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21/01/2001 - 14h12

Novo modelo decifra enigma de nebulosa

JOHN NOBLE WILFORD
DO "THE NEW YORK TIMES"

A impressionante foto da nebulosa Águia tirada pelo telescópio espacial Hubble em novembro de 1995 se tornou um ícone da era da exploração espacial, junto com a pegada da Apolo na poeira lunar e as imagens da Terra como brilhante jóia azul e branca incrustada no veludo negro do infinito.

As enormes colunas de nuvens são sublimes e imponentes, se destacando como nuvens de tempestade à luz de estrelas brilhantes. Tão carregadas são as nuvens negras e o polvilhar de densos glóbulos emergentes, do tamanho ou até maiores que o Sistema Solar, que aparentam ser berços de estrelas recém-nascidas. A majestade do panorama e a sugestão de regeneração cósmica deixaram até os astrônomos boquiabertos.

Abrindo mão da linguagem geralmente pouco passional da sua profissão, os astrônomos apelidaram a mais famosa das fotos da Hubble de "Pilares da Criação".

Desde então, cientistas têm examinado a foto com maior atenção e revirado suas teorias e conhecimentos dos processos astrofísicos para encontrar um julgamento menos romântico de o que acontece na nebulosa Águia. Também conhecida como M16, a nebulosa está a 7.000 anos-luz de distância, na constelação de Serpens. Seus pilares têm quase 10 trilhões de quilômetros de altura.

Astrofísicos do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, EUA, testaram algumas idéias com simulações de computador e agora acreditam ter entendido as forças que criaram uma arquitetura cósmica tão estonteante. Eles esperam reforçar suas idéias com experimentos usando laseres, uma das promissoras abordagens da pesquisa astrofísica terrestre.

Baseado em análises recentes, Jave Kane, um astrofísico teórico do laboratório, sugeriu uma explicação hidrodinâmica modificada para a estrutura da nebulosa. Ela envolve uma revisão da teoria sobre instabilidade na fronteira de fluidos mais densos e mais leves conhecida como princípio Rayleigh-Taylor. Nesse caso, o princípio se aplica a gás aquecido sobre uma nuvem fria e densa.

"Nas simulações, nosso modelo mostrou ter boa chance de explicar a Águia", afirmou Kane.

Nessa cadeia de eventos, a brilhante luz ultravioleta de estrelas próximas aquece a superfície da nuvem molecular original. Tais nuvens são onipresentes, majoritariamente compostas por hidrogênio e hélio, das quais são feitas as estrelas. Se forem aquecidas, essas nuvens se tornam instáveis. A matéria da superfície é ejetada. Essa matéria quente e de baixa densidade se empurra contra a matéria mais fria e densa que restou na nuvem, basicamente como a exaustão de um foguete acelera uma nave na direção oposta.

Se existem irregularidades na interface entre a luz e a matéria densa, com o tempo, parte da matéria densa acaba caindo para fora da nuvem. Em 1954, Lyman Spitzer Jr., da Universidade de Princeton, propôs o princípio de Rayleigh-Taylor como a provável explicação para as línguas, ou "trombas de elefante", de nuvens escuras que os astrônomos estavam observando em várias nebulosas, incluindo as imagens então mais imprecisas da Águia.

Mas, em 1998, astrônomos fazendo observações radiotelescópicas levantaram dúvidas sobre a hipótese. Marc Pound, da Universidade de Maryland, afirmou que as observações revelaram velocidades e densidades de matéria fluindo da parte de baixo até a ponta das colunas de nuvens que eram "inconsistentes com as esperadas pelo Rayleigh-Taylor".

Como resultado, Pound defendeu uma explicação alternativa, uma teoria anterior conhecida como modelo cometário. Ele afirmou que o fronte dinâmico da radiação estelar "corrói" a nuvem molecular até ser detido por um núcleo de nuvem mais denso. O impacto no núcleo presumivelmente resulta em muito da estrutura da nebulosa. O bolo de matéria residual do núcleo permaneceu no que se assemelhava à cabeça de um cometa, enquanto a matéria em evaporação se estendeu como o rabo de um cometa.

Em simulações de fenômenos astrofísicos, explicou Kane, trabalha-se de trás para frente. Como as condições iniciais não são conhecidas, "pega-se o resultado que você vê e puxa-se parâmetros das possíveis condições iniciais".

Em seu modelo, Kane introduziu três pré-condições, modificando os testes-padrão do princípio Rayleigh-Taylor. Uma é que a energia estelar que age na nuvem não é constante, portanto as acelerações "de foguete" vão variar. A segunda condição leva em consideração a espessura da nuvem. E na terceira, pressupõe-se que parte da matéria da nuvem seja comprimível, pois o gás aquecido é definitivamente comprimível.

Dessa forma, as velocidades e densidades da matéria nas colunas se conformaram ao princípio Rayleigh-Taylor.

Mas as colunas, pensam os cientistas, são um espetáculo recente e passageiro. Elas não podem ter mais que algumas centenas de milhares de anos, caso contrário já teriam se desintegrado.

Em seguida, Kane e outros cientistas do laboratório querem submeter os resultados da simulação a um teste mais rigoroso -experimentos com laseres alimentando a energia para tentar reproduzir tais fenômenos cósmicos.

"Simulações são boas até certo ponto", afirma Bruce A. Remington, líder do grupo de astrofísica laser do laboratório.

Por grande parte de sua história, a astronomia foi uma ciência estritamente observacional, e astrofísicos anteriores basearam a maior parte de suas teorias naquilo que astrônomos conseguiam ver. Isso mudou, com os físicos de partículas podendo usar aceleradores para sondar a matéria subatômica em busca de dicas sobre a origem e a evolução do universo, e outros fazendo experimentos com computadores querendo entender como o universo é o que é.

Quando grande parte da tecnologia de laseres usadas na fabricação e teste de armas nucleares foi liberada de sigilo, em 1994, o laboratório Lawrence Livermore, originalmente um complexo de desenvolvimento de armas nucleares subordinado ao Departamento de Energia dos EUA, começou a investigar a aplicação de laseres em experimentos de astrofísica.

O grande obstáculo, afirmou Remington, foi a incerteza de que fenômenos astrofísicos poderiam ser reduzidos de forma a serem pesquisados em laboratório.

Um dos experimentos mais bem-sucedidos até agora, afirmam os cientistas, tem sido o uso de uma intensa luz laser para explorar a dinâmica das ondas de choque se movimentando através do escombros de uma supernova, em particular a supernova relativamente próxima observada pela primeira vez em 1987 no Hemisfério Sul e originando numa galáxia conhecida como a Grande Nuvem de Magalhães. O laboratório agora começa a explorar outros modelos da formação dos planetas, a atmosfera de Júpiter, aspectos da explosão de raios gama e jatos de gás ionizado -plasma.

A decisão de submeter ou não o modelo Rayleigh-Taylor revisado da estrutura da Águia a um teste de laser é aguardado até o final do ano. Por enquanto, o retrato do Hubble deve ser mais do que suficiente para apreciar os "Pilares da Criação", independentemente de como foram esculpidos -um trabalho sublime da arte natural.
 

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