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30/06/2002 - 12h52

Físico Stephen Wolfram quer revolucionar a ciência com novo livro

ALESSANDRO GRECO
da Folha de S.Paulo

O cientista inglês Stephen Wolfram frequentou a mesma escola que 18 primeiros-ministros britânicos e que o economista John Maynard Keynes, mas não gostou e largou o curso no meio. Foi então, após abandonar Eton, que ele partiu para os EUA para estudar no Caltech, uma das mecas da física teórica, a convite do lendário Murray Gell-Mann, Nobel de Física conhecido por sua genialidade e pela forma dura com que tratava seus colegas.

Seu primeiro artigo científico foi publicado aos 15 anos. Concluiu o doutorado no Caltech aos 20, usando como base para sua tese seis artigos que já havia publicado anteriormente. No ano seguinte, 1980, tornou-se professor da mesma universidade e, em 1981, o mais jovem ganhador da MacArthur Fellowship, uma bolsa apelidada de "Genius Fellowship" pelo nível intelectual dos agraciados. Detalhe: a bolsa foi dada pelo "fôlego de seu pensamento" e não por um trabalho específico. Na época, Wolfram já havia escrito 25 artigos científicos.

No mesmo ano começou a trabalhar com os chamados autômatos celulares, uma idéia do matemático John Von Neumann, um dos pais dos computadores, e de seu colega Ulam Stanislaw. A questão colocada na década de 40 pela dupla era simples: seria possível para uma máquina (o equivalente a uma célula na biologia, por exemplo) se auto-reproduzir utilizando regras simples? Seria ela capaz de gerar comportamentos complexos a partir dessas regras? A resposta é sim e levou um outro matemático, John Conway, a criar o popular "Jogo da Vida". Nele, as células interagem entre si e criam padrões muitas vezes semelhantes aos da vida real, gerando um modelo rústico da evolução da vida.

No entanto, apesar de sua carreira acadêmica estar indo de vento em popa, Wolfram estava insatisfeito com a forma como as universidades distribuíam financiamento para projetos de pesquisa e resolveu criar uma ferramenta de trabalho adequada àquilo que lhe interessava estudar (autômatos celulares). Em 1986, largou a vida acadêmica para criar a própria empresa e começou a desenvolver o programa Mathematica, usado hoje por algo entre 2 milhões e 3 milhões de pessoas no mundo todo por empresas como Shell, Boeing, GE, Bayer, Dupont, Monsanto, por instituições como os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e a Nasa e por universidades como Harvard, Princeton e o MIT.

Ficou milionário, mas não sossegou. As possíveis consequências de seu trabalho com autômatos celulares não o deixavam em paz. No seu estilo "deixa que eu faço", Wolfram pôs mãos à obra e, durante os últimos dez anos, comandou sua empresa durante o dia e à noite tentou mostrar para si mesmo quais eram essas consequências, usando como ferramenta o Mathematica.

A prova demorou muito mais do que ele imaginava e a publicação dos resultados foi adiada por vários anos, mas Wolfram chegou a uma conclusão impressionante: a melhor forma de representar a natureza é por meio de programas simples e não de equações matemáticas, como tem sido feito pelos cientistas nos últimos três séculos. Afinal, equações não conseguiram explicar, por exemplo, a turbulência num fluido em escoamento, os padrões de desenho em uma concha de molusco ou as conexões entre os neurônios no cérebro humano.

Wolfram diz que conseguiu explicar esses fenômenos com programas simples. Suas descobertas estão se tornando públicas com o lançamento mundial do livro "A New Kind of Science", destinado ao público geral -é só ter paciência para atravessar as 1197 páginas.

A escolha pouco usual de apresentar os resultados diretamente para o público leigo antes de passar pelo crivo da comunidade científica seria suficiente para o trabalho ser olhado com desconfiança, se Wolfram não tivesse um histórico brilhante como cientista e como pioneiro na área de software computacional. A desconfiança se tranformaria em desprezo se Wolfram tentasse fazer tudo sozinho, sem dividir com seus colegas suas descobertas. Dito e feito.

Wolfram preferiu trabalhar quase sozinho e somente alguns poucos cientistas tiveram acesso ao trabalho antes de sua publicação. Segundo ele, teria sido mais fácil apresentar o trabalho de forma técnica, mas ele quis fazer as coisas ficarem claras ao ponto de poderem ser explicadas quase totalmente com linguagem e figuras simples. Durante uma hora, o pesquisador de 42 anos conversou com a Folha sobre seu livro de algum local perto de Boston -ele prefere telefonar e começou a conversa com um simples: "Meu computador diz que tenho de te ligar neste número nesta hora". A seguir, os principais trechos da conversa.

