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15/10/2001 - 12h54

Ambiente: Justiça deixa maiores poluidores impunes

MARIANA VIVEIROS
da Folha de S.Paulo

Um agricultor que retirava casca de árvore é preso de forma inafiançável, mas uma empresa estatal que causou quatro acidentes ambientais graves em seis meses não responde por crime nenhum.

Depois de três anos de promulgação da Lei de Crimes Ambientais e de 20 anos da Política Nacional de Meio Ambiente, a Justiça brasileira ainda não consegue enquadrar grandes poluidores nas normas do direito ambiental.

Uma revisão dos maiores casos de contaminação ocorridos no país desde meados da década de 80 revela que nenhuma das empresas envolvidas foi punida pelo Judiciário em consequência de ações civis públicas ou criminais.

As penalidades limitam-se à esfera administrativa _notadamente multas, que costumam ser contestadas. Os poluidores são geralmente pressionados a assinar TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), nem sempre cumpridos, e a recuperar a área degrada, o que pode levar anos.

Não há notícia de casos que tenham terminado em pagamento de indenização às populações atingidas _punição prevista em casos de condenação cível ou criminal. Instituído em 1989, o fundo que recebe o dinheiro de indenizações em casos ambientais, de defesa do consumidor e do patrimônio no Estado de São Paulo nunca repassou um centavo para a comunidade.

Atualmente apenas um processo penal corre na Justiça Federal do Estado do Paraná contra a Petrobras pelo derramamento, em julho de 2000, de 4 milhões de litros de óleo cru, no rio Iguaçu.

As justificativas para a impunidade são inúmeras. Despreparo do Judiciário, falta de rigidez dos órgãos ambientais, lobby das empresas, dificuldades em conseguir provas e a cultura de um direito romano que ainda prioriza a visão tradicional da propriedade privada são algumas das razões apontadas por especialistas ouvidos pela Folha.

Despreparo e lentidão

Enquanto o Ministério Público tem um mínimo de especialização para tratar das questões ambientais, geralmente complexas, elas ainda caem na "vala comum" quando chegam ao Judiciário.

"Via de regra quem julga é um juiz que analisa divórcio, despejos, ações possessórias e meio ambiente. É preciso também especializar os peritos, que quase sempre não estão acostumados nem preparados para lidar com esse tipo de problema", afirma Édis Milaré, o primeiro promotor de Meio Ambiente de São Paulo.

Um caso que retrata bem o problema é o do aterro industrial Mantovani, em Santo Antônio de Posse (150 km de São Paulo).

Fechado desde 87, o local continuou recebendo lixo de forma clandestina até 95, o que resultou no vazamento de solventes e na contaminação do lençol freático e do poço de um sítio da região.

Existe já uma condenação no caso _resultado de uma ação civil pública de 1993_, mas a indenização ainda não foi determinada pelo juiz por dificuldade de o perito estabelecer um valor para o prejuízo ambiental.

O despreparo de juízes e peritos torna os processos ambientais ainda mais demorados. "Há uma certa leniência [dos juízes] em relação ao que eles consideram um delito menor", afirma o juiz José Roberto Nalini, vice-presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo e autor do livro "Ética e Meio Ambiente".

"A Justiça não é tão eficaz e ágil como nós gostaríamos e precisaríamos que ela fosse. E Justiça que tarda é injustiça, principalmente quando se trata de problemas tão preocupantes quanto os do ambiente", afirma Milaré.

Ele é co-autor em uma ação civil pública contra as indústrias do pólo de Cubatão (Baixada Santista) que, depois de 15 anos, ainda está em fase de perícia.

Direito ambiental

A maioria dos quadros do Ministério Público e da magistratura não estudou direito ambiental nas faculdades e busca a saída na especialização. Na Escola Superior do Ministério Público em São Paulo existe, por exemplo, um curso de interesses difusos coletivos, que incluem os problemas relacionados ao ambiente.

Criar Varas Ambientais é outra solução considerada viável e necessária para agilizar os processos. A única existente funciona em Campo Grande (MS).

Falta de provas

A dificuldade em encontrar peritos habilitados a tratar de questões ambientais acarreta outro problema: a falta de provas.

Um dos fatores que tornam raras as ações criminais é a insuficiência de elementos que justifiquem o processo. Por isso a maior parte dos réus é absolvida.

Segundo o juiz Vladimir Passos de Freitas, do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, há cerca de 40 ações penais envolvendo o ambiente em curso no Brasil. As ações cíveis são muito mais numerosas _só no Estado de São Paulo são quase 3.000.

"Na responsabilidade civil você tem uma ferramenta muito mais forte, que é a responsabilidade objetiva. Você não precisa discutir culpa, tanto faz se houve ou não intenção. Na [responsabilidade] penal, não. Você tem de provar a culpa", afirma o promotor José Carlos Meloni Sícoli, coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) às promotorias de Meio Ambiente de São Paulo.

Devido à falta de quadro oficial qualificado, muitas vezes é preciso recorrer a peritos da iniciativa privada ou de universidades.

"A prova sai cara, e o Ministério Público, que propõe mais de 90% das ações, não pode, pela lei, pagar por ela. Quem vai pagar, então?", indaga a promotora Sílvia Cappelli, coordenadora do CAO das promotorias ambientais do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente.

E os problemas não param por aí. Há ainda um dilema crucial para entender por que o Brasil, mesmo com uma legislação considerada excelente, não consegue punir os grandes poluidores: tratar com rigor quem gera riqueza ou ser benevolente com eles?

"A aposta na impunidade ainda é muito grande. O arsenal legislativo do Brasil é infinitamente superior ao de países como os EUA, por exemplo, mas a implementação da lei lá é anos-luz mais eficaz que aqui. É uma questão cultural, de ter coragem política de punir os infratores", avalia Sícoli.

A impunidade existe, mas começa a ser atacada e a tendência é que diminua. A visão mais otimista é compartilhada pela promotora Sílvia Cappelli e pelo juiz Vladimir Passos de Freitas.

"A transformação é muito grande. Desde o direito romano, uma pessoa jurídica não delinque [a Lei de Crimes Ambientais brasileira prevê punições para a pessoa jurídica]", diz Freitas, autor do livro "Crimes contra a Natureza".

"Bem ou mal, as questões têm sido colocadas, e as ações estão sendo ajuizadas. Claro que estamos falando do Brasil, mas a impunidade é relativa", completa Sílvia.
 

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