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07/06/2002 - 06h08

Gelo da Groenlândia acelera rumo ao mar

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

A velocidade com que as calotas polares da Terra estão desaparecendo devido ao aquecimento global pode ser maior do que se imaginava. Cientistas dos EUA descobriram que parte da capa de gelo da Groenlândia escorre mais depressa rumo ao mar em anos de verão mais quente.

Até agora, achava-se que o aquecimento da atmosfera só afetasse a superfície das calotas polares. Como elas têm até centenas de metros de espessura, os cientistas pensavam que pudesse levar de centenas a milhares de anos para que o efeito do calor adicional fosse sentido na sua base.

Num estudo publicado ontem na edição on-line da revista científica americana "Science" (www.sciencexpress.org), um grupo de pesquisadores liderado pelo glaciologista Jay Zwally constatou que não é bem assim.

Medindo com o auxílio de satélites a velocidade de escoamento da calota polar no centro-oeste da Groenlândia, o grupo descobriu que ela cresceu em anos nos quais o derretimento do gelo superficial foi maior que a média.

A massa glacial na região estudada escorre normalmente 31,3 centímetros por dia mais rápido no verão do que no inverno. Em 1996, ano em que o derretimento do gelo na superfície ficou um pouco abaixo da média, essa velocidade cresceu 1,5 cm/dia a mais. Em 1998, um ano quente no qual o derretimento fico acima da média, o deslocamento acelerou em 8,8 centímetros por dia.

Segundo os pesquisadores, isso acontece devido a um efeito há muito conhecido, mas que não era levado em conta para calotas polares no verão: a chamada lubrificação basal.

O nome é engraçado, mas o fenômeno é muito simples: nos meses de verão, partes da capa de gelo derretem e viram lagos ou poças d'água. Essa água escorre por fendas na geleira até atingir a sua base, diminuindo o atrito com o leito rochoso e fazendo com que a massa de gelo escorregue.

"Ninguém imaginava que a água pudesse viajar tão rápido 210 metros gelo abaixo", disse Zwally, que é pesquisador da Nasa.

Ele diz que é cedo ainda para saber se a aceleração observada é de fato uma tendência. Mas, se for, os climatologistas podem adicionar um demônio aos seus pesadelos. Afinal, a Groenlândia representa, juntamente com a Antártida, cerca de 97% do gelo continental do planeta. Por gelo continental entenda-se aquele que é capaz de causar elevação no nível dos mares se derretido —o que não acontece com as capas de gelo flutuante do Ártico, por exemplo.

A aceleração no escoamento por lubrificação basal significa que as geleiras estão perdendo mais água do que ganhando pela queda de neve. Isso aumenta a contribuição do gelo derretido na Groenlândia para o nível do mar, algo que não fazia parte das estimativas atuais —segundo as quais as águas poderão subir até 88 cm no fim do século.

"É um novo processo, que não estava sendo considerado", disse Zwally à Folha, por telefone.

O mesmo fenômeno pode estar acontecendo na região da península Antártica, uma das áreas do planeta que mais esquentaram nos últimos 50 anos.

"Normalmente se espera que uma geleira vá responder [ao aumento na temperatura] em 30, 50 anos", disse o glaciologista Francisco Eliseu Aquino, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Mas a água vai ao fundo com rapidez em geleiras periféricas."

Aquino afirma que o volume de água líquida na base da capa de gelo da ilha Rei George, onde o Brasil faz pesquisas, tem aumentado. Só naquela região, o gelo já recuou 10% entre 1956 e 2000. A quantidade de sedimentos arrastados pelas geleiras para o mar também aumentou, segundo estudos do próprio Aquino, o que indica que a lubrificação está ocorrendo. "O evento passa a ser importante", disse o cientista.
 

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