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14/01/2001 - 07h28

Aceleradores de partícula podem mudar entendimento do Universo

JAMES GLANZ
do "The New York Times"

Gerard Bachy, um engenheiro, se posiciona 75 metros abaixo do solo em uma imensa caverna que os cientistas acreditam poder funcionar como um tipo de lanterna mágica. Milhares deles esperam usar essa lanterna para encontrar uma misteriosa partícula subatômica chamada bóson de Higgs -à qual se atribui a fonte de toda a massa do Universo, a razão pela qual a matéria tem peso.

Se pudessem realizar mais alguns desejos, esses cientistas encontrariam algumas coisas estranhas previstas em teorias mais especulativas, como novas dimensões escondidas no tecido do espaço e algumas partículas desconhecidas com propriedades estranhas -descobertas que mudariam a visão humana do cosmos.

Bachy é o engenheiro-chefe de um detector de partículas colossal, chamado Atlas, que será montado dentro da caverna, assim que ela esteja pronta. Os pesquisadores esperam então explorar a realidade chocando partículas em algum ponto nove metros abaixo de onde Bachy está pisando atualmente.

Um túnel vertical para transportar partes do detector passa sobre sua cabeça. Bachy procura uma analogia para descrever a tarefa de construir o detector de 7.000 toneladas, que preencherá a caverna quase totalmente quando estiver concluído. "Em termos de espaço, diria que é como um submarino", diz. "Mas, em complexidade técnica, está perto do programa espacial."

Sendo construído no Cern, o principal laboratório de física de partículas europeu, o Atlas será um dos dois detectores gigantes instalados ao redor do que será o mais poderoso acelerador de partículas do mundo. Conhecido como o Grande Colisor de Hádrons ("Large Hadron Collider", ou LHC), o acelerador irá ocupar o mesmo túnel subterrâneo, um círculo com 27 km de diâmetro, que atualmente abriga uma máquina menos poderosa, com demolição já marcada. Se tudo correr como planejado, a máquina de US$ 4 bilhões irá começar a coletar dados em 2005.

A organização do projeto é internacional. Só o Atlas irá envolver 1.800 cientistas em 34 países, incluindo mais de 30 instituições nos EUA, que irão contribuir com US$ 500 milhões para o projeto do LHC.

O novo acelerador não estará sozinho em sua busca. No Laboratório Acelerador Nacional Fermi (Fermilab), perto de Chicago (EUA), um acelerador chamado Tevatron está sendo atualizado e começará a coletar dados em março. Embora seja menos poderoso que o LHC, o Tevatron tem uma chance de levar a melhor na busca pelo Higgs e por outras partículas, pelo simples fato de que começará a operar mais cedo.

Independentemente de quem chegar lá antes, cientistas do mundo todo estão esperando descobertas que poderiam ajudá-los a entender a natureza em seu mais profundo nível -ou deixá-los terrivelmente confusos.

"Temos grandes expectativas do que pode aparecer nos novos colisores", diz Marcela Carena, teórica no Fermilab. "No momento, temos uma compreensão muito boa de nosso mundo, mas sabemos que esse entendimento não é definitivo. Queremos chegar até a essência da física de partículas e ir a fundo na essência do entendimento de como a natureza funciona."

James Siegrist, professor de física da Universidade da Califórnia em Berkeley e presidente da comissão de instituições dos EUA envolvidas com o Atlas, diz que mesmo que o Tevatron ganhe a corrida pelo Higgs, ainda haveria muitas outras descobertas para fazer. "Ficaremos muito surpresos se ligarmos tudo e o Higgs seja a única coisa por lá", afirma.



Política de partículas Além das questões científicas, o empurrão para cavar mais fundo na estrutura da matéria e do espaço vem também de uma dose alta de política. Desde julho, o acelerador LEP ("Large Electron-Positron Collider", ou "Grande Colisor de Elétrons e Pósitrons"), que ocupa o túnel circular que será usado pelo LHC, está gerando dados que já podem ser os primeiros sinais do Higgs.

Cientistas responsáveis pelos experimentos pediram aos administradores do laboratório que adiassem o início da construção do LHC por um ano, para que pudessem confirmar a possibilidade, mas o pedido foi vetado pelo diretor geral do Cern, Luciano Maiani.

