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07/10/2002
-
11h18
Enviado especial da Folha de S.Paulo ao Rio
Os seres vivos não apenas habitam a Terra, mas ajudam a controlar a maneira como o próprio planeta funciona. Um resumo de mais de uma década de pesquisa sobre como isso acontece está sendo feito por uma equipe internacional de cientistas e deverá estar disponível no ano que vem.
"A Terra é um sistema que a própria vida ajuda a controlar", diz o pesquisador Will Steffen, diretor-executivo do Programa Internacional Geosfera-Biosfera, iniciativa estabelecida em 1986 pelo ICSU (Conselho Internacional para a Ciência), entidade que reúne as associações científicas mundiais -como as academias nacionais de ciência.
Isso significa que a Terra é um sistema caracterizado por interações complexas entre sua parte inanimada -a "geosfera" dos ventos, terremotos e correntes oceânicas- e os diversos seres vivos que integram a "biosfera".
Como idéia, não é propriamente uma novidade. Já no final dos anos 60 do século 20 havia sido formulada a "hipótese Gaia" pelo especialista em atmosfera britânico James Lovelock e pela microbiologista norte-americana Lynn Margulis. Mas a idéia de que a Terra era algo vivo foi considerada por muitos como uma forma romântica e pouco científica de ambientalismo.
Sem conhecer o funcionamento da Terra, é impossível saber como se dará a mudança global pela qual o planeta está passando, por exemplo por meio do aquecimento gradual provocado pela maior emissões de gases como o dióxido de carbono, ou CO2.
Faltavam dados experimentais para mostrar a íntima relação geosfera-biosfera, e por isso foi criado o IGBP. Na última assembléia geral do ICSU, que aconteceu no final de setembro no Rio de Janeiro, foram dados vários exemplos dessa relação.
Alguns dos casos citados são preocupantes, pois mostram como a mudança pode ocorrer de modo abrupto e perigoso, apesar de as causas se produzirem de modo gradual. O exemplo clássico foi a rápida transformação do norte da África em um deserto.
Segundo Steffen, houve uma mudança na radiação solar que chegava à Terra que aconteceu aos poucos. Mas, alcançado um dado limite, isso passou a ter um impacto forte no regime de chuvas. E, quando a quantidade de água caiu para um determinado ponto, a vegetação também respondeu abruptamente -a mesma diferença entre morrer de sede e sobreviver. O resultado foi a criação, há alguns poucos milhares de anos, do deserto do Saara.
"A dinâmica da Terra é caracterizada por limiares críticos e mudanças abruptas. Atividades humanas podem inadvertidamente disparar mudanças com consequências trágicas para o Sistema Terra",diz Steffen.
Um resultado particularmente inesperado foi descobrir a relação entre a absorção de carbono pelo oceano, a poeira do deserto de Kalahari (sul da África) e a poluição das indústrias sul-africanas.
Descobriu-se que em uma larga área do oceano Índico os microrganismos vegetais (o fitoplâncton) absorviam o CO2 em grande quantidade, e essa atividade foi correlacionada com a poeira que chegava ao mar trazendo ferro, um nutriente importante para as algas. "Processos biológicos são mais importantes do que pensávamos", diz Steffen.
O papel coordenador do IGBP foi importante para a descoberta, pois os cientistas envolvidos -os que estudam a atmosfera e os que analisam o oceano- não conheciam os trabalhos uns dos outros.
Outras áreas do oceano, como os mares tropicais, fazem o oposto -soltam gases para a atmosfera, como um copo de refrigerante. Entender o papel dos mares na troca de gases é essencial para desvendar o clima futuro.
Novas técnicas de pesquisa permitiram acompanhar a trajetória dos gases e aerossóis (partículas sólidas), por exemplo mostrando que a fumaça das queimadas na Indochina afeta a poluição até mesmo em Los Angeles, na Costa Oeste dos EUA.
"Mudanças no uso da terra afetam a circulação de ar. Estudos regionais são importantes, pois o impacto também é global", diz ele, que exemplifica com um estudo realizado no Brasil por centenas de pesquisadores, o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia -conhecido pela sigla LBA.
O LBA procurou entender como a mudança do uso da terra está afetando a biologia e a físico-química da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do sistema e sua influência no clima global.
Para Steffen, o LBA é um exemplo de como projetos internacionais e multidisciplinares devem ser regidos e também está servindo de modelo para programas semelhantes que o ICSU e o IGBP (www.igbp.net) pretendem coordenar em outras áreas do planeta, por exemplo para estudo das monções asiáticas.
