Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
02/09/2002 - 04h41

FHC tentará salvar proposta de 10% de energias renováveis na Rio +10

ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo, em Johannesburgo (África do Sul)

O presidente Fernando Henrique Cardoso vai assumir pessoalmente a defesa da proposta brasileira de uma meta de 10% de energias renováveis (como a solar e o álcool combustível), durante a reunião de chefes de Estado da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio +10), a partir de hoje.

Apesar de a meta ser considerada quase derrotada, o ministro Celso Lafer (Itamaraty) disse ontem à Folha de S.Paulo que ela é um orgulho para o Brasil: "A manifestação do presidente é importante, porque dá dimensão política à proposta brasileira e consolida uma posição de liderança no cenário internacional".

Ainda segundo Lafer, o presidente decidiu marcar posição a favor da meta de 10%, mesmo sabendo das dificuldades na negociação, porque considera que ela é justa e diz respeito ao futuro da humanidade: "A semente está lançada".

Apesar do esforço brasileiro, a proposta foi rejeitada pelo próprio G-77, bloco dos países pobres, que se rendeu às pressões dos países árabes, em especial da Arábia Saudita, que insistem em usar o petróleo - não-renovável, mas sua principal fonte de renda.

Pressão final na energia
Os negociadores brasileiros em Johannesburgo ainda não jogaram a toalha sobre a iniciativa. Numa reunião ministerial ontem à noite (que não havia sido concluída até o fechamento desta edição), o ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, tentaria trazê-la de volta à mesa. Mas afirmou: "Ela está com sua viabilidade muito comprometida".

A solução proposta por consenso pelo bloco foi quase retórica: em vez de uma meta comum e obrigatória para todo mundo, pede-se aos países que simplesmente aumentem o total de renováveis, deixando a critério deles a fixação de metas regionais.

"É preciso respeitar as especificidades de cada país", tem dito Lafer desde que chegou a Johannesburgo, na sexta-feira.

Ambientalistas, cientistas e governos se dizem revoltados com a rejeição da meta. "Considero [o texto produzido pelo G-77] absolutamente insatisfatório", declarou ontem o ministro do Meio Ambiente.

Para o criador da proposta energética brasileira, José Goldemberg, a decisão do G-77 é "vazia". Segundo Goldemberg, secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, a Rio +10 não tem o poder de permitir ou proibir iniciativas regionais.

Os demais países que apóiam os 10% fazem o jogo do contente. "Você prefere isso ou nada?" - questionou a ministra do Ambiente da Venezuela, Ana Elisa Ozorio, refletindo a tensão das negociações no bloco.

A Arábia Saudita, pomo da discórdia do G-77 na questão energética, é um dos principais produtores de petróleo do planeta e aliado importante dos EUA. Organizações ambientalistas acusam o governo de George W. Bush de estar por trás do racha.

"Não posso dizer se houve influência dos Estados Unidos. Mas a posição saudita, contra metas em energia, coincide com a americana", disse Carvalho.

Combustíveis fósseis
A adoção de energias renováveis e acessíveis aos pobres é considerada um dos temas-chave da Rio +10. Afinal, os combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) são culpados não só pelas emissões dos gases que causam o efeito estufa - o aprisionamento do calor da Terra na atmosfera -, como também por concentração de renda e problemas de saúde, males que a cúpula pretende combater.

Se a proposta brasileira realmente ficar fora do baralho, a única meta de Johannesburgo para uso de renováveis será a proposta da União Européia, que pretende aumentar o percentual para 15%, mas incluindo na conta as grandes hidrelétricas (consideradas prejudiciais ao ambiente) e todos os tipos de biomassa.

"Minha esperança é que a UE atenue a proposta", disse Goldemberg. Referia-se a eventuais ressalvas que poderiam ser incluídas para tornar a meta mais "sustentável" - a submissão das represas a diretrizes ambientais internacionais, por exemplo.

Seja como for, afirmou o secretário paulista, a iniciativa ganhou "uma visibilidade extraordinária" em Johannesburgo.

"A década passada foi a década do carbono. A próxima será das fontes renováveis."

Negociações
Além de energia, até o começo da noite de ontem ainda havia divergências nas negociações sobre os seguintes pontos: os princípios do Rio, saneamento, comércio e finanças e saúde.

Um protesto de ambientalistas dentro do Sandton Centre durante a reunião de ministros, à noite, conseguiu fazer com que fosse excluído um parágrafo do texto referente a comércio e finanças que subordinava acordos ambientais às regras da OMC (Organização Mundial do Comércio).

"O texto era um absurdo", disse Marcelo Furtado, do Greenpeace, ONG que participou do protesto ao lado do WWF (Fundo Mundial para a Natureza).

Também foi acordada a responsabilidade corporativa, segundo a qual empresas terão de responder por crimes ambientais - uma exigência antiga das organizações não-governamentais.

As ONGs que acompanham a reunião querem pressionar para que a questão energética saia da mão dos negociadores e seja decidida pelos chefes de Estado. "É único jeito de quebrar o impasse árabe", disse Furtado.

FHC "embaixador"
Assessor especial de FHC na Rio +10, Fábio Feldmann afirmou que o presidente vai ter posições de vanguarda porque deve se transformar no principal embaixador internacional do desenvolvimento sustentável após deixar a Presidência, em janeiro de 2003.

A Rio +10 é o último grande encontro internacional antes disso, e, segundo Feldmann, FHC ocupou um espaço político que nenhum outro líder de país subdesenvolvido conseguiu - Índia, China ou Rússia, outros países de dimensão continental e considerados "em desenvolvimento".

"FHC é o candidato natural para falar em nome dos emergentes pela causa do desenvolvimento sustentável", disse Feldmann.

FHC, que se encontra hoje à tarde com Nelson Mandela, o mito anti-racismo internacional, tem agenda curta, mas cheia, em Johannesburgo. Ontem, ele recebeu a diretoria da empresa Marcopolo, que fabricou os ônibus de Johannesburgo para a Rio +10, e só saiu à noite, para jantar no restaurante Le Canard.

Hoje, FHC participa da sessão inaugural da reunião de cúpula (presidentes e primeiros-ministros) da Rio +10, quando fará discurso de cinco minutos, defendendo a ajuda financeira dos ricos aos pobres. Ou, como antecipou em Brasília, "passando o pires".

Ele também tem encontros isolados com Gerhard Schröder (Alemanha), Helen Clark (Nova Zelândia), Leonid Kushma (Ucrânia) e Mary Robinson (ONU). À noite, jantar com chefes de Estado. Amanhã, terá um dos principais compromissos da agenda, uma reunião com os países megadiversos (com a maior número de espécies do planeta), e outros encontros. A volta para o Brasil será às 16h15 (11h15 de Brasília).

O jornalista Claudio Angelo viajou a Johannesburgo a convite da BrasilConnects Cultura e Ecologia

Leia mais no especial Rio +10
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade