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03/02/2002 - 13h35

Sonda não-tripulada deve chegar a Plutão em 2016

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Os próximos anos prometem a um grupo de cientistas do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins uma aventura épica. Eles vão projetar, construir e operar a primeira sonda com destino a Plutão, o único integrante do Sistema Solar ainda não visitado por um artefato humano.

A nave carregará não só 416 quilos de equipamentos e combustível, mas a esperança de que muitas questões sejam afinal respondidas. A começar pela própria identidade de Plutão: planeta, asteróide, cometa?

Quando encontrado em fevereiro de 1930 pelo astrônomo americano Clyde Tombaugh (1906-1997), com base em cálculos astronômicos feitos por seu conterrâneo Percival Lowell (mais famoso por descobrir supostos canais artificiais na superfície de Marte, que hoje se sabe serem apenas ilusões de óptica), Plutão foi classificado como o nono planeta do Sistema Solar.

Na época não houve muita dúvida sobre a definição do astro. Os astrônomos estavam à procura de um nono planeta que explicasse certas oscilações estranhas na órbita de Netuno, o oitavo planeta. Lowell fez as contas, Tombaugh apontou o telescópio e encontrou Plutão. Sem mistério.

Só que Plutão não era como os outros. Além de minúsculo (diâmetro de cerca de 2.400 km, menor que a Lua, com 3.500 km), o objeto tinha uma órbita mais parecida com a de um cometa -muito mais oval e desalinhada.

Para completar, em certos momentos o traçado feito por Plutão o leva para mais perto do Sol do que Netuno, o oitavo planeta. Estranho, para dizer o mínimo.

Quando o astrônomo holandês radicado nos EUA Gerald Peter Kuiper propôs a existência de um cinturão de objetos além da órbita de Netuno, em 1951, alguns desconfiaram que Plutão pudesse ser apenas um desses restos da formação planetária. Surgia a polêmica.

Em 1978, o americano James Christy descobriu que Plutão tinha uma lua. Chamou-a de Caronte, que na mitologia greco-romana é o nome do barqueiro que conduz as almas pelo rio Estige até o inferno, reino dominado pelo deus Plutão. Com respeitáveis 1.250 km de diâmetro, Caronte deu novo fôlego aos que defendiam a manutenção da antiga classificação planetária do astro, mas novo abalo ocorreria em 1992, quando foram localizados os primeiros objetos do cinturão de Kuiper, confirmando as especulações do astrônomo.

Desde então, a reputação de Plutão sofreu mais e mais ataques. Nos últimos dois anos, pelo menos quatro grandes objetos (cerca de 1.000 km de diâmetro) foram encontrados no cinturão de Kuiper. Tudo leva a crer que o nono planeta seja apenas mais um.

Velhos costumes

A tradição, porém, ainda fala alto. "A União Astronômica Internacional, órgão que determina a classificação dos corpos celestes, se declarou a favor da manutenção do status de planeta para Plutão, por tradição e por ter sido assim designado desde sua descoberta", diz Ronaldo Mourão, do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro. "No entanto, cientificamente, ele faz parte do cinturão de Kuiper. Uma missão a Plutão irá, sem dúvida, confirmar isso."

Para Andrew Cheng, 50, cientista do projeto New Horizons -a sonda que parte para Plutão em 2006-, essa não é a questão que mais interessa. No que diz respeito à classificação, ele prefere não perder tempo. "Plutão é um planeta. Nós o chamamos de planeta, é um planeta. Por que não?"

Mas ele também reconhece que o astro não é como os outros oito do Sistema Solar. Essa é a principal razão para considerar o projeto tão relevante. "Plutão é tão diferente de todo o resto que temos dificuldade até em classificá-lo", diz.

Aliás, é difícil achar que Plutão não mereça atenção. Mas a Nasa (agência espacial americana) não via as coisas assim. A idéia de conduzir uma missão a Plutão e ao cinturão de Kuiper não é nova. Um projeto antigo estava sendo tocado pelo JPL (Laboratório de Propulsão a Jato, ligado à Nasa), mas foi cancelado no final de 2000.

"O orçamento da Nasa diminuiu em poder de compra, e tínhamos de fazer decisões calculadas. Você não pode fazer tudo, então prioriza. E aquilo era baixa prioridade", diz Daniel Goldin, que na época dirigia a agência.

A comunidade científica não compartilhava tais prioridades. É sabido desde 1988 que Plutão possui uma tênue atmosfera. Acredita-se que ela se desfaça conforme o planeta começa a se afastar do Sol -coisa que ele está fazendo neste momento. Se alguém quiser conhecer os ares de Plutão, precisa ter uma sonda lá até no máximo 2020. Depois, a próxima chance só viria em dois séculos (ele leva 248 anos para dar uma volta em torno do Sol).