Programa decifra engrenagens da Terra
RICARDO BONALUME NETOEnviado especial da Folha de S.Paulo ao Rio
Os seres vivos não apenas habitam a Terra, mas ajudam a controlar a maneira como o próprio planeta funciona. Um resumo de mais de uma década de pesquisa sobre como isso acontece está sendo feito por uma equipe internacional de cientistas e deverá estar disponível no ano que vem.
"A Terra é um sistema que a própria vida ajuda a controlar", diz o pesquisador Will Steffen, diretor-executivo do Programa Internacional Geosfera-Biosfera, iniciativa estabelecida em 1986 pelo ICSU (Conselho Internacional para a Ciência), entidade que reúne as associações científicas mundiais -como as academias nacionais de ciência.
Isso significa que a Terra é um sistema caracterizado por interações complexas entre sua parte inanimada -a "geosfera" dos ventos, terremotos e correntes oceânicas- e os diversos seres vivos que integram a "biosfera".
Como idéia, não é propriamente uma novidade. Já no final dos anos 60 do século 20 havia sido formulada a "hipótese Gaia" pelo especialista em atmosfera britânico James Lovelock e pela microbiologista norte-americana Lynn Margulis. Mas a idéia de que a Terra era algo vivo foi considerada por muitos como uma forma romântica e pouco científica de ambientalismo.
Sem conhecer o funcionamento da Terra, é impossível saber como se dará a mudança global pela qual o planeta está passando, por exemplo por meio do aquecimento gradual provocado pela maior emissões de gases como o dióxido de carbono, ou CO2.
Faltavam dados experimentais para mostrar a íntima relação geosfera-biosfera, e por isso foi criado o IGBP. Na última assembléia geral do ICSU, que aconteceu no final de setembro no Rio de Janeiro, foram dados vários exemplos dessa relação.
Alguns dos casos citados são preocupantes, pois mostram como a mudança pode ocorrer de modo abrupto e perigoso, apesar de as causas se produzirem de modo gradual. O exemplo clássico foi a rápida transformação do norte da África em um deserto.
Segundo Steffen, houve uma mudança na radiação solar que chegava à Terra que aconteceu aos poucos. Mas, alcançado um dado limite, isso passou a ter um impacto forte no regime de chuvas. E, quando a quantidade de água caiu para um determinado ponto, a vegetação também respondeu abruptamente -a mesma diferença entre morrer de sede e sobreviver. O resultado foi a criação, há alguns poucos milhares de anos, do deserto do Saara.
"A dinâmica da Terra é caracterizada por limiares críticos e mudanças abruptas. Atividades humanas podem inadvertidamente disparar mudanças com consequências trágicas para o Sistema Terra",diz Steffen.
Um resultado particularmente inesperado foi descobrir a relação entre a absorção de carbono pelo oceano, a poeira do deserto de Kalahari (sul da África) e a poluição das indústrias sul-africanas.
Descobriu-se que em uma larga área do oceano Índico os microrganismos vegetais (o fitoplâncton) absorviam o CO2 em grande quantidade, e essa atividade foi correlacionada com a poeira que chegava ao mar trazendo ferro, um nutriente importante para as algas. "Processos biológicos são mais importantes do que pensávamos", diz Steffen.
O papel coordenador do IGBP foi importante para a descoberta, pois os cientistas envolvidos -os que estudam a atmosfera e os que analisam o oceano- não conheciam os trabalhos uns dos outros.
Outras áreas do oceano, como os mares tropicais, fazem o oposto -soltam gases para a atmosfera, como um copo de refrigerante. Entender o papel dos mares na troca de gases é essencial para desvendar o clima futuro.
Novas técnicas de pesquisa permitiram acompanhar a trajetória dos gases e aerossóis (partículas sólidas), por exemplo mostrando que a fumaça das queimadas na Indochina afeta a poluição até mesmo em Los Angeles, na Costa Oeste dos EUA.
"Mudanças no uso da terra afetam a circulação de ar. Estudos regionais são importantes, pois o impacto também é global", diz ele, que exemplifica com um estudo realizado no Brasil por centenas de pesquisadores, o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia -conhecido pela sigla LBA.
O LBA procurou entender como a mudança do uso da terra está afetando a biologia e a físico-química da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do sistema e sua influência no clima global.
Para Steffen, o LBA é um exemplo de como projetos internacionais e multidisciplinares devem ser regidos e também está servindo de modelo para programas semelhantes que o ICSU e o IGBP (www.igbp.net) pretendem coordenar em outras áreas do planeta, por exemplo para estudo das monções asiáticas.
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