Folha - O senhor afirma em seu livro que a natureza usa programas simples para gerar a complexidade que vemos ao nosso redor e que devemos deixar de lado as equações matemáticas se quisermos entender o mundo a nossa volta. Por quê?
Wolfram -
Nos meus primeiros trabalhos em física eu era um grande entusiasta das equações, mas, quando comecei a tentar entender como fenômenos complexos ocorrem na natureza, eu descobri que as equações não eram capazes de responder questões, que para mim pareciam básicas, de como esses fenômenos funcionam.

O que acontece com as equações é que elas ficaram muito populares por conseguirem resolver questões específicas de mecânica celeste [área da astronomia responsável pelo estudo da dinâmica e dos movimentos dos corpos celestes naturais, como os planetas e as estrelas, e artificiais, como os satélites], mas não eram capazes de tratar problemas mais complexos como a turbulência num fluido em escoamento, os padrões de desenho em uma concha de molusco. Estava interessado em estudar esses fenômenos nos quais equações não conseguiam fazer progresso. Estava interessado no que uma pessoa poderia fazer para ir além das equações. Se você acredita que a natureza tem regras definidas, a questão é: quais são essas regras? O que descobri é que as regras existentes em programas simples são muito mais gerais do as equações matemáticas.

Folha - E o que esses programas simples são capazes de fazer?
Wolfram -
Uma das coisas mais espetaculares que descobri foi que muitas das coisas que um programa simples faz correspondem ao comportamento de sistemas naturais. Estava interessado em entender como comportamentos complexos são produzidos na natureza. Quando você olha para as equações esses fenômenos são um mistério, mas se você olhar para um programa consegue entender como a natureza cria esses comportamentos complexos. Consegui em todos esses anos entender como alguns desses comportamentos ocorrem na natureza usando programas simples.

Folha - O senhor acredita, por exemplo, que esses programas simples podem modelar fenômenos complexos como turbulência em um fluido?
Wolfram -
Uma das coisas que vemos em um fluido quando ele escoa rapidamente é turbulência, e essa turbulência é aparentemente aleatória, não segue nenhum padrão. O que me interessa é responder à pergunta básica: por que fluidos produzem essa aparente aleatoriedade?

Há algumas idéias para responder a essas questões. Uma delas vem dos estudiosos da teoria do caos, que dizem que essa aparente aleatoriedade na turbulência dos fluidos é uma consequência de detalhes nas condições iniciais. Mas esse tipo de idéia não responde bem à pergunta "por que há uma aparente aleatoriedade nos fluidos turbulentos?". Se você afirma isso, tem de explicar por que as condições iniciais são aparentemente aleatórias. A pergunta que me fiz foi: como a aleatoriedade pode ser produzida em um fluido? Descobri que há um mecanismo básico que mostra que fluidos podem produzir aleatoriedade sozinhos, sem a necessidade de nenhum fator externo que as crie. Descobri programas que, apesar de terem condições iniciais muito simples, acabam apresentando comportamentos tão complicados que, ao olharmos para eles, parecem aleatórios. A aparente aleatoriedade encontrada nesses programas simples é que eu acredito que ocorra também em um fluido, por exemplo.

Folha - Esse tipo de programa simples poderia ser usado, por exemplo, para prever o comportamento do mercado financeiro?
Wolfram -
Uma das características mais importantes do mercado financeiro é que o seu comportamento passado é aparentemente aleatório. Uma questão interessante é: de onde vem essa aleatoriedade? Estudei essa questão, mas não acho que tenha uma resposta para ela. O mecanismo que gera a aleatoriedade que encontrei durante esses anos de trabalho parece ser responsável pela forma como o mercado financeiro funciona. Os detalhes de como isso acontece e qual a importância desse mecanismo em relação a outros fenômenos que também ocorrem no mercado, eu não sei. Há dez anos, tive acesso a dados do mercado que geralmente são protegidos. Eles me foram entregues por banqueiros quando eu estava pensando em abrir o capital da minha empresa na bolsa como um favor. Eles queriam ver se me convenciam a trabalhar para eles. Não fui capaz de chegar a uma conclusão sobre esses dados.

