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15/10/2001 - 10h07

Competição marcou premiados do Nobel de Física deste ano

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Muitas vezes os louros das grandes conquistas científicas escondem a intensa competição que existe entre os pesquisadores na luta pelo pioneirismo. O Nobel de Física deste ano foi resultado de mais uma dessas disputas.

Em 1995, apenas quatro meses separaram o feito da dupla Eric Cornell e Carl Wieman, da Universidade do Colorado em Boulder (EUA), e o do alemão Wolfgang Ketterle, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Eles criaram um condensado de Bose-Einstein -um estado da matéria em que os átomos ficam tão gelados que agem como se fossem uma só partícula gigante. O fenômeno havia sido previsto em 1924 por Albert Einstein, mas nunca tinha sido observado.

Os três acabaram agraciados com o Nobel -não houve perdedores. Mas Ketterle confessa que, por quatro meses, ele pensou que as coisas não acabariam assim.

Nascido em 1957 em Heidelberg, no sul da Alemanha, hoje ele se diz "feliz por ter passado por isso". Apesar de já trabalhar nos EUA há 11 anos, o inglês do pesquisador, que é casado e pai de três filhos, ainda carrega um sotaque bastante perceptível.

De seu escritório no MIT, ele falou à Folha sobre a disputa pelo condensado, o potencial tecnológico, o sacrifício familiar, as responsabilidades que vêm com o Nobel -e Albert Einstein.


Folha - Como o sr. se sente tendo conseguido realizar na prática algo que Einstein apenas teorizou?
Wolfgang Ketterle - Eu não quero mistificar Albert Einstein. Ele era um grande físico e eu estou muito feliz de fazer coisas belas em física, mas o desafio e a empolgação seriam os mesmos, tendo sido previstos por ele ou não.


Folha - Quando estava começando a planejar os experimentos, no início dos anos 90, o sr. imaginou que o estudo poderia valer o Prêmio Nobel?
Ketterle - Não. Eu selecionei o assunto pelo que achei que era boa física, que era um desafio. O Prêmio Nobel é algo muito singular e é dado apenas uma vez por ano para toda a física. Você não pode mirar um Prêmio Nobel, você não pode planejá-lo, não pode trabalhar para ele. Você só pode fazer boa física, e há casos, se você for bem sortudo, em que pode acabar sendo reconhecido. Mas não é por isso que eu faço física.


Folha - Para um político, chegar a Presidência é o ápice da carreira, e é difícil arrumar coisa mais importante para fazer depois disso. De forma análoga, para um cientista, o topo provavelmente é ganhar um Prêmio Nobel. Para pesquisadores, existe vida após o Nobel?
Ketterle - Espero que sim, e farei o máximo para isso. Eu gosto muito da minha vida como está nos últimos anos e quero que isso continue. Sei que há o prestígio do prêmio, haverá alguns compromissos adicionais para mim. Essas são novas tarefas que estou ansioso para cumprir, mas não quero que elas se tornem dominantes e competitivas no campo profissional. Quero continuar o que comecei, ter tempo para as crianças, fazer minha pesquisa.


Folha - Sua publicação dos resultados da condensação de Bose-Einstein saiu quatro meses depois da publicação dos estudos feitos em Colorado por Cornell e Wieman. Como o sr. se sentiu com relação a isso na época?
Ketterle - No quatro meses entre o avanço deles e o nosso avanço, houve muita incerteza para mim e para meu grupo. Nós não sabíamos se conseguiríamos, ou quando, e eu realmente experimentei -acho que estou feliz de ter passado por isso- a sensação de poder perder. Em ciência, se você investe muitos recursos para atingir uma meta e outra pessoa atinge essa meta, você pode perder. Você pode ter feito grandes esforços para um objetivo e nunca receber o crédito. Esses quatro meses entre o salto deles e o nosso salto foram difíceis para mim.


Folha - E hoje, como o sr. vê isso?
Ketterle - Nem precisou ir muito longe. No começo de 1996, quando começamos a explorar a física dos condensados de Bose-Einstein, eu senti, "Oh, é um grande campo, há tantas coisas se abrindo, e não há perdedor. Há coisas interessantes suficientes para serem exploradas pelos dois grupos", e isso foi o que aconteceu.


Folha - Quais eram as diferenças entre seu experimento e o do grupo do Colorado?
Ketterle - Eles usaram átomos de rubídio, nós usamos átomos de sódio. Eles usaram uma armadilha rotativa magnética e nós usamos uma combinação de forças magnéticas e ópticas. Mas, quando obtivemos os resultados, havia também diferenças em desempenho. Conseguimos cem vezes mais condensado, e mais rápido. Tivemos imediatamente um experimento de alto desempenho.


Folha - Durante todos esse anos, o seu grupo e o do Colorado estiveram constantemente em contato?
Ketterle - Oh, sim. Nos conhecemos, nos encontramos em conferências, lemos os trabalhos uns dos outros e estamos em contato frequente. Nunca publicamos juntos, mas procuramos opiniões uns dos outros e algumas vezes conselhos uns dos outros. Então, apesar de algumas situações competitivas, permanecemos amigos e cientistas que se respeitam.


Folha - O que pode ser obtido em termos de tecnologia a partir dessa configuração da matéria?
Ketterle - Deixe-me primeiro ser bem genérico. A obtenção do condensado de Bose-Einstein vai ao cerne do estudo dos átomos -é um meio sem precedentes de controlá-los. E os átomos são as peças que constroem a natureza. Alguns estão especulando que talvez essas técnicas possam ser usadas em nanotecnologia, talvez até em computação quântica. Mais realisticamente, para medições de precisão, como relógios atômicos.


Folha - Uma pergunta inevitável nestes tempos: o condensado de Bose-Einstein poderia ser convertido em uma arma?
Ketterle - Eu não tenho idéia de como o condensado de Bose-Einstein poderia ser usado como arma. Você tem alguma idéia?


Folha - Eu não.
Ketterle - Talvez pudéssemos pensar em fritar alguém com um laser de átomos, mas os átomos só se propagam no vácuo. No ar, eles ficam presos. Se você quiser acertar uma pessoa com um laser de átomos, você precisará pedir a ela: "Por favor, fique parada, que eu quero instalar um tubo de vácuo entre você e eu", então você monta o tubo e você atira o laser de átomos. É ridículo!


Folha - Em fotos de agências internacionais, o sr. foi o único que apareceu com seus filhos. Houve um preço a ser pago no lado familiar pela dedicação à pesquisa que acabou lhe rendendo o Nobel?
Ketterle - Definitivamente. Se você é apaixonado pela ciência, você acaba gastando muito tempo com ela. Essa intensidade de fazer ciência e pesquisa exige dedicação. E nisso, é claro, você faz sacrifícios. Você tenta não negligenciar muito sua família, mas você provavelmente gasta menos tempo com ela do que a média.


Folha - E como o sr. explica a seus filhos o que é um condensado de Bose-Einstein?
Ketterle - Quando tento explicar a eles, eu digo: "Você sabe, claro, a diferença entre uma lâmpada e um raio laser, é luz de uma qualidade diferente. O que eu fiz foi criar átomos, criar matéria, que tem as propriedades de luz laser. Eu fiz átomos de luz laser".
 

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