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25/11/2001 - 07h59

Astrônomos investigam como teriam sido as primeiras estrelas

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Segundo a cosmologia, logo que surgiu, o Universo era realmente um tédio. Não havia nada para ser visto e, mesmo que houvesse, não havia ninguém para ver nada. Não havia sequer luz, para ser mais preciso.

Difícil acreditar que algo de bom sairia de uma perspectiva dessas. Mas, num processo que durou apenas alguns milhares de anos, daquele caldo de matéria escura, partículas elementares e, na melhor das hipóteses, átomos de hidrogênio e hélio, nasceram as primeiras estrelas, levando a luminosidade -e a possibilidade de se formarem planetas, estrelas e galáxias tais quais se conhecem hoje- para todos os cantos do cosmos.

Sem dúvida, um acontecimento de grandiosidade à altura do "fiat lux" bíblico. Essa versão científica do episódio "faça-se luz" é aquela à qual se dedica Tom Abel, um físico do Instituto de Astronomia da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e do Harvard Smithsonian Center for Astrophysics, em Massachusetts, EUA.

"Meu envolvimento nesse tipo de pesquisa começou quando meu orientador, e hoje co-autor, Mike Norman, me perguntou: "Quais foram as primeiras coisas do Universo?" ", conta.

Trabalhos para responder a essa pergunta já têm sido conduzidos há três décadas, mas a inspiração dada por Norman a seu então orientando só veio no começo de 1994.

Desde então, Abel tem aprimorado simulações que mostram como o caldo de matéria bariônica (aquela com que se lida na vida cotidiana, composta por prótons, nêutrons e elétrons e suas subpartículas e antipartículas) interagiu com o mais importante e ao mesmo tempo mais fugidio componente do Universo, a misteriosa matéria escura, para finalmente dar origem aos primeiros astros brilhantes do cosmos -cuja importância não pode ser subestimada.

"As primeiras estrelas fizeram os primeiros elementos pesados, como carbono e oxigênio", afirma Abel.

"Elas foram um passo necessário não só para a formação das estrelas de hoje, mas também um primeiro passo na origem da vida." Os últimos resultados das simulações de computador conduzidas por Abel, Norman e Greg Bryan serão publicados brevemente em uma edição impressa da norte-americana "Science".

Por ora, eles foram divulgados apenas pela internet, no serviço expresso de publicação de estudos da revista (www.sciencexpress.org).

As simulações do trio representam tridimensionalmente a movimentação da matéria e a variação de valores básicos como densidade do material aglutinado e distribuição das massas, até a formação da primeira estrela -ou quase.

A partir de determinado momento, os cálculos ficam muito complexos, inviabilizando a visualização completa do fenômeno. Eles não são capazes de estimar com exatidão o tamanho final dessa estrela, por exemplo.

"Grandes esforços de pesquisa estão sendo feitos para conseguir exatamente isso. No entanto, a física se torna mais e mais complicada conforme a estrela aumenta seu colapso", afirma Abel.

"Acho que poderemos muito bem levar alguns anos até poder determinar com alguma certeza a massa final dessas estrelas." Pelo menos os resultados obtidos até aqui já permitem fazer uma estimativa mínima de dimensão para esses astros primordiais. A conclusão da simulação é que ela precisa ter tido no mínimo 30 vezes a massa do Sol.

Não que seja um tamanho absurdo, pois o Sol não tem nada de especial ou extraordinariamente grande -ainda bem, pois quanto maior uma estrela, mais rápido ela gasta seu combustível na fusão nuclear (se o Sol fosse do tamanho dessas estrelas primordiais, teria explodido em uma supernova muito antes de haver vida na Terra).

Mas é um valor de certo modo surpreendente. Antes da simulação, alguns pesquisadores especulavam que a estrela, ainda em fase embrionária, acumulando material para entrar em colapso gravitacional e disparar o processo de fusão, pudesse se fragmentar, dando origem a astros menores.

"Contrariamente às expectativas, esse processo não leva a renovadas fragmentações e apenas uma estrela é formada", escreveram os três autores no estudo.

Estrelas-mãe
Todas as estrelas já observadas possuem em seu interior uma certa quantidade (ainda que mínima) de elementos pesados, como ferro, carbono e oxigênio, embora sejam majoritariamente feitas de hidrogênio e hélio. O próprio hidrogênio alimenta o processo de fusão nuclear, induzido pelo colapso gravitacional da estrela.

