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10/11/2002
-
11h21
da Folha de S.Paulo
Um dos setores de pesquisa biomédica que mais crescem é o do estudo das células-tronco. Trata-se de um tipo de célula precursora que tem por característica fundamental a capacidade de transformar-se em outros tipos de célula, plenamente funcionais em algum tecido do corpo (como neurônios no cérebro). São por isso encaradas como uma grande promessa no desenvolvimento de terapias para doenças e condições que envolvam destruição ou degeneração de tecidos, como o mal de Parkinson.
Por outro lado, células-tronco também têm a propriedade inquietante de multiplicar-se com facilidade. É uma característica que partilham com células tumorais. Com efeito, injetadas em cobaias têm o poder de induzir a formação de teratomas, tumores com diversos tecidos no seu interior, de pedaços de ossos ou dentes a tecidos musculares e até pêlos.
Mesmo o mais entusiasta dos pesquisadores de células-tronco concordaria que será preciso proceder com cautela, no caso de um dia surgirem de fato usos clínicos para as células-tronco. Não seria racional injetá-las no cérebro de uma pessoa para tentar curar o mal de Parkinson, se não estiver excluído o risco de com isso produzir-lhe um tumor.
Philip Noguchi, do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológicas da FDA (agência de fármacos e alimentos dos EUA), encarregado de fiscalizar a pesquisa clínica com células-tronco, costuma alertar jornalistas de que "a ausência de prova não é prova de ausência", ou seja, que não poder provar a ausência de riscos não significa que eles não existam.
Ele considera que, no caso das células-tronco, jornalistas estão fazendo só as perguntas positivas para cientistas, perguntas sobre o que eles já descobriram de promissor sobre as células-tronco.
Isso decerto tem contribuído para propagar a aura "sensacional" desse novo campo de pesquisa. Para o funcionário da FDA, estão faltando mais perguntas dos jornalistas sobre o que os pesquisadores ainda não conseguiram descobrir sobre as células-tronco, como a origem de sua atividade tumorigênica.
Como diz Boyce Rensberger, que dirige o programa Knight de Jornalismo Científico no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), "fazer reportagens sobre ciência significa procurar por sinais de cautela". A recomendação de prudência se encontra num artigo para o último número (outono de 2002) da revista "Nieman Reports" (Universidade Harvard), quase todo ele dedicado ao jornalismo científico.
O padrão de exageração, ou "hype", é conhecido. Foi assim com as terapias genéticas, foi assim com o Projeto Genoma Humano, foi assim com a descoberta dos oncogenes, foi assim com as drogas antiangiogênicas no combate ao câncer.
Só depende de nós, jornalistas, mas também dos cientistas que têm a paciência e a coragem de lidar com o público, evitar que esse mesmo padrão de euforia e decepção se repita, por exemplo, com a nascente biotecnologia das células-tronco, ou com a da interferência de RNA, ou com a da proteômica -que deve rivalizar com a genômica em seu apetite voraz pelos milhões e bilhões de dólares da pesquisa biomédica.
O sensacionalismo que se faz com a ciência talvez até seja mais danoso, no longo prazo, do que o sensacionalismo que se faz contra ela.
O jornalista Marcelo Leite frequentou seminário de três dias sobre células-tronco com uma bolsa do Centro Knight para Jornalismo Especializado (www.knightcenter.umd.edu)
Ciência em Dia: Células-tronco e sensacionalismo
MARCELO LEITEda Folha de S.Paulo
Um dos setores de pesquisa biomédica que mais crescem é o do estudo das células-tronco. Trata-se de um tipo de célula precursora que tem por característica fundamental a capacidade de transformar-se em outros tipos de célula, plenamente funcionais em algum tecido do corpo (como neurônios no cérebro). São por isso encaradas como uma grande promessa no desenvolvimento de terapias para doenças e condições que envolvam destruição ou degeneração de tecidos, como o mal de Parkinson.
Por outro lado, células-tronco também têm a propriedade inquietante de multiplicar-se com facilidade. É uma característica que partilham com células tumorais. Com efeito, injetadas em cobaias têm o poder de induzir a formação de teratomas, tumores com diversos tecidos no seu interior, de pedaços de ossos ou dentes a tecidos musculares e até pêlos.
Mesmo o mais entusiasta dos pesquisadores de células-tronco concordaria que será preciso proceder com cautela, no caso de um dia surgirem de fato usos clínicos para as células-tronco. Não seria racional injetá-las no cérebro de uma pessoa para tentar curar o mal de Parkinson, se não estiver excluído o risco de com isso produzir-lhe um tumor.
Philip Noguchi, do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológicas da FDA (agência de fármacos e alimentos dos EUA), encarregado de fiscalizar a pesquisa clínica com células-tronco, costuma alertar jornalistas de que "a ausência de prova não é prova de ausência", ou seja, que não poder provar a ausência de riscos não significa que eles não existam.
Ele considera que, no caso das células-tronco, jornalistas estão fazendo só as perguntas positivas para cientistas, perguntas sobre o que eles já descobriram de promissor sobre as células-tronco.
Isso decerto tem contribuído para propagar a aura "sensacional" desse novo campo de pesquisa. Para o funcionário da FDA, estão faltando mais perguntas dos jornalistas sobre o que os pesquisadores ainda não conseguiram descobrir sobre as células-tronco, como a origem de sua atividade tumorigênica.
Como diz Boyce Rensberger, que dirige o programa Knight de Jornalismo Científico no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), "fazer reportagens sobre ciência significa procurar por sinais de cautela". A recomendação de prudência se encontra num artigo para o último número (outono de 2002) da revista "Nieman Reports" (Universidade Harvard), quase todo ele dedicado ao jornalismo científico.
O padrão de exageração, ou "hype", é conhecido. Foi assim com as terapias genéticas, foi assim com o Projeto Genoma Humano, foi assim com a descoberta dos oncogenes, foi assim com as drogas antiangiogênicas no combate ao câncer.
Só depende de nós, jornalistas, mas também dos cientistas que têm a paciência e a coragem de lidar com o público, evitar que esse mesmo padrão de euforia e decepção se repita, por exemplo, com a nascente biotecnologia das células-tronco, ou com a da interferência de RNA, ou com a da proteômica -que deve rivalizar com a genômica em seu apetite voraz pelos milhões e bilhões de dólares da pesquisa biomédica.
O sensacionalismo que se faz com a ciência talvez até seja mais danoso, no longo prazo, do que o sensacionalismo que se faz contra ela.
O jornalista Marcelo Leite frequentou seminário de três dias sobre células-tronco com uma bolsa do Centro Knight para Jornalismo Especializado (www.knightcenter.umd.edu)
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