Folha - O senhor afirma em seu livro que muitos sistemas na natureza apresentam características como inteligência e que programas simples são capazes de reproduzir esse comportamento. Quais as consequências disso?
Wolfram -
Há consequências práticas e filosóficas. A prática é quais tipos de sistemas podem ser feitos a partir de um computador. Hoje, quando pensamos em fazer um computador, imaginamos que é preciso um trabalho muito grande de engenharia para fazer esse computador realizar aquilo que queremos. Mas as descobertas que fiz mostram que você pode ter programas simples de grande capacidade computacional. Isso tem consequências, por exemplo, em computadores que usem nanotecnologia, pois deveria ser possível criar sistemas de grande capacidade computacional a partir de simples moléculas.

Filosoficamente há a questão: o que há de especial em nós, humanos? Ao longo da história já houve muita discussão filosófica em relação à Terra ocupar (ou não) um lugar especial no Universo ou em relação aos sistemas vivos terem alguma característica especial que os faz diferente de outros sistemas. Nos seres humanos, a inteligência tem sido considerada essa característica especial. O que a equivalência computacional mostra é que não há diferença entre a capacidade computacional humana e de outros sistemas da natureza. Isso pode ser desapontador do ponto de vista humano, mas é cientificamente muito interessante. A primeira conclusão é que nós, humanos, não somos computacionalmente mais capazes do que um fluido escoando de forma turbulenta. Por outro lado, podemos dizer que não há no mundo nada mais sofisticado do que nós, humanos.

Folha - Então há um programa simples de computador capaz de representar tudo o que acontece no Universo?
Wolfram -
Penso que sim. Acredito que exista uma teoria fundamental da física que seja um programa simples de computador capaz de reproduzir em detalhe tudo o que acontece no Universo. Essa abordagem de que um programa simples é capaz de produzir toda a riqueza e diversidade que vemos à nossa volta é quase inconcebível sob o ponto de vista da física tradicional. Ao longo da história, os físicos têm olhado para o mundo de forma cada vez mais microscópica; e os modelos matemáticos necessários para entender esse mundo são cada vez mais sofisticados. Isso parece ser um caminho sem fim no qual, para termos realmente uma teoria fundamental da física, precisaremos ter uma matemática muitíssimo elaborada.

Folha - O senhor achou esse programa?
Wolfram -
Não ainda, mas achei evidências de que ele existe.

Folha - O senhor imaginou escrever "A New Kind of Science" em dois ou três anos, mas ele levou mais de dez anos para ficar pronto. Por quê?
Wolfram -
Bem, descobri muitas coisas (risos). Fiz alguns experimentos no início da década de 80 que mostravam fenômenos interessantes, mas isolados. Acontece que no início da década de 90 descobri que esses fenômenos não eram isolados, eram fundamentais e estavam relacionados a diferentes áreas da ciência como biologia, física, matemática etc.

Folha - E qual foi a descoberta que mais o surpreendeu?
Wolfram -
Há várias pequenas descobertas no livro que seriam consideradas grandes pelo padrão da maioria das pessoas, mas me parecem pequenas. A coisa que ainda é para mim a mais impressionante que já fiz é sobre os autômatos celulares. Eles são sistemas que têm uma regra muito simples, mas que apresentam um comportamento muito complexo. Durante anos não acreditei que eles pudessem apresentar padrões realmente complicados. Eu pensava que havia uma forma de analisar esses padrões que deixaria claro que eles eram, na verdade, simples. Não achava que era possível criar algo do nada, criar algo com um comportamento realmente complicado a partir de regras simples. Tinha uma intuição, que acho que a maioria também tem, de que para criar algo complicado é preciso muito esforço. Levei muitos anos para acreditar que, embora as regras fossem simples, o comportamento era complicado. Acredito que essa descoberta tenha consequências para as ciências naturais, para como fazemos modelos em ciência etc.

Folha - E por que o senhor decidiu publicar suas idéias num livro para o grande público e não em revistas especializadas?
Wolfram -
O que fiz foi criar um novo campo conceitual na ciência. Para entendê-lo, achei melhor apresentá-lo todo de uma vez. Se tivesse publicado os resultados individuais que obtive, precisaria publicar milhares de estudos em várias revistas, pois depois que entendi a metodologia podia gerar resultados individuais muito rapidamente. Acredito que fazer isso seria intelectualmente bem menos eficiente do que apresentar esse novo campo da ciência de uma vez.

Esse foi o principal motivo. O outro motivo pelo qual fiz um livro que qualquer um pudesse entender é que ainda não há especialistas nessa área. Talvez eu seja um especialista nesse campo que estou tentando criar.
 

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