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19/11/2005 - 10h54

Mega-observatório captura raio cósmico

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CÁSSIO LEITE VIEIRA
Colaboração para a Folha de S.Paulo

Nesta semana, o Observatório Pierre Auger, a maior instalação da Terra para o estudo de raios cósmicos ultra-energéticos, divulgou e discutiu seus primeiros dados científicos. O principal objetivo desse imenso laboratório terrestre, que se estende por milhares de quilômetros quadrados nos pampas argentinos, é desvendar a natureza e a origem das partículas de maior energia do universo.

Raios cósmicos são núcleos atômicos que penetram a atmosfera terrestre e, a dezenas de quilômetros acima do solo, chocam-se com átomos que formam o ar. Essa trombada causa um tipo de reação em cadeia cujo resultado é uma "chuveirada", que viaja rumo ao chão quase à velocidade da luz (300 mil km/s) e pode chegar lá contendo bilhões de partículas. Esse chuveiro aéreo pode cair sobre dezenas ou centenas de quilômetros quadrados no solo. O nome do projeto, por sinal, é uma homenagem ao físico francês Pierre Auger (1899-1993), descobridor desse fenômeno.

Neste momento, o leitor está sendo bombardeado por esses invasores espaciais, que penetram, sem causar danos, seu corpo na taxa de dezenas por segundo. Não adianta se proteger: algumas dessas partículas atravessariam incólumes camadas com trilhões de quilômetros de chumbo.

As partículas que desencadeiam a chuveirada lá no topo da atmosfera podem ser divididas em três categorias, segundo a energia que carregam. Os pouco energéticos vêm do Sol. Já é consenso que as que chegam lá em cima com energias moderadas são aceleradas pela explosão de estrelas no final da vida (as supernovas).

De onde?

Os ultra-energéticos, porém, são um mistério. De onde viriam? Que tipo de mecanismo cósmico estaria imprimindo brutal energia a esses núcleos, fazendo-os atingir 99,9999999999999999999999% da velocidade da luz?

"Essas duas questões estão entre os dez enigmas mais importantes da ciência deste século", diz Ronald Shellard, físico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, e adepto de primeira hora do projeto.

Para se ter uma idéia, um núcleo ultra-energético chamado zévatron pode carregar a mesma energia que uma bola de tênis sacada com entusiasmo por Guga nos seus bons tempos. Nada mal para algo bilhões e bilhões de vezes menor que um grão de areia. Se um zévatron pesasse um miligrama, seu impacto contra a Terra seria equivalente ao de um asteróide com a massa do monte Everest, viajando a 200 mil km/h.

Quanto mais energéticos, mais raros são os raios cósmicos. Os zévatrons caem na Terra em um fluxo decepcionante: um por quilômetro quadrado por ano ou, em alguns casos, por século. Para driblar esse inconveniente, a saída foi espalhar detectores pela maior área possível. No caso do Auger, 3.000 quilômetros quadrados, ou seja, três vezes o município do Rio de Janeiro.

Nesta semana, o Auger também comemorou a instalação de seu milésimo detector. Ao todo, essa malha terá 1.600 mil deles, separados uns dos outros por 1,5 km. Cada detector é formado por um tanque plástico (3,5 m de diâmetro e 1,5 m de altura), contendo 12 toneladas de água ultrapura, para evitar o crescimento de bactérias que a turvem.

Ultravioleta

Ao atravessar essa água, as partículas emitem uma luz invisível (ultravioleta), captada por três sensores. Imediatamente, um sinal é enviado, por telefonia celular, para o centro de análise de dados. Cada tanque tem ainda um GPS (sistema de posicionamento global) que funciona como um relógio ultrapreciso, indicando, em bilionésimos de segundo, o tempo que o chuveiro aéreo levou para "aterrissar". Toda essa eletrônica é alimentada por uma bateria e um painel solar.

Quatro "olhos", posicionados nas extremidades da rede de detectores, investigam o céu em noites claras, mas sem luar intenso. Eles buscam a luz emitida pelas moléculas de nitrogênio do ar que interagem com as partículas do chuveiro. Cada olho contém seis telescópios, formados por uma colméia de espelhos que capta essa radiação tênue e a joga sobre 440 sensores para ser amplificada. "Esse equipamento é capaz de detectar uma lâmpada de quatro watts, como aquelas de árvores de Natal, a 15 km de distância", compara Carlos Ourivio Escobar, físico da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) (SP) e coordenador do Auger no Brasil, onde há oito instituições participantes.

Os resultados apresentados agora pelo Auger equivalem a apenas três meses de funcionamento dessa megaestrutura híbrida (tanques mais telescópios). E ainda não permitem apontar a direção do céu da qual chegam os ultra-energéticos. "São resultados ainda muitos modestos. Precisamos de mais dados", justifica o físico norte-americano James Cronin, Nobel de 1980 e um dos idealizadores do projeto, juntamente com o escocês Alan Watson.

"É fundamental construir um observatório similar no hemisfério Norte", diz o físico da Universidade de Chicago. Cronin refere-se ao "gêmeo" do Auger, que começará a ser construído no Estado do Colorado (Estados Unidos) e investigará o céu setentrional.

Esquisitices

Na manhã de 7 de agosto de 1962, o físico John Linsley (1925-2002) capturou o primeiro zévatron da história. Desde então, os teóricos tentam explicar que mecanismos estariam acelerando os ultra-energéticos. A lista é longa: defeitos topológicos (volumes de espaço que "esqueceram" de explodir depois do Big Bang); estrelas de nêutrons dotadas de campos magnéticos milhões de vezes mais intensos que o terrestre; colisão de galáxias; buracos negros hipermaciços; partículas ainda desconhecidas cujos nomes lembram os vilões de filmes japoneses (críptons, vórtons e wimpzillas). Perguntado sobre qual opção o surpreenderia mais, Cronin não hesita: "Os defeitos topológicos, pois é a hipótese que mais se parece com ficção científica".

O Auger já tem três candidatos a zévatron. "Infelizmente, o que nos pareceu mais energético caiu meio fora da rede de detectores", explica o francês Antoine Letessier-Selvon, responsável pela análise dos dados.

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