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30/04/2001 - 04h32

Berçário estelar é capaz de gerar planetas, revela estudo

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha S.Paulo

Giordano Bruno só não está morrendo de rir porque já morreu _foi queimado pela Inquisição há 400 anos. Sua "heresia", sugerir que cada estrela era como o Sol, com planetas girando em seu redor, é reafirmada a cada dia que passa. A última confirmação tem um gosto especial: há planetas até onde os cientistas achavam que eles não poderiam surgir.

Henry Throop, um astrônomo da Universidade de Colorado (EUA) que está envolvido com um dos instrumentos a bordo da sonda Cassini (atualmente a caminho de Saturno), estava mesmo com a cabeça nos anéis do planeta gasoso quando fez a descoberta, com base em imagens do telescópio espacial Hubble.

"Eu me envolvi nesse trabalho porque os discos nas estrelas de Órion e os discos em torno de Saturno pareciam similares. Acabou que eles não têm nada a ver um com o outro, mas pelo menos essa era a idéia original", conta.

O grupo resolveu estudar os discos de gás em torno de estrelas da nebulosa de Órion (que pode ser vista a olho nu como um ponto no céu, a estrela do meio da espada da constelação do caçador Órion, um pouco abaixo das famosas três marias). Essa região do espaço é famosa por ser um intenso berçário estelar, onde há a constante formação de novas estrelas. Mas era o último lugar do mundo para procurar planetas.

As atuais teorias para a formação planetária, baseadas na suposição de que esses objetos nascem de um disco giratório de poeira e gás em volta da estrela, diziam que a região da nebulosa não era muito boa para que esse processo fosse às últimas consequências.

Devido às altas concentrações de radiação ultravioleta produzidas dentro do berçário estelar, os cientistas acreditavam que o material dos discos em volta das estrelas era dissolvido antes de se aglutinar em pedaços maiores. O que Throop conseguiu perceber agora é que não é bem assim. Seus resultados serão publicados no mês que vem na revista "Science" (www.sciencemag.org).

A observação de imagens de diversas estrelas da nebulosa mostrou que a poeira do disco consegue se juntar em pedaços maiores rapidamente, de modo que a formação de planetas exigiria menos tempo que o necessário para dissolver completamente a nuvem.

A conclusão, confirmada por simulações de computador, é que há mais estrelas com potencial para formar planetas do que antes se estimava _um aumento considerável, diga-se de passagem. Throop diz que a maior parte das estrelas que se forma atualmente na Via Láctea é proveniente de regiões como a nebulosa de Órion.

"É um desafio para as teorias de formação planetária explicar como essas partículas poderiam crescer e formar planetas antes do limite de 100 mil anos para a evaporação do disco", diz Cesar Briceño, do Centro de Investigações de Astronomia da Venezuela.

Briceño andou estudando formação planetária em regiões menos turbulentas da periferia da nebulosa de Órion e também chegou à conclusão de que os planetas devem se formar mais depressa do que nossas estimativas teóricas atuais (conclusão, aliás, que é necessária para melhor explicar a formação de planetas gigantes gasosos, como Júpiter).

Variações do tema

Sistemas planetários espalhados pela Via Láctea são uma hipótese das mais interessantes, mas seria otimismo demais achar que todos eles teriam configuração semelhante. Os da nebulosa de Órion, por exemplo, não seriam nada parecidos com o Sistema Solar.

"Se você estiver procurando planetas rochosos do tamanho da Terra, próximos à estrela, acho que você está com sorte", diz Throop. "Já formar planetas como Júpiter é muito mais difícil."

A rápida aglutinação da poeira até permite a formação do núcleo desses planetas gigantes _bolas sólidas com uma espessa camada de gás em volta deles. O problema é que depois de formar o núcleo eles ainda precisam acumular esse monte de gás _e o tempo se esgota antes que isso ocorra, graças à ação da radiação sobre o disco onde são formados os planetas.

Outra coisa que não teríamos nos sistemas solares de Órion são os corpos de gelo, como cometas. "Eles não poderiam se formar _a fotoevaporação os retira em escalas de tempo muito pequenas."

A vida é dura em Órion

Mesmo sem gigantes gasosos, a presença de planetas rochosos já é o suficiente para animar os que procuram vida extraterrestre _afinal de contas, a Terra é um planeta rochoso. Um pequeno detalhe: a Terra também tem outra característica _possui uma atmosfera gasosa em volta.

"Corpos gelados e gases são soprados para fora dos discos rapidamente, de modo que não sobra muito para fazer atmosferas e oceanos. Isso deveria realmente diminuir as chances para a formação de uma química orgânica no planeta", diz Throop. Moléculas orgânicas, feitas a partir de átomos de carbono, são as precursoras da vida tal qual a conhecemos.

Para não desanimar demais os astrobiólogos, o cientista levanta também uma outra possibilidade, ainda mais incomum. "A luz ultravioleta é capaz de criar moléculas orgânicas complexas a partir de moléculas simples. Então, pode ser que a região de Órion esteja 'nadando' em moléculas orgânicas complexas, muito mais do que a Terra estava quando começou."

Por ora, todas essas possibilidades são especulações. Os cientistas nem sequer voltaram seus esforços para detalhar a composição química da região. O objetivo principal deles agora é determinar exatamente como os planetas se formam, e onde o Sistema Solar se encaixa nesse contexto.

"Estamos tentando responder grandes questões: quão comuns são os planetas, quão singular é o nosso sistema planetário e por aí vai", diz Throop.

As grandes perguntas continuam sem resposta, mas um belo passo foi dado agora. "Os autores dão um novo insight sobre como os planetas se formam e sob que condições eles podem sobreviver aos primeiros estágios de formação estelar. Isso é crucial se quisermos saber quantos sistemas podem existir lá fora", afirma Briceño.

Uma coisa, entretanto, já deu para sacar: Giordano Bruno chegou lá com quatro séculos de antecedência.
 

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