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28/10/2001 - 06h29

Pesquisador estuda como fazer partículas voltar ao passado

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Uma pergunta capciosa: é o tempo que passa para os seres humanos ou são os seres humanos que passam pelo tempo? Um sujeito mais apressado, já antecipando alguma artimanha lógica, de pronto responderia: "A opção correta obviamente é a primeira -tal qual um rio, é o tempo que passa por nós, rumando sempre numa única direção, para o futuro".

Não é bem assim. Por absurdo que pareça, são as coisas que viajam pelo tempo, e não o tempo que passa por elas. Essa peculiaridade sugere a possibilidade de inverter o sentido do tempo e fazer uma jornada ao passado. Trabalhando no problema está uma equipe liderada pelo físico brasileiro Mário Novello, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio de Janeiro. Quem sugeriu teoricamente essa possibilidade a partir da natureza contra-intuitiva do tempo foi Albert Einstein.

Uma das coisas que sua teoria da relatividade mostra é que a noção "temporal" do tempo é ilusória. Na realidade, o que os seres humanos entendem como sua passagem nada mais é do que mais uma dimensão de um espaço não com três dimensões (altura, profundidade e largura), mas com quatro. Estariam, portanto, todas as coisas sendo atiradas pelo tempo (assim como podem ser atiradas em qualquer dimensão espacial) numa direção determinada, ao futuro -impulsionadas por uma força chamada gravidade.

A gravidade, por sua vez, seria apenas um reflexo tridimensional de uma curvatura no espaço de quatro dimensões, sendo o tempo uma delas. Essa curvatura é produzida pela presença de corpos maciços no espaço, como átomos, pessoas, planetas e estrelas. A curvatura produzida no espaço por uma pessoa é insignificante, mas para objetos maiores, como planetas e estrelas, o efeito é bem notável: o tempo anda mais depressa no alto de um prédio do que no subsolo, em razão da distância que guarda do centro da Terra (experimentos com relógios atômicos de alta precisão já demonstraram essa propriedade).

Em resumo: essa constatação mostra que é possível ao menos alterar a velocidade com que as coisas viajam pelo tempo. A pergunta que surge a seguir é: se são os humanos, então, que transitam pelo tempo, e se é possível determinar em que ritmo eles fazem isso, seria possível também escolher em que direção eles viajam, invertendo a direção do tempo? Em tese, sim. Mas a quantidade de gravidade necessária para alterar a estrutura do espaço-tempo nessa escala é tão grande que seria inimaginável conceber qualquer experimento que demonstrasse essa possibilidade. Para alguma coisa viajar no tempo rumo ao passado, propelida pela força gravitacional, seria preciso topar com um buraco negro -estrela extremamente maciça que entrou em colapso-, ou com algum buraco de minhoca -idéia que ainda vive no plano especulativo da física e representa uma distorção gravitacional que une dois pontos distantes do espaço-tempo.

Mais importante que encontrá-los, seria preciso trespassá-los -e sobreviver para contar a história. Trocando em miúdos, o uso da gravidade não é um meio prático de viajar no tempo. Se alguém se apoiava nessa idéia para fazer uma visita à Grécia Antiga ou aos primeiros instantes do Big Bang, é melhor começar a pensar em alternativas. É exatamente nisso que trabalha Novello, 59. O físico já escreveu dois livros em que aborda a possibilidade de viajar de modo não-convencional pelo tempo ("Os Sonhos Atribulados de Maria Luisa", voltado para o público infantil, e "O Círculo do Tempo", para o público adulto). Ele aposta em um outro método, realizável em laboratório, para promover uma volta ao passado. Ms quem vai voltar no tempo não é ele, e sim um fóton.

Em abril, o pesquisador publicou na "Physical Review D", uma publicação irmã da prestigiada "Physical Review Letters", da Sociedade Física Americana, um estudo teórico em que concebe como fazer essa partícula mínima da luz executar uma "curva temporal fechada" (codinome abstrato adotado pelos cientistas para falar de "viagem no tempo" com mais credibilidade, sem parecer que estão fazendo ficção científica). O segredo está em abandonar a gravidade, cuja manipulação em laboratório é praticamente impossível, e procurar a resposta em outras forças.

