anos e cujas palavras perderam toda semelhança aparente.

Para quem já está esboçando um "e daí?" monumental, é bom lembrar que um caminhão de perguntas sem resposta sobre a história humana pode vir do método quando ele for aperfeiçoado. O problema é que, passada a barreira dos 10 mil anos, ninguém consegue estimar o parentesco entre língua nenhuma, porque as palavras mudam rápido demais.

Acontece que nada menos que 95% da existência do Homo sapiens, incluindo a chegada a todos os continentes fora a África, encontra-se atrás dessa barreira. Como costuma haver boa sobreposição entre os idiomas e os povos que os falam, achar sinais de parentesco entre uns e outros poderia ser crucial para entender os muitos buracos que ainda restam na pré-história humana.

Os galhos e a árvore

O grande charme da pesquisa, que sai nesta sexta na revista americana "Science" (www.sciencemag.org), é unir lingüística com a chamada cladística. Essa técnica da biologia evolutiva (cujo nome vem da palavra grega "klados", ou galho) usa características compartilhadas entre os seres vivos para traçar uma árvore genealógica de espécies. Por meio de análises estatísticas sofisticadas, feitas por computador, ele separa primos próximos dos mais distantes.

"Foi Robert Foley [bioantropólogo que também assina o estudo] que nos sugeriu tentar aplicar a cladística aos traços lingüísticos. No começo nós não tínhamos idéia de como fazer isso, mas depois que os lingüistas aprenderam mais sobre cladística, e os biólogos aprenderam mais sobre língua, percebemos que era possível", contou à Folha a lingüista australiana Angela Terrill, do Instituto Max Planck de Psicolingüística, em Nijmegen (Holanda).

Todos os membros do grupo fazem trabalho de campo em Papua-Nova Guiné e ilhas adjacentes, região que é um dos maiores quebra-cabeças lingüísticos da Terra. Ali há vários idiomas do tronco austronésio, muitíssimo bem conhecido. Pouca gente discute que ele se originou perto de Taiwan há uns 4.000 anos e se espalhou por todo o Pacífico, chegando até a Nova Zelândia. Como a expansão foi (relativamente) muito rápida, as línguas do grupo são todas bastante parecidas.

O mesmo não acontece com as chamadas línguas papuanas. Calcula-se que elas estejam ali há pelo menos 35 mil anos. O problema é que, depois desse tempo todo, qualquer semelhança no vocabulário é erodida, mesmo que essas línguas tivessem uma origem comum (o que não é certo). "Estávamos frustrados com essa falta de correspondência", diz Stephen Levinson, outro dos lingüistas.

E se a gramática das línguas guardasse algum sinal dela? A idéia, lembra a lingüista Luciana Storto, do Departamento de Lingüística da USP, não é nova. "No método comparativo são usados também afixos [como prefixos, por exemplo]", diz Storto, que estuda idiomas do tronco tupi.

A diferença foi o uso da cladística, com seu rigor matemático, e a quantidade de traços usados ao mesmo tempo: 125. "São coisas como: a língua tem verbos no fim da frase? Os adjetivos vêm depois dos substantivos?", explica Terrill.

Para ver se a idéia tinha mesmo potencial, eles a testaram com as línguas austronésias da região. Viram que sim, a árvore montada com a cladística casava bastante bem com a obtida pelos métodos lingüísticos tradicionais. Quando aplicaram o mesmo método às línguas papuanas, obtiveram o que parecia ser uma árvore, na qual as línguas ficavam agrupadas segundo proximidade geográfica.

"Eu gostei dos resultados, mas resta saber se eles são significativos", questiona Storto. "Eu gostaria que eles aplicassem isso a outros troncos, como o indo-europeu e o tupi, e tivessem esse resultado. Aí vou ficar mais animada."

Levinson diz que a idéia agora é investigar relações entre as línguas papuanas e as da Austrália. A primeira colonização dos dois lugares aconteceu em épocas próximas. "A Nova Guiné e a Austrália estavam unidas no continente de Sahul há só 10 mil anos. Será que conseguiremos achar os elos que, em princípio, deveriam existir?"
 

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