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25/09/2000 - 15h24

Cientistas buscam "parentes" da ossada mais antiga do país

CLAUDIO ANGELO
enviado especial da Folha a Àguas de Lindóia

Mulher, negra, 11.500 anos, procura descendentes que tenham sobrevivido até mil anos atrás. Prêmio: a confirmação de uma nova teoria sobre o povoamento das Américas. Essa mulher é Luzia, o crânio humano mais antigo do continente, achado em Minas.

Dois grupos de cientistas iniciaram paralelamente, este ano, as buscas dos eventuais descendentes de Luzia. Um deles, coordenado pelos geneticistas Sérgio Danilo Pena e Vânia Prado, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), vai procurar vestígios genéticos deixados por Luzia na população brasileira atual.

O segundo grupo, liderado pelo antropólogo físico Walter Neves, da USP, está procurando os herdeiros da primeira americana por meio da análise morfológica (do formato) de crânios indígenas.

Desenterrada na década de 70 no sítio da Lapa Vermelha, em Lagoa Santa (MG), Luzia ganhou celebridade há pouco mais de dois anos. Foi quando Neves demonstrou que suas feições reconstruídas eram mais semelhantes às dos africanos e dos aborígenes australianos do que às dos índios atuais.

Neves propõe que, antes da chegada dos grupos mongóis da Ásia _ancestrais dos índios_, uma leva migratória de povos negróides teria ocupado as Américas.

Esses povos foram batizados de "paleoíndios" por Neves e seu principal colaborador, o arqueólogo André Prous, da UFMG.

No entanto, os paleoíndios, se existiram, não deixaram descendentes na população indígena atual. Até hoje não se achou entre os índios brasileiros nenhum traço genético que possa indicar uma origem não-mongolóide.

A proposta de Neves é que os mongolóides ancestrais dos índios, que teriam chegado à América do Sul há cerca de 9.000 anos, teriam substituído totalmente os paleoíndios, numa espécie de guerra de extermínio.

O povo de Luzia teria se refugiado em áreas remotas do continente, onde viveu isolado até a extinção.

Os geneticistas torcem o nariz para a hipótese. Nenhum caso de substituição populacional total foi observado até hoje nas Américas.

Alguma mistura genética sempre acontece, especialmente entre os homens invasores e as mulheres dos invadidos. Se não há herdeiros, a hipótese paleoíndia tem chance de estar errada.

Botocudos

Como ninguém sabe como Luzia era geneticamente (o DNA do fóssil está imprestável para análise), o grupo de Pena e Prado resolveu fazer uma procura "in vivo".

Eles começaram a olhar para as mitocôndrias, organelas celulares produtoras de energia cujo patrimônio genético é transmitido exclusivamente de mãe para filho.

Depois de descobrir que cerca de 30% dos brancos brasileiros têm marcadores genéticos ameríndios nas suas mitocôndrias, os geneticistas mineiros _eles mesmos descendentes de índios_ iniciaram uma busca pelos genes dos extintos índios botocudos, de língua jê, que habitaram a região do Vale do Jequitinhonha (MG).

"Esses índios são teoricamente os mais parecidos com a Luzia de que se tem notícia", disse Prado. Como o DNA mitocondrial botocudo tampouco pôde ser analisado, os microscópios se voltam para os atuais moradores brancos da região antes habitada por eles.

Etiquetas bioquímicas

A procura será por eliminação. Há cinco haplogrupos (conjuntos de genes que servem como "etiquetas bioquímicas") mitocondriais indígenas conhecidos: A, B, C, D e X, todos eles de origem asiática.

"Se encontrarmos na população rural algum haplogrupo asiático diferente desses, há chance de que ele possa ser um remanescente de populações não-mongolóides", disse Prado.

"Acharia lindo se eles conseguissem encontrar esses genes, mas não acredito nisso", disse Walter Neves à Folha.

Em uma conferência durante o 46º Congresso Nacional de Genética, em Águas de Lindóia (SP), Neves criticou a abordagem dos geneticistas para a questão paleoíndia: "Não arredo pé do meu modelo, não importa a que resultados os geneticistas cheguem".

O antropólogo afirma que o DNA e a morfologia de crânios contam histórias diferentes. "Genes e populações não evoluem necessariamente da mesma maneira. A genética não está levando em conta, por exemplo, perdas de linhagens mitocondriais, que foram muitas."

Mas Neves também começa a duvidar da hipótese da substituição total. Durante o congresso, o pesquisador anunciou ter encontrado uma possível pista de crânios intermediários entre Luzia e os mongolóides.

Eles estavam em um sítio da tradição cerâmica Itararé, escavado por ele no litoral de Santa Catarina.

A tradição Itararé é associada a grupos jê do sul do país, como os caingangues e os xoklengues. Mas as análises da morfologia de crânios de pelo menos um sítio itararé, de cerca de 1.500 anos, mostraram feições mais próximas dos paleoíndios do que dos índios.

"Mas isso é só uma suposição", ressaltou. "As amostras são muito poucas". Segundo o antropólogo, será preciso procurar cemitérios Itararé fora do litoral para resolver a questão da filiação da cerâmica, que poderia ter sido feita pelos herdeiros genéticos tardios dos paleoíndios.

Ossos X DNA

Neves pretende, agora, estudar as coleções de ossos de tribos históricas do Museu Nacional do Rio de Janeiro (por sinal, onde "mora" Luzia), procurando por medidas parecidas com as de Luzia entre índios mortos após Cabral.

A equipe de Vânia Prado está coletando DNA de moradores do Jequitinhonha para análise. Enquanto nenhum dos dois tiver uma resposta definitiva, o que talvez nunca aconteça, continua a cisão entre arqueologia e genética.

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