Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
11/01/2001 - 06h46

Cristal de 4 bilhões de anos ajuda a desvendar como era a Terra

SALVADOR NOGUEIRA
free-lance para a Folha

Se a história da Terra fosse uma novela de 45 capítulos, os geólogos só teriam assistido até agora, em videoteipe, aos 40 últimos episódios. Imagine que no capítulo 5 uma enorme bomba tenha explodido, matando todos os personagens. Outros surgiriam no capítulo 6, mas os geólogos nada saberiam dos primeiros. Até agora.

Para desvendar os primeiros capítulos da novela, destruídos totalmente pelo chamado cataclismo lunar _uma intensa e constante chuva de asteróides que destruiu praticamente toda a superfície do planeta há cerca de 4 bilhões de anos_, os cientistas tiveram que apelar para pequenos cristais de zircônio, os únicos remanescentes dessa era perdida.

Dois trabalhos publicados hoje na revista "Nature" mostram os resultados da análise de cristais recolhidos em Jack Hills, na Austrália.

Um grupo, liderado por Simon Wilde, da Universidade de Tecnologia Curtin (Austrália), identificou o fragmento de cristal mais velho já encontrado, com 4,4 bilhões de anos. Já o outro grupo, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, obteve dados com fragmentos de 4,3 bilhões de anos.

A determinação da idade dos fragmentos é feita com base na análise do decaimento de átomos radioativos. Átomos mais pesados tendem, com o tempo, a diminuir de tamanho. Para isso, eles precisam desprender prótons, nêutrons e elétrons _emissão que chamamos de radiação.

Para saber a idade de um material, tudo que os cientistas precisam é saber quanto tempo um elemento específico demora para decair _ou seja, tornar-se outro. Analisando a proporção existente entre átomos decaídos e átomos por decair no interior do cristal, é possível precisar sua idade.

No caso dos fragmentos de cristais de zircônio, os cientistas usaram a proporção entre urânio e chumbo para determinar a data.

Depois de constatar que os pedacinhos de cristal eram mesmo dos capítulos perdidos da novela da Terra, a segunda _e mais importante_ pergunta dos cientistas foi: o que eles podem contar dessa fase obscura do planeta?

Revelações

As pesquisas detectaram inesperada concentração de formas de oxigênio nos cristais. "O único modo conhecido de aumentar as taxas de oxigênio além dos níveis encontrados no manto envolve interação com água. Por isso acreditamos que deve ter havido um corpo de água de tamanho razoável", disse Wilde à Folha.

Ou seja, a descoberta dos cientistas sugere que, 100 milhões de anos após sua formação, a Terra já teria oceanos e continentes, e não apenas uma superfície composta por magma derretido _idéia até então vigente.

Wilde aposta que a nova descoberta mudará um bocado o que atualmente se especula sobre a época. "Ela modificará idéias de quando, ou mesmo como, a Lua se formou. Mudará nossa visão de que a Terra foi pastosa por um longo período após sua formação. Modificará como as pessoas vêem o efeito de um bombardeamento de meteoritos na destruição total da primeira crosta terrestre."

Risco calculado

Em comentário sobre as pesquisas, Alex Halliday, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, escreveu que "inferir a existência de continentes inteiros a partir de grãos de zircônio exige um grande salto de imaginação".

Wilde admite o perigo de fazer tal especulação. "É arriscado. Mas, quando tudo que você tem para prosseguir é um simples grão, o que se pode fazer? Seguimos princípios científicos e concluímos que era a única possibilidade. Se nós, os descobridores, não fizermos essa óbvia especulação, outros certamente a farão."
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página