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07/12/2002 - 09h05

Crânio tumultua povoamento da América

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

Um crânio que passou um século literalmente engavetado num museu do México pode ser a mais nova pimenta na salada do povoamento original das Américas. Com 12.700 anos de idade, ele está entre os mais antigos do continente. E não se parece com nenhum grupo indígena atual.

Os restos fossilizados da chamada mulher de Peñon 3 foram descobertos há mais de cem anos nos arredores da Cidade do México. Mas sua datação só foi publicada agora, numa comunicação breve na última edição da revista "Mammoth Trumpet", juntamente com dados de três outros esqueletos antigos.

O esqueleto mexicano foi tratado pela imprensa internacional como o vestígio humano mais velho da América. Quase. O crânio de Luzia, mulher encontrada em uma gruta de Lagoa Santa, em Minas Gerais, continua no pódio --sua idade está entre 11 mil e 11.500 anos. "São estatisticamente contemporâneos", disse o arqueólogo Astolfo de Mello Araújo, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

O motivo da confusão são as cifras diferentes que os arqueólogos usam para informar a idade de um fóssil. Dependendo de como se fala, a mulher de Peñon 3 pode ter 10.700 ou 12.700 anos. Foi esta última idade a que acabou indo parar nos noticiários.

Datações de material orgânico arqueológico são feitas pelo chamado método do radiocarbono. Ele consiste em medir a proporção entre dois tipos diferentes de carbono acumulados nos seres vivos --o carbono-12 e seu primo radioativo, o carbono-14.

O carbono-14 ocorre naturalmente na atmosfera e é absorvido pelos seres vivos. Quando um organismo morre, pára de absorver o átomo radioativo. Como o carbono-14 é instável, ele tende a decair, ou se transformar em outro elemento (no caso, nitrogênio).

Como se sabe que a cada 5.700 anos a quantidade de carbono-14 cai pela metade, é possível medir a idade contando a quantidade do elemento radioativo que sobrou na amostra de material orgânico.

Acontece que a quantidade de carbono radioativo na atmosfera não é constante ao longo do tempo. Por isso, sempre que um fóssil é datado por esse método, os arqueólogos precisam calibrar a datação --ou seja, adequá-la a essa variação no carbono-14. A idade calibrada, que informa realmente há quanto tempo um organismo viveu, costuma ser mais antiga que a datação absoluta. No caso da mulher de Peñon 3, 12.700 anos. No caso de Luzia, 13.155.

Companheira Luzia
Araújo se disse contente com a análise da mulher de Peñon 3. "Vai ajudar a eliminar a impressão de que Luzia é um fóssil fora do padrão", afirmou.

Por ser muito antiga, Luzia tem sido criticada por vários arqueólogos, sobretudo os norte-americanos, que a consideram um esqueleto "aberrante". O fóssil humano mais velho da América do Norte não chegava a 10 mil anos.

Outro motivo de pedradas sobre o fóssil brasileiro é o fato de Luzia ser mais parecida com os aborígenes australianos que com os índios atuais, o que sugere que os primeiros povoadores da América tenham sido bem diferentes --e extintos em alguma época.

E é justamente nas aparências que a mulher pré-histórica do México surpreende: segundo a antropóloga Silvia González, da Liverpool John Moores University, principal autora da análise, o crânio de Peñon 3 não se parece nem com Luzia, nem com os nativos americanos. Ele é dolicocéfalo, uma expressão que em "anatomês" significa alto e largo.

Os índios atuais são braquiocéfalos, ou seja, têm crânio arredondado. "Parece que houve duas ondas migratórias, com os dolicocéfalos chegando antes e se extinguindo", disse a pesquisadora.

"Existe outro crânio no México com 12.200 anos (calibrados) com características similares." Para ela, isso pode sugerir que os imigrantes originais vieram do Japão.

O antropólogo Walter Neves, também da USP, que datou Luzia, desconfia da análise de formato de crânio da equipe de González. "Analisei quatro esqueletos antigos do México e todos eles se pareciam com Luzia", afirmou. A cientista mexicana, agora, aposta na análise de DNA dos fósseis para tirar a teima.
 

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