Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/12/2001 - 16h16

Adeus 2001, uma odisséia na Terra

Marcelo Gleiser
especial para a Folha de S.Paulo

O ano de 2001 passou, e ainda não chegamos a Júpiter, ou mesmo a Marte, ao menos com missões tripuladas por humanos. A previsão de Arthur C. Clarke em seu livro "2001: Uma Odisséia no Espaço" e em sua versão cinematográfica, dirigida por Stanley Kubrick, ainda não se concretizou. Mas livros ou filmes de ficção científica não têm a obrigação de fazer previsões com data certa. Essas obras ampliam as fronteiras da imaginação, criando fantasias que, às vezes, se concretizam. Muito antes da obra vem o sonho.

A agência espacial norte-americana, Nasa, conseguiu pousar uma sonda operada por controle remoto em um asteróide chamado Eros, um feito notável. Conforme mostrado em filmes catastróficos, como "Armageddon", pousar em um asteróide ou cometa pode ser extremamente importante para a nossa sobrevivência, especialmente se o objeto estiver em rota de colisão com a Terra. Talvez menos dramático, mas não menos importante, o estudo da composição química e geológica do asteróide nos ajude a entender melhor a origem do Sistema Solar e da Terra.

Partes da ISS (Estação Espacial Internacional, na sigla em inglês), uma plataforma espacial que será maior do que um campo de futebol, estão já em órbita. Se bem que a estação tem sido alvo de sérias críticas, devido aos seus altíssimos custos.

Os leitores que viram o filme de Kubrick irão se lembrar de uma estação espacial também em órbita em torno da Terra, uma gigantesca catedral espacial, ponte para o resto do Universo. Se, na Idade Média, as catedrais eram uma ponte para o reino dos céus, hoje as catedrais são também as estações e os ônibus espaciais, os veículos modernos de transcendência física e, para muitos, espiritual.

Essas conquistas espaciais dividiram o palco com as conquistas da genética e da biologia molecular. O Projeto Genoma Humano, as pesquisas com as células-tronco e sua promessa de cura para tantas doenças que afligem milhões de pessoas e as novas drogas para a Aids são alguns exemplos.

Como toda grande nova tecnologia científica, a genética moderna também tem o seu lado sombra: a clonagem de seres humanos, profetizada no livro de Aldous Huxley, "Admirável Mundo Novo", se não uma realidade, é uma possibilidade concreta para um futuro não muito distante. Tal como no caso do uso da energia nuclear, que aumentará nos próximos anos, devido à crise energética nos EUA ou do aquecimento global, a nova ciência não pode mais ser discutida à parte da sociedade.

O que ocorre nos laboratórios influencia a qualidade de vida dos cidadãos do mundo inteiro. Portanto, é necessário um compromisso dual entre os cientistas e a sociedade: cabe aos cientistas revelar as suas descobertas à sociedade e à sociedade a educação científica de seus cidadãos, nas escolas, mesas de jantar, e através de um espaço cada vez maior na mídia.

Mas 2001 foi também um ano que ficará marcado na história como o ano em que o terrorismo foi globalizado, expressão de um profundo desequilíbrio sócio-econômico mundial e não apenas regional. Conforme argumentei em meu recente livro "O Fim da Terra e do Céu", em muitos casos através da história, o fundamentalismo religioso apareceu como resposta a uma polarização social onde grande parte da população é incapaz de competir com aqueles que detêm o poder político e econômico. Em linhas bem gerais, assim raciocina o fundamentalista militante: "Se é impossível ter uma vida digna aqui na Terra, que isso ocorra em uma outra existência ou no paraíso.

E, para que essa outra fase de minha existência venha a acontecer, tomemos nós o curso da história em nossas mãos, iniciando a luta armada pela redenção final." O soldado da redenção se transforma em herói, seu martírio, um passaporte à graça eterna.

Em geral, como no caso da Revolta de Canudos ou agora no Afeganistão, o movimento é esmagado pela força superior das classes que detêm o poder. Mas o uso exclusivo da força bruta é inútil.

No clássico "Fantasia", de Walt Disney, o camundongo Mickey rouba o chapéu de seu mestre feiticeiro e encanta uma vassoura para fazer o seu trabalho de pegar água num poço para lavar o chão. Mickey dorme, e a obediente vassoura acaba alagando o castelo. Ele tenta pará-la, mas não conhece a mágica certa. Desesperado, Mickey usa a força bruta e, com um machado, parte a vassoura em milhares de pedaços. Mas o feitiço vai contra o feiticeiro aprendiz. Cada pedaço da vassoura destruída passa a fazer o mesmo trabalho, pegando mais água no poço e alagando ainda mais o castelo. Que não seja esse o futuro de nossa sociedade, terminar alagada por sua ignorância.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Veja  o especial Expectativa 2002
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página