A decisão de não mudar os planos para procurar um dos mais importantes prêmios da ciência dividiu a comunidade mundial de físicos, que já está tentando formar um consenso de como o sucessor do LHC deveria ser -provavelmente um projeto de décadas que exigiria a participação de muitos países.

"Política e cientificamente, é uma época tênue em nosso campo para pensar sobre o futuro", diz Howard Haber, físico de partículas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. Determinar rapidamente a existência do Higgs e suas propriedades daria um poderoso impulso ao projeto, ele afirma, e guiaria os físicos que estão tateando à procura de uma teoria do cosmos mais abrangente do que as que eles têm agora.

Torsten Akesson, físico na Universidade Lund (Suécia) designado como porta-voz para o Atlas, concordou que as evidências foram consistentes com o que se esperaria de uma detecção do Higgs. Mas ele disse que as evidências ainda poderiam ser resultado de uma falha estatística, e que ele era a favor de seguir com a nova máquina. Mesmo Gordon Kane, teórico de partículas da Universidade de Michigan que expressou surpresa com a decisão de fechar o LEP, disse que a onda de descobertas que estaria por vir remediaria muitas feridas.

Ele diz que as novas partículas, além do Higgs, podem aparecer no Tevatron se uma avançada mas especulativa teoria de partículas chamada supersimetria estiver correta, superando alguns dos mistérios que existem na atual teoria da estrutura da matéria, o Modelo Padrão.

"Será um incrível feito da humanidade", diz Kane. "Eu realmente acho que isso vai afetar profundamente a visão das pessoas a respeito do significado do mundo." A animação começa com o Higgs e com o Modelo Padrão, uma teoria "testada e aprovada" que se tornou a pedra fundamental da física de partículas nas últimas décadas, mas provavelmente não vai parar por aí.

Existem quatro forças conhecidas na natureza: a força forte, que mantém os núcleos atômicos coesos; a força fraca, que causa o decaimento radioativo; o eletromagnetismo, uma combinação das forças elétricas e magnéticas; e a gravidade. O Modelo Padrão engloba todas as partículas conhecidas em suas interações pelas três primeiras forças; um formalismo separado -a teoria geral da relatividade de Einstein- lida com a gravidade.

O Modelo Padrão separa as partículas fundamentais em três grandes classes: quarks e léptons -os blocos de construção da matéria- e bósons -os veículos, ou transportadores de força, pelos quais todas as partículas interagem. Por exemplo, os fótons, ou partículas de luz, transmitem a força eletromagnética, enquanto os glúons transmitem a força forte.

Uma possível extensão, a chamada supersimetria, tem sido bastante estudada pelos cientistas. Ela prediz que cada partícula do Modelo Padrão tenha uma parceira desconhecida, que poderá aparecer quando os novos aceleradores começarem a operar.



Procurando outras dimensões Alguns físicos esperam que um formalismo ainda mais abrangente -a teoria das supercordas- fará não só o que a supersimetria faz, mas incluirá a gravidade, além de predizer a intensidade das forças e a massa das partículas.

Essa teoria altamente matemática ainda está longe de fazer isso, mas sugeriu uma nova e estranha possibilidade para resolver o problema, uma que poderia ter consequências mensuráveis em experiências.

As cordas supostamente existiriam em dez dimensões. Como o nosso mundo aparentemente tem apenas quatro dimensões, os teóricos especulam que as entidades relacionadas às partículas que deveriam carregar a força gravitacional poderiam ser criadas pelos novos aceleradores e então fugir para as dimensões invisíveis. Isso deixaria para trás um misterioso déficit energético.

"Certamente a perspectiva de identificar um sinal para essas coisas em um colisor é uma grande esperança", diz Lisa Randall, professora de física do Instituto de Tecnologia de Massachusetts responsável por algumas inovações nessas teorias.

De volta à caverna do Cern, Bachy (o engenheiro-chefe do Atlas) diz que aprecia os grandes planos dos físicos para mudar a perspectiva da humanidade, com relação ao cosmos, usando o detector que ele está construindo. Mas, quando indagado sobre suas maiores preocupações ligadas ao projeto, ele abandona as teorias avançadas de partículas e as novas dimensões. "Que alguma coisa não caiba", diz Bachy, olhando para o túnel construído sobre sua cabeça.


Tradução de Salvador Nogueira
 

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