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15/04/2002 - 23h27

Expedição do Ibama mapeia diversidade de peixes da Amazônia

RICARDO BONALUME NETO
enviado da Folha à Amazônia

Bom dia. São 5h30 da manhã. Em meia hora começaremos nossas atividades". Qualquer que fosse o ponto no rio Amazonas entre Manaus e Belém onde se estivesse, essa era a maneira invariável pela qual eram acordados os pesquisadores a bordo do navio de pesquisa Almirante Paulo Moreira. Mas ninguém reclamava -muito- do horário. A voz era invariavelmente a mesma, a do engenheiro de pesca Mutsuo Asano Filho, coordenador da expedição, a primeira no país a ser feita em água doce por um navio até agora acostumado ao oceano.

O Almirante Paulo Moreira é uma embarcação dedicada ao estudo da pesca oceânica pertencente ao Cepnor/Ibama -Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira do Norte do Brasil, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Ele é um "arrasteiro de pesquisa" (possui redes de arrasto) com 26 metros de comprimento e dotado de equipamentos para localização e estudo de cardumes no mar.

Pescadores têm de acordar cedo. Ainda mais nesta época de cheia -a expedição ocorreu em março passado-, um período em que não é fácil pescar no rio Amazonas. Apesar disso, alguns dos pesquisadores ficaram extremamente satisfeitos. "Foi uma coleta muito boa", diz Soraia Barreto de Aguiar Fonteles, do laboratório de Ictiogenética -genética de peixes- do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

O laboratório recebeu 278 espécimes, o suficiente para turbinar a pesquisa por um bom tempo, além de representar o embrião de algo fundamental: um banco genético das espécies da bacia amazônica, um dos maiores objetivos do projeto do Ibama.

Vivendo de peixe

O pescado constitui uma parte essencial da dieta do homem da Amazônia. Pirarucu, tucunaré, tambaqui, piramutaba e outros menos conhecidos são considerados iguarias raras e caras no resto do Brasil, só encontráveis em poucos restaurantes. Mas esses peixes formam a dieta básica na região Norte do país, que tem mais quilometragem de rios navegáveis do que de estradas e muito mais barcos e canoas do que caminhões e automóveis. O Cepnor tem, portanto, interesse em descobrir como melhor manejar essas espécies de interesse comercial, ao mesmo tempo em que patrocina pesquisas de ciência básica sobre a enorme biodiversidade dos rios amazônicos. O laboratório da USP, por exemplo, tinha mais interesse nas diversas espécies de peixe-elétrico do que naquelas mais comumente utilizadas em caldeiradas. Foram obtidos peixes representativos que permitirão criar uma "árvore genealógica" do grupo a partir da análise do seu material genético. A análise genética poderá ajudar a mostrar como a evolução ocorreu entre as diferentes bacias hidrográficas do país. Por exemplo, foram coletadas seis espécies também encontráveis nos rios do Sudeste e do Pantanal mato-grossense. É pouco, mas o suficiente para começar o estudo.

O boto comeu

Na época de enchente do rio -de novembro a junho- os peixes são mais raros no canal principal do Amazonas. É mais fácil achá-los nos igarapés, os riachos secundários. De janeiro a agosto também há um grande número de troncos carregados pela correnteza -tanto que um deles danificou a hélice do navio do Cepnor, atrasando um pouco a expedição. Navios para uso exclusivo em rios têm grades que protegem as hélices. A tripulação do Almirante Paulo Moreira também tentou usar no rio uma rede de arrasto, típica de mar. Deu certo em algumas ocasiões. Mas as pedras e troncos do rio acabaram por rasgá-la. Outros percalços foram igualmente típicos da dificuldade de pescar na Amazônia. Um boto cor-de-rosa (Inia geoffrensis) rasgou uma parte de uma rede ao tentar abocanhar os peixes dentro dela. Piranhas comeram pedaços de outros peixes aprisionados e ainda outros foram vítimas dos temíveis candirus. Apesar de pequenos, os candirus são vorazes. Entram por pequenos orifícios e vão comendo a vítima por dentro. O resultado é um peixe "oco" -só sobra a "casca". Esses problemas, além do fato de a pesca ser bem mais difícil na época de cheia, fazem com que essa atividade na Amazônia tenha poucos atrativos para grandes empresas. "A natureza se autoprotege, isso dificulta a pesca intensiva", diz Asano Filho, o chefe da expedição. O resultado é uma grande dependência da pesca artesanal.

