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07/10/2002 - 11h18

Programa decifra engrenagens da Terra

RICARDO BONALUME NETO
Enviado especial da Folha de S.Paulo ao Rio

Os seres vivos não apenas habitam a Terra, mas ajudam a controlar a maneira como o próprio planeta funciona. Um resumo de mais de uma década de pesquisa sobre como isso acontece está sendo feito por uma equipe internacional de cientistas e deverá estar disponível no ano que vem.

"A Terra é um sistema que a própria vida ajuda a controlar", diz o pesquisador Will Steffen, diretor-executivo do Programa Internacional Geosfera-Biosfera, iniciativa estabelecida em 1986 pelo ICSU (Conselho Internacional para a Ciência), entidade que reúne as associações científicas mundiais -como as academias nacionais de ciência.

Isso significa que a Terra é um sistema caracterizado por interações complexas entre sua parte inanimada -a "geosfera" dos ventos, terremotos e correntes oceânicas- e os diversos seres vivos que integram a "biosfera".

Como idéia, não é propriamente uma novidade. Já no final dos anos 60 do século 20 havia sido formulada a "hipótese Gaia" pelo especialista em atmosfera britânico James Lovelock e pela microbiologista norte-americana Lynn Margulis. Mas a idéia de que a Terra era algo vivo foi considerada por muitos como uma forma romântica e pouco científica de ambientalismo.

Sem conhecer o funcionamento da Terra, é impossível saber como se dará a mudança global pela qual o planeta está passando, por exemplo por meio do aquecimento gradual provocado pela maior emissões de gases como o dióxido de carbono, ou CO2.

Faltavam dados experimentais para mostrar a íntima relação geosfera-biosfera, e por isso foi criado o IGBP. Na última assembléia geral do ICSU, que aconteceu no final de setembro no Rio de Janeiro, foram dados vários exemplos dessa relação.

Alguns dos casos citados são preocupantes, pois mostram como a mudança pode ocorrer de modo abrupto e perigoso, apesar de as causas se produzirem de modo gradual. O exemplo clássico foi a rápida transformação do norte da África em um deserto.

Segundo Steffen, houve uma mudança na radiação solar que chegava à Terra que aconteceu aos poucos. Mas, alcançado um dado limite, isso passou a ter um impacto forte no regime de chuvas. E, quando a quantidade de água caiu para um determinado ponto, a vegetação também respondeu abruptamente -a mesma diferença entre morrer de sede e sobreviver. O resultado foi a criação, há alguns poucos milhares de anos, do deserto do Saara.

"A dinâmica da Terra é caracterizada por limiares críticos e mudanças abruptas. Atividades humanas podem inadvertidamente disparar mudanças com consequências trágicas para o Sistema Terra",diz Steffen.

Um resultado particularmente inesperado foi descobrir a relação entre a absorção de carbono pelo oceano, a poeira do deserto de Kalahari (sul da África) e a poluição das indústrias sul-africanas.

Descobriu-se que em uma larga área do oceano Índico os microrganismos vegetais (o fitoplâncton) absorviam o CO2 em grande quantidade, e essa atividade foi correlacionada com a poeira que chegava ao mar trazendo ferro, um nutriente importante para as algas. "Processos biológicos são mais importantes do que pensávamos", diz Steffen.

O papel coordenador do IGBP foi importante para a descoberta, pois os cientistas envolvidos -os que estudam a atmosfera e os que analisam o oceano- não conheciam os trabalhos uns dos outros.
Outras áreas do oceano, como os mares tropicais, fazem o oposto -soltam gases para a atmosfera, como um copo de refrigerante. Entender o papel dos mares na troca de gases é essencial para desvendar o clima futuro.

Novas técnicas de pesquisa permitiram acompanhar a trajetória dos gases e aerossóis (partículas sólidas), por exemplo mostrando que a fumaça das queimadas na Indochina afeta a poluição até mesmo em Los Angeles, na Costa Oeste dos EUA.

"Mudanças no uso da terra afetam a circulação de ar. Estudos regionais são importantes, pois o impacto também é global", diz ele, que exemplifica com um estudo realizado no Brasil por centenas de pesquisadores, o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia -conhecido pela sigla LBA.

O LBA procurou entender como a mudança do uso da terra está afetando a biologia e a físico-química da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do sistema e sua influência no clima global.

Para Steffen, o LBA é um exemplo de como projetos internacionais e multidisciplinares devem ser regidos e também está servindo de modelo para programas semelhantes que o ICSU e o IGBP (www.igbp.net) pretendem coordenar em outras áreas do planeta, por exemplo para estudo das monções asiáticas.
 

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