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30/10/2002 - 09h03

Para filósofo, eutanásia deve ser um direito

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

Não é ético negar ajuda a um paciente terminal que queira morrer. Contanto que a decisão seja ponderada e livre, o suicídio é um direito que deve ser respeitado. As opiniões são do australiano Peter Singer, 56, um dos filósofos mais polêmicos da atualidade.

Partidário do utilitarismo, corrente segundo a qual as ações humanas devem ser julgadas em relação aos outros, não a princípios morais, Singer defende idéias como a liberação dos animais e a possibilidade de infanticídio no caso de problemas neurológicos e físicos incapacitantes.

Professor da Universidade de Princeton, nos EUA, e autor de livros como "A Liberação dos Animais" e "Ética Prática", Singer tem sido atacado por grupos antiaborto. Ele vem ao Brasil amanhã para participar do Sexto Congresso Mundial de Bioética, que começa hoje e vai até o dia 3 na Academia de Tênis, em Brasília.

De Varsóvia, Polônia, onde passava as férias, o filósofo falou à Folha sobre clonagem, os direitos (inexistentes, para ele) do embrião e de eutanásia, tema de sua apresentação em Brasília. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Folha - O sr. diz que matar um bebê deficiente não equivale moralmente a matar uma pessoa e, algumas vezes, nem é errado. O sr. não teme que esse argumento possa ser usado para justificar experiências de clonagem humana, que podem produzir vários abortos e bebês deficientes?
Singer - Bem, qualquer pessoa pode usar qualquer argumento alheio e distorcê-lo em benefício próprio, mas essa citação não tem nada a ver com clonagem. Ela não tem a ver com sugerir que está bem produzir crianças que terão deficiências, e sim com como nós deveríamos agir quando, infelizmente, uma pessoa nasce com deficiências graves. Então, não se trata de definir o que é errado e certo em conscientemente entrar numa situação na qual você poderia gerar uma criança assim.

Folha - O sr. acha que temos motivos para clonar seres humanos?
Singer - Realmente não. Suponho que deva haver um número muito pequeno de indivíduos que possam querer substituir um filho que morreu ou algo assim, mas não acho que nós tenhamos uma boa razão para isso.

Folha - Muitos países, inclusive o Brasil, se opõem à destruição de embriões para pesquisa de células-tronco. Os embriões têm direitos?
Singer - Não, eu não acho que os embriões sejam o tipo de entidade que possa ter direitos. Eles não podem sentir nada, não têm a capacidade de ter nenhuma experiência. Da forma como entendo o que é necessário para ter direitos, embriões não podem tê-los.

Folha - E qual deveria ser o limite para as pesquisas com embriões?
Singer - Bem, eu acho que, uma vez que você tenha um ser capaz de sentir dor, e, obviamente, um ser com significância moral, você precisa de alguma proteção, para evitar o efeito da dor. Mas até você ter essa consciência, que aparece talvez 20 semanas após a concepção, não acho que nós precisemos proteger o embrião ou feto em desenvolvimento por si. Então, eu não diria que você precisa de limites à pesquisa. Você pode ter preocupações em relação ao interesse dos pais genéticos, talvez alguém dizendo o que está sendo feito com o embrião, ou talvez haja pesquisa que não seja recomendável, por outras razões.

Folha - Por exemplo?
Singer - Por exemplo, pesquisa em hibridação de humanos com animais provavelmente não é uma coisa que devêssemos fazer. Acho que as pessoas o fariam por razões sensacionalistas, não por interesse sério. Mas não acho que o fato de ser um embrião humano seja moralmente crucial.

Folha - O sr. concorda com a terapia de linhagem germinativa [pela qual as características genéticas do embrião podem ser manipuladas]?
Singer - Eu não a descarto, em princípio. Acho que não estamos no estágio de fazê-la com suficiente confiança, mas não vejo objeções em princípio, se pudermos fazê-la direito e usá-la para eliminar algumas doenças.

Folha - O sr. não acha que corre-se o risco de gerar cidadãos de primeira classe que possam praticar um tipo de "racismo" genético?
Singer - Certamente eu acho que há um risco, especialmente se o modelo americano for usado. Por modelo americano eu quero dizer a idéia de que não seja usado dinheiro do governo, mas clínicas privadas tenham a liberdade de seguir em frente. E, claro, isso significa que só pessoas ricas podem pagar e elas poderiam usar técnicas genéticas para melhorar suas crianças e as outras pessoas não. Mas, fora isso, não acho que seja consequência necessária da genética o fato de que podemos criar uma classe de pessoas superiores, ou que se acham superiores.

Folha - O sr. disse que a legalização da eutanásia voluntária segue os princípios éticos de Immanuel Kant (1724-1804), ainda que o próprio Kant achasse que os princípios levavam à conclusão de que o suicídio é errado. Como assim?
Singer - Kant não foi influenciado pelos princípios da própria filosofia moral. Ele foi obviamente influenciado pela moral cristã convencional de seu tempo. A argumentação dele sobre suicídio é realmente muito ruim. Quer dizer, quando alguém se mata, contradiz uma lei da natureza, porque se todo ser que tivesse o desejo de se matar o fizesse, a natureza não teria continuado, portanto, o desejo de viver é algo básico na natureza. Se alguém tem câncer terminal e quer se matar, isso não diz nada sobre a sobrevivência das espécies.

Mas o que eu realmente quero citar quando me refiro a Kant é o seu princípio da autonomia, de que devemos respeitar a autonomia de cada indivíduo. E respeitar a autonomia de indivíduos que querem morrer significa dar a eles a assistência de que eles precisam para morrer, e não forçá-los a continuar vivos, quando eles mesmos podem julgar a própria qualidade de vida. Não é ético.
 

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