Sabedoria cabocla

Um objetivo do pessoal do Cepnor era pescar. Outro objetivo era estudar os métodos de pesca das populações ribeirinhas -como redes, espinhéis (cordas munidas de vários anzóis) e armadilhas de madeira, como o matapi. Às vezes os ribeirinhos davam dicas úteis, como foi o caso de João Laudene Souza, que mostrou aos pesquisadores o melhor método de colocar as iscas e anzóis no lago em que costuma pescar. Deu certo. A pesca foi melhor ali do que em outros pontos do rio sem a mesma ajuda. O navio fez o percurso de ida e volta de Manaus a Belém, parando em várias estações de coleta -não só de peixes, mas também de plâncton (pequenos seres vivos flutuantes) ou mesmo de água e sedimentos para análise físico-química. Outras coletas em grande quantidade não puderam ser feitas devido à movimentação constante e ao número alto de pontos de amostragem -em áreas como o estreito de Breves, Gurupá, a foz do Xingu, Almeirim, Prainha, a foz do Tapajós, Óbidos, Parintins, Itacoatiara e Manaus.

Taxonomia

Alberto Akama, do Museu de Zoologia da USP, teria gostado de poder capturar mais espécimes, pois seu trabalho é fazer a revisão da classificação biológica de dois gêneros de peixes. Um deles, o gênero Parauchenipterus, tem sido descrito como prevalente das Guianas ao sul do Brasil. Mas o mesmo nome pode abarcar animais distintos, e seu trabalho é "tentar resolver a bagunça".

Por outro motivo, Lilianne Pirker, do Museu Paraense Emílio Goeldi, também não conseguiu agora todos os peixes que queria. Ela adoraria ter pego um grande número de piramutabas, mas já sabia que dificilmente conseguiria. "O piramutaba é um bagre de água doce de grande interesse comercial para a pesca amazônica, principalmente para o Estado do Pará, onde representa uma parcela significativa das exportações do Estado", afirma a pesquisadora.

Mas é uma espécie de crescimento lento e que realiza grandes migrações, chegando a percorrer mais de 3.000 km para desovar na Amazônia ocidental. "Quase não pegamos piramutaba nos arrastos que fizemos. Isso é um dado que corrobora os já existentes", diz.

Mas, seja qual for a época do ano, é possível coletar água, sedimentos e plâncton. Essas amostras são essenciais para aferir com regularidade o estado em que se encontram os rios. "Ainda não analisamos as amostras, isso leva algum tempo. Mas pudemos observar já nas coletas que há uma variedade razoável de grupos de macroinvertebrados no sedimento dos biótopos amostrados. Isso resulta em que será possível utilizar essa comunidade como indicadora de qualidade ambiental aquática", diz Vera Maria da Costa Nascimento, pesquisadora da Agência Nacional de Águas, em Brasília.

Seja qual for o objetivo do pesquisador, essa primeira viagem do Almirante Paulo Moreira mostrou pelo menos uma coisa -que um navio projetado para o oceano pôde ser usado com sucesso no rio-mar Amazonas. "Com isso, ganhamos mais uma facilidade para pesquisas em ambientes aquáticos e isso é muito bom", conclui Nascimento.


Os jornalistas Ricardo Bonalume Neto e André Sarmento viajaram a convite do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
 

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