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15/03/2001 - 07h01

Cérebro é capaz de apagar memória intencionalmente

CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo

Uma dupla de pesquisadores norte-americanos acaba de demonstrar em laboratório algo que Sigmund Freud havia explicado há mais de um século: é possível virtualmente apagar da memória lembranças indesejadas.

O chamado mecanismo da repressão, uma das bases da teoria psicanalítica, consistia em jogar memórias traumáticas na lixeira do inconsciente. Segundo Freud, esse "esquecimento voluntário" serviria para proteger o ego de experiências horríveis, como o abuso sexual na infância.

Mas até agora ninguém havia conseguido demonstrar a existência da repressão, nem o quão frequente é o mecanismo no cérebro, por razões práticas.

"Nós não podemos exatamente levar pacientes para o laboratório, traumatizá-los e esperar que eles mostrem repressão", disse à Folha o cientista cognitivo Michael C. Anderson, da Universidade do Oregon. O que Anderson fez, junto com seu colega Collin Green, foi imaginar uma maneira de demonstrar o esquecimento voluntário por meio de experimento.

O resultado da pesquisa, descrita na edição de hoje da revista "Nature" (www.nature.com), mostra que não só Freud explicou certo, como a supressão de lembranças é muito mais frequente do que se imaginava até agora.

O experimento feito pela dupla consistiu em levar voluntários para o laboratório e apresentar-lhes 40 pares de palavras não relacionadas, como "provação-barata", ou "bandeira-espada".

Em seguida, eles eram orientados a fazer dois tipos de teste: no primeiro, chamado "pensa", pedia-se aos voluntários que repetissem a segunda palavra do par ao ver a primeira aparecer numa tela de computador. Numa segunda fase, chamada "não pensa", exigia-se que eles se esforçassem para evitar que a palavra associada lhes viesse à mente.

Depois os pesquisadores aplicaram um outro teste aos voluntários, onde todos os pares de palavras eram apresentados. Eles deveriam se lembrar do maior número possível de palavras.

Anderson e Green constataram que os voluntários efetivamente se lembravam menos das palavras que tinham sido orientados a esquecer -as da fase "não pensa"-, mesmo quando lhes apresentavam "dicas" (em vez de "provação-barata", "inseto-b...").

"Ao contrário do que manda o senso comum, quanto mais vezes eles eram apresentados ao 'lembrete', maior era a tendência ao esquecimento, porque eles eram forçados a suprimir ativamente a memória", disse Anderson.

Segundo o cientista, isso mostra que a repressão funciona não só para lembranças traumáticas, mas em vários outros contextos. A supressão, diz Anderson, faz parte de uma rede de "controle executivo" do cérebro, que funciona para coisas que vão desde evitar preencher um cheque com a data do ano passado até evitar (no caso de crianças que sofrem abuso por parte dos pais) o acesso à lembrança ruim toda vez que encontrar o molestador.

"Estudar o mecanismo da repressão pode nos ajudar a descobrir como recuperar memórias perdidas", afirmou.

Para o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto de Biociências da USP, o trabalho não é nenhuma invenção da roda. "Já se havia mostrado que é possível bloquear o acesso a informações na memória", afirmou. "Mas o estudo é importante, por fornecer um jeito simples, mas inequívoco, de investigar o problema."
 

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