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01/01/2002 - 04h19

Unifesp estuda ervas medicinais de índios

RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo

Uma parceria pouco comum no meio científico pode se revelar uma fórmula viável para o aproveitamento da biodiversidade brasileira. Um grupo de pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) está mapeando o conhecimento sobre plantas medicinais da nação indígena craô, do norte do Tocantins, com intenção de usá-lo na produção de remédios fitoterápicos.

Segundo o coordenador do projeto, o médico Elisaldo Carlini, o acordo firmado entre cientistas e curandeiros pode ser uma forma de permitir o acesso da indústria farmacêutica à cultura indígena que seja justa -para os índios.

"Os índios terão de receber dividendos dos lucros. Nós estamos mantendo o nome científico das plantas em segredo até obter patentes", diz Carlini, que dirige o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), da Unifesp.

O trabalho de campo, realizado na Kraolândia, reserva indígena do cerrado com 16 aldeias, foi realizado pela bióloga Eliana Rodrigues, 33. Ela ganhou a confiança dos craôs após dois anos de trabalho em três aldeias. "Tive contato com sete pajés, que eles chamam de "wajaca" [uaiacá", na língua timbira", diz.

O esforço da pesquisadora, que recolheu 400 plantas, resultou na identificação científica de 138 espécies que provavelmente têm algum tipo de ação neurológica. Dez delas foram selecionadas para os primeiros estudos clínicos na Unifesp.

As plantas catalogadas por Eliana se dividem em cinco grupos principais: ansiolíticos, analgésicos, adaptógenos (fortificantes), um com ação sobre memória e o último com ação sobre metabolismo, para controle de peso.

O levantamento da cientista, que começou em junho de 1999, foi mantido em segredo até dezembro, quando a agência que financia o projeto, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o divulgou na revista "Pesquisa Fapesp".

Cultura isolada
A etnia dos craôs foi escolhida para o projeto por estar em região de cerrado, um bioma pouco explorado pela farmacologia. Essa estratégia levou os cientistas a diversas plantas de ação desconhecida, para as quais devem conseguir dentro de algum tempo o registro de uso fitoterápico. "Das 138 plantas catalogadas, apenas 11 foram objeto de estudos de outros pesquisadores, e só em dois desses estudos a propriedade analisada era a mesma", diz Rodrigues.

Para ter acesso ao conhecimento indígena em sua forma mais pura, os pesquisadores escolheram aldeias mais isoladas do contato com cidades. O resultado foi compensador. Cada "wajaca" que a bióloga encontrava trazia algo singular. "A conversa com os "wajaca" é sempre individual, porque um não sabe o trabalho do outro", diz. "A terapêutica deles é um processo dinâmico. Não é uma verdade absoluta."

Para a pesquisadora, o conhecimento dos índios reflete uma forma com espírito científico de encarar o mundo. "Um dos "wajaca" me disse que estava estudando uma flor", conta a bióloga. Cada vez que alguém na aldeia tinha um problema, o curandeiro dava a planta, para testar o efeito. "É um tipo de ciência muito baseada na intuição, baseada em erro e acerto. Eles não têm camundongo para testar", afirma.

Como as plantas recolhidas são muitas, o Cebrid não pretende testar todas. "Outros grupos terão de entrar no projeto", diz Carlini. "É preciso pesquisa autêntica no Brasil para manter esse conhecimento aqui, com exploração sustentável e retorno para os índios."

Fitoterápicos x sintéticos
Por enquanto, os pesquisadores ainda não têm intenção de extrair o princípio ativo das plantas para fabricar medicamentos sintéticos. "Depois, à medida que se forem consolidando os fitoterápicos, pode ser feita pesquisa química para isso", diz Carlini.

Segundo o professor, estimativas iniciais indicam que o custo da pesquisa até um fitoterápico estar pronto no mercado poderá chegar a R$ 4 milhões, em um período de dez anos. "Isso é dezenas de vezes mais barato do que um medicamento produzido no exterior", afirma.

Com o mapeamento dos fitoterápicos em mãos, os cientistas aguardam agora a finalização dos termos do acordo que estabelece a divisão de eventuais lucros dos futuros remédios entre índios, universidade e indústria farmacêutica. "O acordo com os índios já está pronto, mas é muito difícil ratificar isso em termos legais", diz Carlini. "Eles não têm autonomia financeira e têm muito medo do poder público." O contrato será intermediado pelo advogado Marco Antônio Barbosa.

Na segunda etapa, pesquisadores devem submeter os extratos das plantas a testes em animais. Depois disso, as substâncias serão testadas em voluntários humanos sadios, para se avaliar sua toxicidade, e então em voluntários doentes, para avaliação de seu efeito medicinal. "Mas não precisamos esperar o remédio estar pronto para obter a patente. Podemos garantir direitos já no fim de 2002, com alguns dados obtidos com animais", diz Carlini.

A indústria farmacêutica, que deve financiar parte do projeto, ficará encarregada de produzir o remédio em escala comercial. Para Carlini, os pedidos de parceria "não vão faltar".

A participação dos índios, porém, não fica limitada a ceder o conhecimento. O contrato prevê que as plantas usadas no projeto sejam cultivadas pelos craôs. Para isso, a agrônoma Kátia Pacheco faz visitas regulares à Kraolândia, onde ensina os índios a aprimorar o cultivo. "Eles conhecem agricultura, mas não para produzir em grande quantidade", afirma Rodrigues.
 

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