Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
09/12/2002 - 04h16

Vírus emenda DNA de célula defeituosa

da Folha de S.Paulo

Um grupo de pesquisadores da USP está usando vírus de resfriado alterados geneticamente para fazer um tipo de cirurgia para lá de delicado: remendar moléculas de DNA de células de portadores de uma doença de pele rara, que costuma levar ao câncer.

A pesquisa, ainda em caráter experimental, pode levar, no futuro, a um método de diagnóstico ou mesmo a uma terapia gênica contra essa doença, o xeroderma pigmentosum. De quebra, está ajudando a entender melhor como funciona o mecanismo de reparação de erros da célula.

O DNA (ácido desoxirribonucléico), no qual estão codificadas todas as informações para a produção de um ser vivo e para o seu funcionamento, é uma molécula frágil. Ele está sujeito a erros de montagem a cada vez que uma célula se divide. Também pode ser quebrado e consertado de uma maneira torta por fatores externos, como a radiação ultravioleta presente na luz solar.

Erros de replicação na molécula de DNA podem levar a problemas na hora da célula "ler" a receita para fazer uma proteína, por exemplo. Um desses problemas é a multiplicação descontrolada das células, o câncer.

Pacientes com xeroderma pigmentosum (XP), uma doença genética que afeta uma em cada 250 mil pessoas na América do Norte e Europa e uma em 40 mil no Japão e no norte da África (não há dados sobre a moléstia no Brasil) são hipersensíveis a radiação ultravioleta porque têm defeito justamente no gene que faz as vezes de "corretor ortográfico" do DNA. Qualquer exposição ao sol sem proteção pode fazê-los desenvolver câncer de pele _muitos acabam morrendo disso.

O que os pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP fizeram foi justamente elaborar uma maneira de inserir o gene reparador nas células. Em estudo publicado na edição de outubro da revista científica "Human Gene Therapy" (www.liebertpub.com/hum), eles usaram um adenovírus _causador de resfriado_ para infectar in vitro células da pele de pacientes de XP. O grau de reparo foi total.

Geneterapia
Para transformar o micróbio num cavalo-de-tróia genético, os pesquisadores retiram de sua sequência de DNA os genes que o tornam capaz de se replicar dentro da célula. Ao mesmo tempo, emendam o gene de interesse (no caso, o que carrega a receita para a fabricação da proteína XP, que corrige os erros do DNA) no genoma do parasita "engenheirado" geneticamente.

Em seguida, uma solução contendo vírus transformados é misturada às células. Eles as infectam, transmitindo o gene curativo para o genoma, mas não as matam. No estudo publicado em outubro, a proteção durava dois meses.

"Esse é o primeiro sistema de entrega [de gene] com vírus para células de pele", disse à Folha o biólogo Carlos Frederico Menck, que orientou o estudo, realizado por Alysson Muotri e Maria Carolina Marchetto. "O que me deixou surpreso é que ninguém tenha feito isso antes."

Menck, que trabalha há 20 anos com vírus, se disse surpreendido com a eficiência do adenovírus para inserir o gene nas células. "Eu já usei vários tipos de vírus e achava que esse fosse ser só mais um", afirmou o professor da USP.

Animado com o sucesso, o grupo vai agora tentar aplicar o mesmo princípio a camundongos mutantes, que têm o gene XP "desligado" pelos cientistas. Em janeiro, Marchetto deverá iniciar os experimentos "in vivo" nos EUA, financiada por uma associação de portadores da moléstia.
O caminho parece ser promissor para uma terapia gênica contra xeroderma pigmentosum. Mas Menck lembra que a pesquisa ainda é básica. "Minha expectativa seria fazer uma pomada que pudesse ser usada a cada dois meses. Mas não posso dizer isso."

Primeiro, é preciso ter certeza de que o adenovírus "engenheirado" vai funcionar na pele dos animais _e os cientistas não sabem ainda como proceder com eles.

Se tudo der certo com os camundongos, será preciso ainda vencer os problemas de segurança do próprio adenovírus alterado antes de testá-lo em humanos. "Ele dá uma resposta imune muito forte [nos pacientes]", diz Menck, cuja pesquisa foi anunciada pela revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo _que financia os estudos, juntamente com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Foi um tratamento gênico com adenovírus que causou a morte do adolescente americano Jesse Gelsinger em 1999, um dos maiores reveses da terapia genética.

Menck diz que seria necessário buscar um outro vetor, mais seguro. Por isso, prefere não arriscar um prazo para que a pesquisa saia do laboratório para os hospitais.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página