Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
08/01/2001 - 12h20

Equipe tenta "domar" mecânica quântica

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Os contra-sensos do mundo quântico -ambiente habitado pelas partículas subatômicas- oferecem prodígios tecnológicos inimagináveis a quem souber lidar com eles. Mas antes que as maravilhas se tornem realidade, é preciso driblar a física clássica, trazendo as propriedades quânticas para o mundo macroscópico.

Um quarteto de físicos da Dinamarca e da Áustria agora propõe uma receita para executar o truque. A recompensa é o aperfeiçoamento dos relógios atômicos e, possivelmente, a criação de computadores quânticos -para não falar de coisas ainda mais radicais, como o teletransporte.

Tal qual uma esfinge, a mecânica quântica se debruça sobre os físicos, sussurrando "decifra-me ou te devoro". E, para enveredar pelos tortuosos caminhos quânticos, de nada serve a confortável e intuitiva lógica cotidiana. Somente as equações matemáticas oferecem respostas -e elas são as mais malucas possíveis.

Uma das mais estranhas propriedades físicas é o "entrelaçamento" de partículas ("entanglement", em inglês). Esse fenômeno, capaz de assustar até o físico Albert Einstein, que o descreveu como "esquisita ação à distância", diz que é possível ligar duas partículas de forma indissolúvel, de modo que tudo o que acontece com uma reflete na outra, não importando a distância entre elas.

Anders Sorensen, da Universidade de Aarhus (Dinamarca), e colegas montaram um modelo de como fazer com que vários átomos sejam entrelaçados, driblando um dos maiores inconvenientes da física quântica: o princípio da incerteza de Heisenberg.

Nunca diga nunca

O conceito, estabelecido pelo cientista alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976), diz que tudo no mundo atômico é questão de probabilidade -nada pode ser dado por certo- e que é impossível determinar com exatidão todas as propriedades de uma partícula -detectar uma delas significa descartar as outras.

Entretanto, ao entrelaçar partículas, é possível restringir as possibilidades de seu comportamento -Heisenberg continua lá, mas o espaço dele fica mais apertado.

A sugestão de Sorensen é chocar vários átomos -contidos em uma amostra especial de partículas chamada de condensado Bose-Einstein-, fazendo com que eles se entrelacem. Sua proposta está na última edição da revista "Nature" (www.nature.com).

"Nenhum de nós está trabalhando com testes, mas esperamos que grupos de física aplicada tentem fazer a experiência em um futuro breve", diz Sorensen.

Ele acredita que a técnica poderia "sintonizar" os átomos antes de colocá-los em relógios atômicos -instrumentos de alta precisão que usam a constante vibração dos átomos para manter o relógio no passo certo- tornando-os ainda mais eficientes e exatos. "Nosso método poderia ser usado para preparar os átomos em um estado mais adequado antes que eles sejam injetados em um relógio atômico", diz.

Quanto às possibilidades para a criação de um computador quântico -que usaria as propriedades subatômicas para executar operações muito mais rapidamente que um computador tradicional, feito de silício-, "elas aumentam bastante", afirma Sorensen. "Sem o entrelaçamento de múltiplas partículas, você não pode construir um computador quântico."

Entretanto, a mais fascinante (e improvável) das aplicações da "esquisita ação à distância" de Einstein é o teleporte -o ato de fazer algo desaparecer em um lugar e reaparecer em outro.

"Beam me up, Scotty"

Em 1997, um experimento realizado na Universidade de Innsbruck, Áustria, e publicado na revista "Science" ficou célebre por tornar o teletransporte uma realidade -contanto que o que se queira mover de um ponto a outro seja um único fóton.

Apelidado de "Beam me up, Scotty" ("Leve-me para cima, Scotty", frase comumente utilizada pelo capitão Kirk, do seriado "Jornada nas Estrelas", ao pedir para ser teletransportado de volta à nave), o experimento usou o entrelaçamento de fótons para fazer com que um deles desaparecesse em um dos cantos do laboratório e tornasse a aparecer no outro.

O resultado, segundo os pesquisadores, foi a mera constatação de que o entrelaçamento de partículas é real. Agora, a proposta de Sorensen pode fazer um pouco mais. "Um palpite otimista é que seríamos capazes de demonstrar o entrelaçamento de 100 a 1.000 átomos em alguns anos", afirma. Ainda não está nem perto do número de átomos existentes em um capitão Kirk, mas já é um começo.

E, ao que parece, o começo do teleporte pode ser também o limite das possibilidades. Lawrence Krauss, um físico da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland (EUA), considera a tecnologia no mínimo improvável.

Em seu livro "A Física de Jornada nas Estrelas" ("The Physics of Star Trek"), Krauss apresenta dois bons motivos para descredenciar o teletransporte. O primeiro deles é a dificuldade em driblar o princípio da incerteza e medir todas as propriedades de todas as partículas que compõem um objeto. O segundo seria ter um computador com memória suficiente para armazenar todas propriedades quânticas de todos os átomos do objeto.

"Esse era o status há alguns anos. Desde então, descobrimos que o entrelaçamento resolve o primeiro problema. O segundo ainda está aí", afirma Sorensen.

Mesmo depois do teletransporte do fóton de 1997, Krauss continua tão pessimista quanto antes. "O teleporte quântico ocorre quando dois estados entrelaçados (de duas partículas) estão altamente correlacionados, de modo que é possível usar a interação com uma partícula para afetar a outra. Mas essa correlação quântica é muito frágil. É por isso que pessoas e outros objetos macroscópicos agem de forma clássica, e não como na mecânica quântica."
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página