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09/04/2001 - 08h39

Evolução biológica tem sentido determinado, diz ensaísta

CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo

Quando inventaram a teoria dos jogos, no início da década de 40, os cientistas norte-americanos John von Neumann e Oskar Morgenstern só estavam pensando em usar a matemática para resolver problemas teóricos em economia. Jamais imaginariam que alguém fosse usar sua criação para explicar o sentido da vida. Mas é exatamente isso que se propõe a fazer o ensaísta e divulgador científico americano Robert Wright em "Não Zero - A Lógica do Destino Humano" (Ed. Campus, Rio de Janeiro). Aplicando a teoria dos jogos às idéias de Charles Darwin, Wright tenta demonstrar que tanto a evolução biológica quanto a da cultura humana são produtos de uma mesma força, que lhes dá uma direção certa.

Cooperação na cadeia

A obra parte de um experimento mental clássico da teoria dos jogos, o chamado dilema do prisioneiro. Nesse jogo imaginário, dois comparsas condenados por um crime são deixados incomunicáveis e levados separadamente a interrogatório. Se ambos cooperarem e confessarem o delito, pegam um ano de prisão. Se um denunciar o outro, é solto imediatamente. Mas, se o parceiro tiver feito a denúncia antes, os dois pegam dez anos. O dilema do prisioneiro é um típico jogo de soma não-zero. Ou seja, o resultado é ganha-ganha (soma positiva) ou perde-perde (soma negativa). Diferente de um jogo de tênis, por exemplo, em que a vitória de um jogador representa, necessariamente, a derrota do outro (uma soma zero, portanto). Para Wright, a história humana e a evolução das espécies são um grande dilema do prisioneiro, onde pessoas, células e até cromossomos precisam cooperar para sobreviver. Quanto maior a cooperação, maior a complexidade atingida por uma sociedade ou um sistema vivo. Quanto maior a complexidade, maior a necessidade de cooperação. E, assim, surge uma progressão de somas não-zero (todo mundo ganha ou todo mundo perde) que acaba dando uma direção à história. "Quando olhamos além da superfície turbulenta dos acontecimentos humanos, além das idas e vindas de regimes específicos, vemos uma seta começando há dezenas de milhares de anos e continuando até o presente." A tal seta teria sido disparada há quase 4 bilhões de anos, quando moléculas orgânicas competindo no ambiente hostil da Terra primitiva se uniram para formar a primeira célula. A partir daí, como consequência lógica de um jogo de soma não-zero, o surgimento da vida inteligente era inevitável -ao contrário do que pregam os modernos interpretadores de Darwin, como o paleontólogo Stephen Jay Gould, que afirma que a evolução é uma "caminhada aleatória" e que, se um asteróide caísse hoje na Terra, a probabilidade do surgimento de vida inteligente seria muito pequena. Ao analisar a história humana, Wright, que se define como "um evolucionista cultural radical", retoma as idéias um tanto fora de moda do antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan. Foi ele que, em 1877, dividiu os grupos humanos em "selvagens", "bárbaros" e "civilizados". Suas teorias foram condenadas por gente como o também americano Franz Boas, que achava que elas serviam de desculpa para a eliminação dos "selvagens" pelos "civilizados". Wright vai dos índios norte-americanos até a Internet, passando por cacicados da Polinésia, chineses e astecas, para argumentar que o impulso civilizatório é irresistível. Grosso modo, o recado é: junte um punhado de pessoas num ambiente adequado, deixe-as trocando idéias por alguns milênios sobre como resolver problemas práticos -como arranjar comida, por exemplo- e você terá na outra ponta ou um povo extinto ou uma grande civilização. A mágica está no trânsito de informação propiciado pela soma não-zero. Argumenta Wright que inovações como a escrita e a agricultura foram criadas mais de uma vez, em períodos diferentes e em lugares isolados, como o Oriente Médio, a China e a Mesoamérica. Eram inevitáveis porque eram boas idéias. E aumentavam o "bem comum". Sim, Wright acredita no "bem comum". Esse é o ponto: a soma não-zero faz a seta da história apontar para a prosperidade generalizada, para a paz global e para o crescimento moral contínuo da espécie humana (não por acaso, seu último livro se chama "O Animal Moral") . E mais: a humanidade, na era da informação, está à beira de uma "transformação decisiva". Pela primeira vez, escreve, "a soma não-zero prospera na Terra sem ter a soma zero como sua fonte última". Ou seja, a cooperação não existe mais para proteger o grupo de algo externo, como a fome ou os inimigos, mas é quase um fim em si mesma.

Aldeia global

Guardando o melhor para o final, Wright aponta a globalização como responsável por essa mudança. Afinal, ao instituir a interdependência global -vide a crise argentina-, ela está fazendo com que a soma zero (escravidão, guerras, exploração de todo tipo e problemas econômicos) deixe de ser um bom negócio.

Bom, devagar com o andor. O americano tem uma prosa inteligente e uma argumentação instigante. Consegue defender teorias antropológicas tidas como ultrapassadas sem parecer racista e atacar o "mainstream" das ciências biológicas sem parecer de todo ingênuo. Mas exagerou na futurologia.

Escrevendo na próspera era Clinton, anima-se: "Os países pobres vão se tornar cada vez mais ricos, fazendo da guerra uma perspectiva remota em uma parcela cada vez maior do planeta." Diga isso ao presidente George W. Bush, cuja primeira medida depois da posse foi bombardear o Iraque. Ou aos milhões de africanos que morrerão de Aids antes de poder usufruir da soma não-zero alheia. Ao pregar a inexorabilidade da evolução, Wright se esqueceu de um detalhe: algumas espécies são selecionadas. Outras se extinguem.


Não Zero: A Lógica do Destino Humano
416 págs. R$ 49.
De Robert Wright. Tradução de Cristiana Serra.
Editora Campus.

 

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