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31/10/2001 - 10h42

Cientistas criticam plano para institutos de pesquisa federais

RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Cientistas ligados a unidades de pesquisa federais estão se insurgindo contra um plano de metas elaborado a pedido do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia).

O objeto de discórdia é o relatório da Comissão Tundisi, um grupo de especialistas convocado para avaliar as 22 unidades de pesquisa do ministério e propor políticas de longo prazo para o setor.

A comissão mobilizou cerca de 80 cientistas e foi chefiada por José Galizia Tundisi, especialista em recursos hídricos que foi presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) de 95 a 98. Tundisi, procurado pela Folha para comentar as críticas ao relatório, não respondeu a recados deixados em seu celular e no MCT.

Pesquisadores de unidades como o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o ON (Observatório Nacional) apontam no documento propostas que trariam prejuízo à pesquisa básica no país.

Um ponto central de crítica são as propostas de transferência de cursos de pós-graduação de alguns institutos para universidades. "A pós-graduação tem de existir em qualquer lugar onde se faz pesquisa", afirma o pesquisador Francisco Xavier de Araújo, do ON. "Se um curso tem problemas, o correto é trabalhar para melhorar, não transferir para outro lugar e começar tudo do zero."

De acordo com o relatório, as prioridades do observatório seriam voltadas para metrologia de frequência e tempo, além de levantamentos geofísicos, e não para astronomia.

O pesquisador titular Mário Novello, do CBPF, é um dos que enxergam o relatório como uma ameaça à liberdade da pesquisa básica. "Em vez de fazer aquilo para o qual temos competência, teremos de fazer aquilo que uma comissão vai determinar", diz. "Em pesquisa básica, o único critério é qualidade, e o que se faz aqui [no CBPF" tem qualidade."

Para o pesquisador Henrique Lins de Barros, do Mast (Museu de Astronomia e Ciências Afins), o problema está no modelo de desenvolvimento baseado nos fundos setoriais, que captam recursos para uma determinada pesquisa nos setores empresariais diretamente beneficiados. "A ciência básica não tem um produto com demanda no mercado. O relatório Tundisi não achou funções para institutos fora desse perfil e resolveu excluí-los", diz.

Barros afirma que foi criado um "falso dilema" entre ciências básica e aplicada. "A indústria aeronáutica brasileira é vitoriosa hoje porque se investiu em pesquisa básica 40 anos atrás", exemplifica.

O que diz o MCT

Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, é o incremento de orçamento gerado pelos fundos setoriais que permitirá ao país manter a atenção à pesquisa básica, porque sobrariam mais recursos do CNPq para áreas que não são contempladas pelos fundos. "A cadeia é beneficiada como um todo", disse o ministro anteontem, na posse da nova diretoria do Inpe.

Segundo Sardenberg, a polêmica causada pelo relatório não é motivo de preocupação. "Evidentemente, não se podia esperar uma unanimidade", afirmou. "Vamos organizar nas instituições, quando necessário, um comitê para que essas propostas sejam detalhadas."

O ministro disse não enxergar na transferência dos cursos de pós-graduação, por exemplo, um entrave para a realização de pesquisa. Segundo ele, as universidades que absorverem os cursos terão convênios para permitir acesso de mestrandos e doutorandos aos laboratórios dos institutos.

Mas essa proposta também enfrenta oposição. "Uma coisa é visitar o pesquisador para conhecer seu trabalho, e outra é aprender com ele, no dia-a-dia, como se faz pesquisa", diz Novello. Para Lins de Barros, essa política poderia gerar uma falta de pessoal qualificado para pesquisa nos institutos, que as universidades não seriam capazes de formar.

Para alguns pesquisadores, a Comissão Tundisi fez seu trabalho às pressas e sem diálogo. "Vieram quatro pessoas aqui [ao CBPF". Uma delas ficou quatro horas e outra teve problemas de saúde e foi embora. Os outros dois passaram dois dias na instituição", diz Novello.

Segundo o secretário-executivo do ministério, Carlos Américo Pacheco, o tempo usado pela comissão para o trabalho foi suficiente, porque não foi feita uma avaliação acadêmica de mérito, mas sobre a missão dos institutos. "Queremos saber qual é o papel que o CBPF tem de referência em sua área", disse.

"Causa espanto a desenvoltura com que o relatório se refere à desfocalização da missão do Inpe, quando, rigorosamente, ela não é definida", escreveram docentes de pós-graduação em carta à SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
 

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