Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
26/04/2001 - 21h27

Encontro da SBPC vê risco de savanização na Amazônia

MARCELO LEITE
enviado especial da Folha a Manaus

A ação concertada da espécie humana em escala global, regional e local torna cada vez mais possível e provável um cenário de savanização da Amazônia (savanas são uma vegetação de gramíneas e arbustos, como o cerrado brasileiro). Tal alerta é a conclusão a ser tirada do principal debate do encontro "Amazônia no Brasil e no Mundo", que termina amanhã em Manaus.

Trata-se da 7ª Reunião Especial da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que reuniu numa de suas mesas-redondas três especialistas no passado e no futuro da região: Carlos Nobre, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Maria Lúcia Absy e Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

Nobre tratou das influências mútuas entre clima e floresta amazônica. Explicou primeiramente que há indicações de que a mata atua como um sumidouro de carbono. Ou seja, que retira gás carbônico (CO2) da atmosfera, contribuindo para contrabalançar uma pequena parte do seu aquecimento (conhecido como efeito estufa, ou retenção de energia solar que de outro modo seria refletida de volta para o espaço).

O climatologista contou que essa absorção de CO2 vem sendo medida em nove estações do Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), o maior projeto científico em andamento no Brasil. De noite, as plantas da florestas produzem CO2, quando respiram (como fazem os animais); de dia, retiram CO2, na fotossíntese, e fixam o carbono em sua biomassa.

Ou a floresta está crescendo um pouco, ou há outro mecanismo mais complexo e pouco conhecido de transferência de carbono para o solo, disse Nobre. Mas não se sabe se isso não é apenas um efeito transitório, como a ação de fenômenos como El Niño, que provoca secas na Amazônia (na falta de água, as plantas fazem menos fotossíntese e perdem carbono para a atmosfera).

Na Amazônia, a maioria das áreas desmatadas termina transformada em pastagens para gado. Se toda a floresta fosse convertida, as simulações de computador indicam que ocorreria uma redução de 10% a 20% nas chuvas e um aumento de 0,5ºC a 2ºC na temperatura. O resultado provável seria um avanço da Grande Savana da Venezuela em direção ao sul e do cerrado, para o norte, ou o que Nobre chamou de "savanização pelas bordas".

Além de afetar o clima, a floresta amazônica seria também afetada pela mudança climática em curso no mundo. O problema é que as projeções feitas por computador mostram tendências muito díspares, como no caso das chuvas. Uns dizem que vão diminuir, outros, que vão aumentar.

Nobre destacou um, levado a cabo no Centro Hadley, do Reino Unido, ressalvando que ele indica apenas uma possibilidade, não uma previsão. O que os computadores do Hadley sugerem, porém, só pode ser qualificado como uma "catástrofe": aumento de 8ºC a 9ºC na temperatura e grande redução de chuvas na Amazônia (elas passariam a cair sobre o oceano Atlântico).

Essa tendência decorre do fato de o modelo trazer embutido o efeito do clima sobre a vegetação e vice-versa. Ao savanizar-se, o que ocorreria por volta de 2050, a Amazônia liberaria grande parte dos 70 bilhões de toneladas de carbono estocados em sua biomassa, gerando um pulso de emissão de CO2, contribuindo para acelerar o efeito estufa, e assim por diante.

O pólen e o carrasco

Maria Lúcia Absy, uma especialista em pólen fóssil retirado de sedimentos no fundo de lagos, mostrou que isso já aconteceu no passado. O perfil da vegetação de 44 mil anos para cá sugere que boa parte da região já foi tomada por savanas, em épocas distintas.

Philip Fearnside, por seu turno, falou das oportunidades que começam a surgir para que a capacidade da floresta estocar carbono reverta em renda para o Brasil e para a população amazônica. Antes, porém, criticou o presidente de seu país de origem, George W. Bush, por ter emperrado as negociações do Protocolo de Kyoto (que visa cortar emissões de CO2 e assim combater o efeito estufa).

Para Fearnside, se nada for feito, o efeito estufa estará provocando, em 2070, perdas econômicas de US$ 221 bilhões e 138 mil mortes adicionais de pessoas por ano. Isso faria de George W., na sua opinião, "um dos grandes carrascos da humanidade".
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página