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10/01/2007 - 21h22

Instituto divulga carta do segundo homem a atingir o pólo Sul; leia íntegra

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da Folha de S. Paulo

O texto integral da última carta escrita pelo explorador Robert Falcon Scott, morto em 1912 durante a corrida para chegar ao Pólo Sul foi divulgado pela primeira vez ontem. Sabendo que estava prestes a morrer na viagem de volta, ele escreveu para sua mulher, Kathleen Scott, um relato iniciado pelo vocativo: "À minha viúva".

Scott disse encarar o fim de seus dias sem arrependimento. "Ele foi melhor do que o ócio no conforto de casa", escreveu, no documento resgatado um ano depois de ele e sua equipe morrerem de frio e fome.

A coragem de Scott em enfrentar seu destino --mesmo seguida do desapontamento por ter perdido a corrida ao pólo Sul-- lhe deu o título de herói nacional. A disputa foi vencida pelo norueguês Roald Amundsen, que chegou ao pólo em 21 de dezembro de 1911, quatro semanas antes do britânico.

A última carta do explorador havia sido publicada apenas em parte. O documento original será exibido a partir de 17 de janeiro no Instituto Scott de Pesquisa Polar, em Cambridge.

A coleção de cartas particulares de Scott foi recentemente doada ao instituto por Philippa, viúva do único filho de Scott, Peter, morto em 1989.

Ele foi mencionado no trágico documento. "Se você conseguir, faça o garoto se interessar por história natural", disse Scott a Kathleen. "É melhor do que os jogos". Peter seguiu carreira em ornitologia mais tarde.

Kathleen Scott estava viajando à Nova Zelândia à espera do retorno do marido quando recebeu a notícia de sua morte.

"Meu Deus! Esse lugar é horrível, e terrível o suficiente para nós, que trabalhamos para chegar aqui sem ter a recompensa da primazia", escreveu Scott.

Entre os trechos mais emotivos da carta estão as referências às dificuldades enfrentadas e declarações de amor: "Querida, é difícil escrever por causa do frio --70 graus abaixo de zero e nada além do abrigo da nossa barraca-- você sabe que eu a amei, você sabe que meus pensamentos estiveram em você constantemente e, oh querida, você deve saber que o pior aspecto desta situação é pensar que eu não deverei mais vê-la. (...) O inevitável deve ser encarado.

Confira a íntegra da carta traduzida:

"À minha viúva
Minha querida,

Estamos numa enrascada e eu tenho dúvida de que sairemos desta. Nos nossos curtos horários de refeição, eu aproveito um pouquinho de calor para escrever cartas preparatórias para um possível fim. A primeira é naturalmente para você, com quem estão meus pensamentos de dia e de noite. Se qualquer coisa me acontecer, eu quero que você saiba o quanto você significou para mim e que lembranças boas guardo agora que parto.

Eu gostaria que você se confortasse o máximo possível com esses fatos também. Eu não terei sentido nenhuma dor, mas deixo o mundo revigorado pelo trabalho e cheio de saúde. Isso já está ditado: quando as provisões chegarem ao fim, nós devemos simplesmente parar onde estamos, a curta distância de outro depósito. Portanto, você não deve imaginar uma grande tragédia. Estamos muito ansiosos, claro, e temos estado assim nas últimas semanas, mas em condição física esplêndida, e nosso apetite compensa qualquer desconforto. O frio é cortante e algumas vezes irritante, mas a comida quente que o espanta é tão maravilhosamente apreciável que dificilmente passaríamos sem ela.

Nós já decaímos um bocado desde que que escrevi o trecho acima. O pobre Titus Oates se foi --eles estava em mau estado--, o resto de nós continua marchando e imagina que temos uma chance de sobreviver, mas o tempo frio não dá trégua. Estamos agora a 20 milhas de um depósito, mas temos muito pouca comida ou combustível.

Bem, meu coração, eu quero que você encare tudo isso com muita sensatez, e estou certo de que encarará. O garoto será o seu consolo. Esperava poder ajudar você a criá-lo, mas é uma satisfação sentir que ele estará seguro com você. Eu acho que tanto ele quanto você deverão receber cuidados especiais do país pelo qual, no fim das contas, nós demos as nossas vidas (...) Eu estou escrevendo cartas a esse respeito no final deste livro depois disso. Você as enviará a seus vários destinatários?
Eu preciso escrever uma cartinha para o garoto se houver tempo para que ela seja lida depois que ele crescer. Querida, não acalante baboseiras sentimentais sobre se casar de novo --quando o homem certo chegar para ajudá-la na vida, você deve ser feliz de novo. Eu espero que eu possa ser uma boa memória, certamente o fim não é nada do que você deva se envergonhar, e eu gosto de pensar que o garoto terá orgulho de sua criação.

Minha querida, não é fácil escrever por causa do frio --70 graus abaixo de zero e nada além do abrigo na nossa barraca. Você sabe que eu a amei, sabe que meus pensamentos estiveram constantemente em você e, oh, querida, você deve saber que o pior aspecto desta situação é pensar que eu não deverei mais vê-la. O inevitável deve ser encarado --você me instou a ser o líder deste grupo e eu sei que você sentia que seria perigoso. Eu cumpri meu papel até o fim, não cumpri?

Deus abençoe você, minha querida. Eu tentarei escrever mais mais tarde. Prossigo nas páginas de trás.

Desde que escrevi o trecho acima, nós chegamos a 11 milhas do nosso depósito com uma refeição quente e dois dias de comida fria, e deveríamos ter chegado lá, mas fomos detidos por quatro dias por uma tempestade assustadora. Eu acho que a melhor chance se foi e nós decidimos não nos matar, mas lutar para chegar ao último depósito, mas na luta há um final indolor, então não se preocupe. Eu escrevi cartas nas páginas ímpares deste livro --você conseguirá fazer com que sejam enviadas?

Veja, estou ansioso por você e pelo futuro do garoto. Se conseguir, faça o garoto se interessar por história natural, é melhor que jogos --eles estimulam isso em algumas escolas. Eu sei que você o manterá ao ar livre. Tente, e faça-o acreditar em um Deus, é reconfortante. Oh, minha cara, como eu tenho sonhado com o futuro dele e, oh, minha menina, eu sei que você vai encarar estoicamente. Seu retrato e o do garoto serão achados no meu peito e aquele na caixinha vermelha de marroquinaria dada por Lady Baxter. Há um pedaço da bandeira britânica que eu finquei no pólo Sul na minha bolsa pessoal, junto com a bandeira negra de Amundsen e outras quinquilharias. Dê um pedacinho ao rei e um pedacinho à rainha Alexandra, e fique com o resto como um pobre troféu para você!

Quantas e quantas coisas eu poderia contar a você sobre esta viagem. Quão melhor ela é do que o ócio no conforto de casa --que histórias você teria para o garoto mas, oh, que preço alto a pagar por isso é ser privado de ver seu rosto.

Cara, eu sei que você será boa com a velha mãe. Eu escrevo umas linhas para ela neste livro. Também mantenha-se às boas com Ettie e os outros --oh, mas mostre-se forte diante do mundo; só não seja tão orgulhosa a ponto de não aceitar ajuda para o garoto. Ele precisa ter uma bela carreira e fazer alguma coisa neste mundo. Eu não tenho tempo de escrever para Sir Clements --diga a ele que eu pensei muito nele e nunca lamentei que ele tenha me colocado no comando do Discovery.

Com agências internacionais; Tradução: Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha de S. Paulo
 

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