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06/03/2002 - 10h15

Pesquisa sobre fusão põe revista em xeque

CLAUDIO ANGELO
editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

A centelha da polêmica está acesa na comunidade dos físicos com a publicação, nesta sexta-feira, de um trabalho que afirma ter dado o primeiro passo para a domesticação da fusão nuclear -promessa de energia limpa, barata e virtualmente infinita.

O estudo, feito por um grupo coordenado por pesquisadores do Laboratório Nacional Oak Ridge, nos EUA, recebeu a chancela da revista "Science", uma das mais respeitadas publicações científicas do planeta, mas tem recebido ataques de físicos, céticos quanto aos seus resultados.

Nele, o grupo chefiado por Rusi Taleyarkhan e Richard Lahey diz ter criado as condições para a fusão de átomos de deutério (um tipo de hidrogênio pesado, formado por um próton e um nêutron). Para isso, usou ondas sonoras para provocar a implosão ultra-rápida de diminutas bolhas de gás formadas em acetona com deutério, em um aparelho do tamanho de três xícaras empilhadas.

O colapso das bolhas, argumentam os autores, teria sido rápido o bastante para produzir luz (fenômeno conhecido como sonoluminescência) e temperaturas de até 10 milhões de graus Celsius (equivalentes às do centro do Sol), causando a fusão do deutério -processo que ocorre nas estrelas- e emissão de nêutrons.

"O que eles fizeram foram estrelas nanoscópicas [de milionésimos de milímetro", disse à Folha o físico nuclear Sérgio Duarte, do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio. "A idéia parece razoável", afirmou.

Desconfiança

Os resultados da pesquisa pareciam espetaculares. Afinal, a fusão nuclear é perseguida há anos pelos cientistas como a salvação energética do mundo. Sua reação-irmã, a fissão, usada em usinas nucleares, tem os inconvenientes de utilizar átomos pesados (e difíceis de obter), como o urânio, e de gerar lixo atômico. Até hoje, tudo o que se conseguiu foi fundir átomos aos pares, usando imensos aceleradores de partículas.

Tão espetacular parecia a "fusão portátil" que a direção do Oak Ridge desconfiou. Pediu a uma dupla de físicos do laboratório que refizesse o experimento, usando um detector de nêutrons mais sensível. A conclusão foi de que os resultados haviam sido uma ilusão. "Não há evidências do excesso de nêutrons que caracteriza a fusão", disse um dos físicos, Michel Saltamarsh, à revista eletrônica "Science Now".

Outros físicos também atacaram o experimento de Taleyarkhan e Lahey: "O trabalho é uma colcha de retalhos, e cada remendo tem um furo", disse Mike Moran, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia.

A polêmica chegou perto do ponto de fusão quando diretores do Oak Ridge pressionaram o editor da "Science", Donald Kennedy, a adiar a data de publicação do artigo -ou a simplesmente enterrá-lo. O temor era que a pesquisa estivesse repetindo uma das maiores fraudes científicas da história, a da fusão nuclear a frio.

Anunciada em 1989 pelos físicos Stanley Pons e Martin Fleischmann, a fusão a frio foi alardeada na imprensa como a descoberta do século, para depois se provar um experimento irrealizável.

"A 'Science' é uma revista com peer-review [os trabalhos são submetidos à chancela de outros especialistas]. Isso não vai ser um caso Pons e Fleischmann", afirmou Fred Becchetti, que comentou o experimento na "Science" e também se diz cético sobre ele.

Kennedy se irritou com as pressões e resolveu liberar o acesso da imprensa ao estudo anteontem. Em um editorial intitulado "To Publish or not to Publish" (publicar ou não publicar), ele diz que "tanto os críticos prematuros quanto os que crêem no resultado fariam bem em esperar o processo científico fazer seu trabalho".
 

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