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14/10/2002 - 10h50

Análise: A vingança das loiras

MARCELO LEITE
Editor de Ciência da Folha

O boato só pode ter sido iniciado por uma loira esperta, mas foi como notícia que se espalhou pelo mundo há duas semanas: pessoas com cabelos claros iriam desaparecer inteiramente da face da Terra em 200 anos. Em algumas versões, a fonte era uma pesquisa do University College de Londres; noutras, a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Quase todas as redes de TV dos Estados Unidos --CBS, ABC, CNN-- caíram na esparrela, além dos impagáveis tablóides britânicos. No Brasil, pelo menos a revista "IstoÉ" e o "Jornal da Tarde" deram crédito à notícia sensacional. O site Folha Online também publicou a história, na área que reproduz noticiário da rede britânica BBC.

Era tudo mentira. Quando a farsa veio à tona no dia 2, porém, as tinturas do sensacionalismo já estavam derramadas, e os redatores crédulos tiveram de aguentar piadas e trocadilhos ainda mais infames que os feitos por eles mesmos ou o de cinco linhas atrás.

A reportagem do jornal "The Washington Post", por exemplo, começava assim: "Foi um dia negro no front da cor dos cabelos". E aproveitava para dizer que a alegada carência de neurônios nas loiras aparentemente também se aplica aos jornalistas.

Um mínimo de familiaridade com genética de populações, mesmo sem incluir o domínio de seus meandros matemáticos, deixaria qualquer um desconfiado. Genes não desaparecem assim tão rápido de uma população, mesmo sendo recessivos.

Se isso não ocorre nem com aqueles trechos de DNA que conferem enorme desvantagem para o portador, por que faria desaparecer aquelas que os homens --segundo a idiotia tradicional no Ocidente-- parecem preferir?

Foi o que Jonathan Rees, da Universidade de Edimburgo (Escócia, Reino Unido), disse à BBC: "A frequência de loiros pode cair, mas eles não vão desaparecer". Nem por isso a notícia deixou de sair.

Curioso é notar que, embora a contrafação genética se aplicasse em princípio também para os homens, toda a mídia usou fotos de mulheres para ilustrar as páginas. Constrangidos por uma definição de gênero mais estrita na língua portuguesa (em inglês, adjetivos servem para os dois gêneros), redatores brasileiros partiram para o sexismo gramatical: "As loiras estão em extinção", "Loiras, mais uma espécie em extinção".

O University College entrou na história por meio de Kathy Phillips (loira), que não por acaso acaba de lançar "The Vogue Book of Blondes" (O Livro Vogue dos/das Loiros/as). Em sua obra, Phillips atribui a "descoberta" evolutiva ao geneticista e divulgador científico Steve Jones (que aparentemente não se manifestou).

Já o envolvimento da OMS tem raízes mais obscuras. Segundo disse a porta-voz Rebecca Harding ao "Post", a organização rastreou a informação até uma agência alemã, que se baseara na revista feminina "Allegra", que por sua vez citara um antropólogo da OMS em realidade desconhecido na organização.

Harding disse que a OMS não se deu ao trabalho de procurar órgãos de imprensa para desfazer o mal-entendido: "Sinceramente, temos coisas melhores para dedicar nosso tempo". Mas a entidade publicou uma nota, para lá de irônica:

"Em resposta aos relatos recentes na mídia citando um suposto estudo da OMS predizendo a extinção do gene de cabelos loiros naturais, a OMS deseja esclarecer que nunca conduziu pesquisa sobre esse assunto. Tampouco, segundo seu melhor conhecimento, lançou relatório algum predizendo que "loiros naturais estarão provavelmente extintos em 2202". A OMS não tem conhecimento de como se originaram esses relatos, mas gostaria de enfatizar que não tem opinião sobre a futura existência de loiros."
 

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