Elas possuem tanta massa, e seus átomos começam a ficar tão apertados no centro, sob ação da gravidade, que começam a grudar uns nos outros, liberando uma tremenda quantidade de energia. Conforme acaba o hidrogênio, a estrela passa a fundir hélio em elementos mais pesados. Quando acaba o hélio, ela funde esses elementos que sobraram.

E, quando já não consegue mais fundir nada, morre, podendo apagar-se aos poucos, terminar numa grande explosão ou entrar em colapso gravitacional definitivo, que a isola do mundo exterior -produzindo um buraco negro.

O que importa é que, quando explodem, espalham esse monte de elementos pesados pelo espaço.

Eles serão reaproveitados em outros locais de formação estelar, onde farão parte das estrelas que estão por surgir. Só que as primeiras estrelas não possuíam nenhum desses elementos.

Apenas hidrogênio e hélio, os elementos mais simples que existem, foram formados após o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao Universo, e serviram de matéria-prima para elas.

Daí decorrem duas conclusões: a primeira é que essas estrelas, por terem composição diferente da das atuais, não podem ser classificadas como os astros que se conhecem hoje.

"Uma estrela primordial puramente feita de hidrogênio e hélio é bem diferente de uma estrela "comum" de mesma massa. Só para começar, elas são muito mais quentes, maiores e mais luminosas", diz Abel.

A segunda conclusão é que essas estrelas precisaram nascer e morrer antes que pudesse florescer tudo que é conhecido no Universo atual, incluindo aí os quasares, galáxias primitivas nos confins do cosmos cuja luz só está chegando à Terra agora, com bilhões de anos de atraso.

Ou seja, no lugar em que hoje os astrônomos observam qualquer coisa, há bilhões de anos, havia uma dessas estrelas primordiais. De certa forma, elas podem ser vistas como as "mães" de todo o Universo conhecido.

"De fato, múltiplos objetos do tipo que descrevemos se formaram na região que eventualmente sofreu um colapso para se tornar nossa própria galáxia."

Ficando por dentro
Para tornar as simulações tão precisas e verossímeis quanto possível, Abel precisa estar antenado em tudo que acontece no mundo da cosmologia, incluindo novos estudos sobre radiação cosmológica de fundo (o "eco" do Big Bang) e observações que sugerem a existência de uma força contrária à da gravidade, afastando os corpos uns dos outros.

"Esses desenvolvimentos e inspirações atuais determinam as condições iniciais para os nossos cálculos", relata.

Entre as coisas a levar em conta estão a quantidade e a distribuição de matéria escura naquele Universo primitivo. Embora os cientistas não tenham a mais vaga idéia do que constitua essa substância responsável por mais de 90% de toda a massa do Universo, Abel diz que não é problema lidar com ela nas simulações.

"Essa misteriosa matéria escura só pode estar interagindo via gravidade com o resto do Universo. Se fosse diferente, já a teríamos achado. E, como é só gravidade, é bem simples."

Com base no conhecimento até agora construído pelos cosmologistas, o trio estima que o processo de formação e morte das primeiras estrelas deve ter ocorrido no primeiro bilhão de anos do Universo. Estima-se que o cosmos hoje esteja com cerca de 13 bilhões de anos.

Enquanto tenta reconstruir a ordem do Universo, Abel, hoje com 31 anos, fracassa em mantê-la em seu próprio ambiente de trabalho. "Meu escritório não é muito organizado, embora eu tente ser. Trabalho em muitos problemas simultaneamente. Não apenas nas primeiras estrelas, mas também em como as galáxias se formam, como a matéria entre galáxias evolui etc. Isso é bom porque, se um projeto pode estar indo devagar, pode haver um grande salto ocorrendo em outro."

Além de estudar as coisas do céu, Abel aprecia também cair dele. Ao visitar o site pessoal do pesquisador (www.tomabel.com), é possível ver uma foto dele em queda livre, saltando de pára-quedas -certamente não é a imagem mental que as pessoas costumam ter de um astrônomo.

Mas, mesmo quando o cientista está em pleno ar, sendo propelido em direção ao chão acelerado apenas pela gravidade, uma questão não deixa de fasciná-lo.

"Eu simplesmente amo essa pergunta, "o que foi a primeira coisa que se formou?". É filosófica por um lado e por outro é um problema de física bem definido."

Felizmente ele aceita bem a idéia de que provavelmente nunca conseguirá respondê-la a contento. "Estamos em última análise tentando criar simulações realistas para todas as estruturas do Universo. Obviamente um projeto desses nunca estará terminado."



 

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