Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/07/2001 - 08h42

Artigo: O Universo em transição

Marcelo Gleiser,especial para a Folha

Durante o século 20, nossa concepção do Universo mudou profundamente. De um Universo estático, proposto por Einstein em 1917, passamos a um Universo em expansão, onde galáxias afastam-se umas das outras com velocidades proporcionais à sua distância. Quanto mais longe a galáxia, maior a sua velocidade de "recessão".

Até 1924, não se sabia ao certo se a Via Láctea era a única galáxia ou se outras nebulosas visíveis com telescópios também o eram. Hoje sabemos que a Via Láctea é apenas uma entre centenas de bilhões de galáxias, cada uma com centenas de bilhões de estrelas. É extremamente difícil concebermos a grandiosidade do Universo a partir de nossa limitada percepção terrestre. Mas é justamente esse o objetivo da astronomia e da cosmologia.

Sabemos também que o Universo em que vivemos surgiu há cerca de 14 bilhões de anos. Não sabemos ao certo os detalhes dessa origem: nossas leis não se aplicam às condições brutais de temperatura e pressão que reinavam nos primeiros instantes de existência do cosmo.

A verdade é que não é necessário que saibamos os detalhes do nascimento do Universo para descrevermos o que aconteceu durante a sua infância. Claro, nossa descrição seria mais completa se soubéssemos esses detalhes, e muitas das dúvidas que temos hoje seriam resolvidas. Porém, podemos perfeitamente deixar de lado a questão da origem e investigar o que ocorreu no Universo durante os seus primeiros momentos de existência. Os detalhes do parto são importantes, mas não são fundamentais.

Quando o astrofísico George Gamow propôs o modelo do Big Bang, durante a década de 1940, ele supôs que o Universo primordial fosse composto de uma sopa de partículas elementares, os tijolos fundamentais da matéria.

Na época, esses tijolos consistiam de prótons, nêutrons, elétrons -as partículas que compõem os átomos-, mais os fótons -as partículas da radiação eletromagnética- e os neutrinos, partículas sem massa que participam de processos radioativos.

O que Gamow não se perguntou foi de onde vinham essas partículas. Segundo as leis da mecânica quântica, a parte da física que estuda os átomos e as partículas subatômicas, cada partícula deveria ser acompanhada de sua antipartícula, que é essencialmente idêntica a ela, mas com carga elétrica oposta (além de outras propriedades menos importantes).

O pósitron, a antipartícula do elétron, tem carga positiva; o antipróton, a antipartícula do próton, tem carga negativa.
O problema é que, segundo a mecânica quântica, partículas e antipartículas deveriam aparecer em pé de igualdade. Mas sabemos que isso não ocorre: quando partículas encontram suas antipartículas, ambas se desintegram em radiação. Nesse caso, não existiriam seres vivos se perguntando sobre a sua origem.

Por que existe mais matéria do que antimatéria? Essa é uma das perguntas mais importantes da física moderna.

Uma das possibilidades é que as forças que regem as interações entre as partículas de matéria favoreçam a produção de matéria sobre a de antimatéria. Em particular, segundo as teorias atuais, duas delas, a força eletromagnética e a força nuclear fraca, comportam-se de forma semelhante em altas temperaturas. Ou seja, elas se comportam como uma única força, a força "eletrofraca". No Universo primordial, as altas temperaturas eram ideais para a unificação das duas forças.

Com a expansão, a temperatura cai e as forças passam a se comportar de forma distinta. É nesse processo de separação da força eletrofraca nas forças fraca e eletromagnética que o excesso de matéria sobre antimatéria pode ocorrer.

Quando vapor d'água é resfriado rapidamente, vemos a condensação de gotas de água líquida. Imagine que, no Universo primordial, a força eletrofraca correspondesse à fase de vapor e as forças já separadas correspondessem à fase líquida. Com o resfriamento do Universo, bolhas da fase líquida aparecem no interior do vapor. No vapor, matéria e antimatéria coexistem, mas é possível criar mais matéria do que antimatéria. Dentro das bolhas isso já não é possível.

A parede da bolha funciona como uma espécie de filtro, através do qual entra mais matéria do que antimatéria. Segundo as teorias atuais, esse excesso tornou possível a existência de galáxias, estrelas, planetas e gente, tudo isso herança de um Universo em transição.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos), e autor do livro "A Dança do Universo"
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página