Por isso, muitos astrônomos consideravam o cancelamento, mesmo temporário, o beijo da morte na missão. Goldin não tinha intenção de perder o prazo. "O que optamos por fazer foi ter um programa para desenvolver tecnologias", diz. "Nós íamos usar tecnologia de 30 anos atrás para chegar a Plutão, e, com propulsão química, ia levar muito tempo. Propusemos um programa para desenvolver tecnologias que pudessem chegar lá muito mais rápido. Nos próximos cinco a dez anos, se desenvolvêssemos a tecnologia, poderíamos chegar lá."

Cheng discorda. "Esse seria um risco grande", diz. "Se a tecnologia não fosse criada, a oportunidade seria perdida. Você pode ir agora, com tecnologia já criada e a custo moderado. Eu não apoiaria outra estratégia."

Mais gente não estava disposta a correr riscos e a entrar numa fila de espera de 200 anos. Um forte movimento começou a germinar, o que obrigou a agência a ressuscitar a idéia, abrindo um concurso para quem conseguisse propor uma missão alternativa à do JPL, com mais eficiência e custo menor. Foi exatamente o que fizeram Cheng e seus colegas -a New Horizons.

Mesmo depois do concurso, a agência americana ainda fez corpo mole. "A Nasa não incluiu o pedido de verba para a missão em sua proposta de orçamento ao Congresso. Foi por iniciativa do Congresso que ela foi financiada", conta Cheng.

O governo dos EUA liberou US$ 30 milhões em 2002 para desenvolver o projeto. A nave é uma evolução da Contour, sonda criada também pelo pessoal da Johns Hopkins para estudar o interior de cometas, que será lançada em julho deste ano.

"Não é exatamente a mesma nave, mas terá elementos desenvolvidos para a Contour", diz Cheng. Segundo ele, a opção tem motivações tanto técnicas (reduzir o risco de enviar uma sonda com tecnologia nova para 1 bilhão de quilômetros da assistência técnica mais próxima), quanto orçamentárias (contornar a necessidade de desenvolver o projeto do zero). "É um movimento inteligente", afirma o cientista.

Longa marcha

O cronograma de viagem é longo. Quatorze meses após a partida (prevista para 2006), a sonda se encontra com Júpiter. Usando a atração gravitacional do planeta gigante como um estilingue, ela ganha novo impulso em direção a Plutão. A previsão é chegar lá em 2016 ou, na pior das hipóteses, 2017.

Durante todo o caminho, o maquinário da nave deve permanecer em estado de hibernação. Só será ligado durante a passagem por Júpiter, quando coletará dados e fotos do planeta e de suas luas, e alguns dias a cada ano, quando será feita a verificação periódica de todos os sistemas.

Em compensação, quando a sonda estiver se aproximando do sistema Plutão-Caronte, a atividade deve ser frenética. Em razão da velocidade que precisa ser dada à nave para que ela chegue ao planeta a tempo de ver sua atmosfera, é impossível freá-la e colocá-la em órbita do planeta. O resultado é que a New Horizons vai passar correndo, coletando tantos dados quanto puder.

Depois, a sonda segue em direção ao cinturão de Kuiper, onde deve encontrar pelo menos um objeto daquela região. "Na melhor das hipóteses, teremos combustível para visitar três deles", diz Cheng. O que nem ele nem ninguém ainda sabe é quais objetos serão. "Eles ainda precisarão ser descobertos", diz.

No total, a New Horizons vai produzir 16 gigabytes de dados, por US$ 488 milhões. O antigo Pluto-Kuiper Express, do JPL, produziria só 2 gigabytes, por mais de US$ 650 milhões. Uma boa barganha, sem dúvida.

Com os dados produzidos, esperam-se obter diversas respostas definitivas sobre o até agora quase desconhecido sistema Plutão-Caronte e seus companheiros do cinturão de Kuiper. Entre elas, a natureza da atmosfera de Plutão. Talvez nem haja um prazo, 2020. "Há cientistas que pensam que ele não existe e que a atmosfera não some, mas não se pode correr o risco", diz Cheng.

A comunidade espera as respostas ansiosamente. "É fundamental conhecer suas características físicas, assim como os mecanismos que regem a circulação de sua atmosfera. Como será a superfície? É uma das inúmeras questões que só uma sonda irá responder", diz Mourão.

Para Cheng, entretanto, a missão vai além da ciência. "Tenho muita sorte de poder fazer isso. Estou muito velho para escalar o Everest, ou visitar a floresta amazônica, e ter a chance de participar da exploração de um mundo totalmente inexplorado é muito empolgante."
 

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