Teorias em choque

Existem quatro forças que garantem que o Universo funcione do jeito que funciona. A gravitacional, a eletromagnética (propagada pelos fótons, cujo exemplo mais popular é a luz), a nuclear forte (que mantém os prótons grudados uns nos outros em um núcleo atômico) e a nuclear fraca (que causa o decaimento radioativo dos elementos). As quatro operam em conjunto para produzir o mundo, mas na física elas estão separadas em duas teorias: a da relatividade, que explica muito bem a gravidade, e a do modelo padrão, que dá conta das demais. Entretanto, elas explicam essas forças de modos bastante distintos. O modelo padrão atribui a cada uma das forças que ele explica (eletromagnética, forte e fraca) uma partícula portadora. Já a gravidade "é a única força que é explicada por uma geometrização do espaço-tempo", diz Novello. Essa interpretação geométrica é a tal da curvatura do espaço quadridimensional, que explica como a gravidade altera o ritmo do tempo e a direção para a qual ele caminha.

As outras três forças não permitem essa interpretação geométrica, o que faz supor que elas não possam interferir no andamento do tempo. Novello sugere que isso em geral é verdade, mas não necessariamente. "Há condições especiais em que a atuação dessas forças pode ser geometrizada. São processos que imitam a gravitação em sua interação com um tipo específico de partícula", afirma o físico. O modelo em que ele trabalha faz uso de forças eletromagnéticas extremamente calibradas para causar um efeito em um fóton. Esse efeito, que só poderia ser aplicado a um tipo determinado de partícula, o colocaria no rumo contrário ao de todas as outras coisas na dimensão temporal -direto para o passado.

Segundo ele, nenhuma mágica ou superacelerador de partículas seria necessário. Apenas um solenóide (fio enrolado sobre um cilindro que induz um campo eletromagnético pela passagem de corrente elétrica) devidamente preparado poderia realizar a proeza. "Qualquer laboratório, inclusive no Brasil, poderia tentar", afirma. Outros efeitos, como o de um buraco negro (fenômeno tipicamente gravitacional) feito com eletromagnetismo capaz de capturar fótons, também poderiam ser obtidos sem grandes equipamentos.

"Qualquer meio dielétrico poderia produzir esse efeito, aprisionando um fóton. Seria como se ele sumisse do Universo." No caso do fóton viajante do tempo, a observação resultante do experimento também seria a do sumiço da partícula. Durante todo o período da viagem para trás no tempo, "ele não seria visto como um fóton convencional, mas como uma partícula de propriedades muito estranhas". Finalmente (ou para começar, dependendo da referência temporal), o fóton desembarcaria no passado, com a mesma energia e as mesmas características da partícula que deixou o presente.

Mesmo que o efeito restrito da viagem (válida apenas para fótons) impeça o envio de pessoas inteiras ao passado, a simples troca de fótons entre futuro e passado poderia ter implicações muito sérias. Se fosse possível comunicar informações por meio desses fótons, estaria aberta a possibilidade dos paradoxos temporais lógicos, como aquele famoso em que o viajante temporal mata seu avô, o que automaticamente inviabiliza sua existência e, por consequência, sua própria volta ao passado, o que viabiliza de novo sua existência, e assim por diante. Nesse caso, não seria possível a alguém matar seu avô pessoalmente, mas talvez seja viável transmitir informações para que um matador de aluguel faça o serviço -o que, para todos os efeitos, dá na mesma.

Segundo Novello, eliminar a possibilidade de viagem no tempo apenas pelos paradoxos que ela traz é um modo fácil de resolver a questão -mas não o mais preciso. "Costumamos usar, em nosso cotidiano, o dialeto newtoniano, que é baseado na física de Newton, que por sua vez é física do bom senso." Efeitos como esse contradizem o bom senso, mas não deveriam ser ignorados -afinal, eles nascem de teorias como a da relatividade, que já tem toneladas de provas em seu favor. O cientista considera sua idéia de induzir uma viagem no tempo sem usar a gravidade muito menos especulativa do que a tão falada teoria das supercordas, por exemplo.

"Eu ficaria muito contente se viesse um cientista para mim amanhã e demonstrasse que eu estou errado, porque isso faz parte do jogo científico. O importante é que a teoria pode ser testada", ele diz. "Se alguém chega para mim e diz que o Universo tem 25 dimensões, mas que nós só podemos observar quatro, isso não serve para nada. É pura especulação", afirma Novello, em alusão à idéia das supercordas, segundo a qual o Universo é composto por dez dimensões, das quais se experimentam apenas quatro.

O cientista diz que entende o ceticismo alheio. "Se alguém chegasse para mim cinco, dez anos atrás e perguntasse se seria possível fazer um fóton voltar no tempo, eu responderia, muito provavelmente, que não", afirma. "Hoje, se me perguntam isso, a resposta é, quase certamente, sim."
 

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