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26/01/2003 - 10h50

Vida no planeta dura mais 500 milhões de anos, dizem cientistas

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Por mais que a humanidade sonhe com a possibilidade de se espalhar e colonizar outras partes do Universo, ela está muito provavelmente presa neste pequeno planeta chamado Terra. E, depois de 4,5 bilhões de anos de existência, o tempo em que a vida pode florescer por aqui está acabando. Embora o planeta vá seguir existindo por outros 5 ou 7 bilhões de anos, o Sol vai torná-lo quente demais para ser habitável em muito menos tempo -uns 500 milhões de anos.

"É um período muito longo comparado à existência da civilização, mas é um período curto comparado ao tempo de vida da Terra", diz Donald Brownlee, um dos defensores desse futuro pouco animador para o terceiro planeta do Sistema Solar e seus habitantes. Junto ao geólogo Peter Ward, seu colega na Universidade de Washington, em Seattle, o astrônomo voltou à carga no início do mês, lançando nos EUA o livro "The Life and Death of Planet Earth" ("A Vida e a Morte do Planeta Terra").

A dupla Brownlee e Ward começou a fazer barulho em 2000, com o livro "Rare Earth" (lançado no Brasil pela editora Campus, sob o título "Sós no Universo?"). Ali, eles defendiam que a vida microbiana deve ser comum e abundante no Universo, mas o surgimento de criaturas complexas, como plantas e animais, seria extremamente raro -e provavelmente a humanidade nunca iria encontrar similares fora da Terra. Muita gente não gostou da idéia.

Três anos depois, a dupla prega que planetas "vivos" não são raros só no espaço, mas também no tempo. "Se você olhar a Terra aleatoriamente durante esses 12 bilhões de anos, ela só será o que consideramos "tipo-Terra" por 10% de sua existência", argumenta Brownlee.

Em entrevista à Folha, o cientista compartilha suas opiniões sobre a evolução da astrobiologia, a busca por inteligência extraterrestre (Seti, na sigla em inglês) e a necessidade de mudar a visão que as pessoas têm da vida no Universo -uma fantasia da televisão.

Folha - Ao que parece, o seu novo livro é uma derivação do anterior, "Sós no Universo?". Naquele primeiro livro, o sr. e Ward mostravam o quanto as condições similares às da Terra eram incomuns no espaço. Agora, vocês sugerem a raridade também ao longo do tempo. É isso?
Donald Brownlee -
Sim, o primeiro livro discutia a Terra e seu lugar no espaço, e como ela se compara a outros lugares. "Life and Death of Planet Earth" diz respeito à Terra no tempo. E realmente é uma continuação de "Sós no Universo?", porque ali falamos de como a Terra hoje se compara a outros planetas, e, em "Life and Death", falamos de como a Terra agora se compara ao que foi no passado e ao que será no futuro.

Folha - Quando saiu, "Sós no Universo?" estava bastante atualizado com relação ao conhecimento que tínhamos de planetas extra-solares e diferentes configurações de sistemas solares. O sr. acha que o livro ainda se mantém atual ou precisaria de algumas revisões?
Brownlee -
Nós na verdade acabamos de passar por isso no mês passado, porque ele ia sair numa versão brochura, e nós não fizemos nenhuma mudança. A única mudança substancial é que mais e mais planetas extra-solares foram descobertos -o que é bom. Mas nada mudou em nossa visão. Acho que a idéia de que a Terra pode ser rara só ganhou mais apoio.

Folha - Então os novos dados não sugerem, em sua opinião, que pode haver mais Terras lá fora?
Brownlee -
Bem, a hipótese no livro era de que pode ser fácil ter vida microbiana, mas a evolução biológica e a evolução planetária que levariam à vida animal são raras. E eu acho que todo mundo vai concordar com isso. É só uma interpretação do que "raro" significa, e, claro, isso é desconhecido. Então, há uma Terra a cada cem planetas ou uma em 100 bilhões? Há um grande desconhecido, mas ninguém pode realmente defender que a Terra seja um tipo comum de planeta.

Folha - Se planetas como a Terra são raros, esforços como o Terrestrial Planet Finder e outros telescópios espaciais que custam montanhas de dinheiro são justificáveis?
Brownlee -
Certamente. É uma questão muito importante. O projeto Kepler, que é uma missão aprovada pela Nasa, irá procurar a presença de planetas como a Terra em torno de outras estrelas. O Terrestrial Planet Finder é uma missão de longo alcance muito mais cara, e a intenção é medir as propriedades atmosféricas desses corpos. Mas é uma questão fundamental: quão comuns são esses planetas e há vida neles? Essas missões podem fornecer respostas.

Folha - Falando do novo livro, o sr. e Ward prognosticam basicamente o fim da vida na Terra -principalmente em suas formas mais complexas. Vocês apontam que alguns desastres poderiam ser contornados pela engenhosidade humana, mas não todos. O sr. não acha que está subestimando nossa capacidade de resolver problemas?
Brownlee -
Bem, eu não sei. Meu palpite é que as pessoas tendem a superestimar nossas capacidades de resolver problemas. Os humanos já demonstraram sua habilidade de causar problemas numa escala global, mas ainda não demonstramos nossa capacidade de resolver problemas globais. Com sorte haverá algumas coisas que as pessoas poderão fazer. Por exemplo, temos no livro um capítulo sobre o próximo ciclo glacial que virá, e talvez haja coisas que as pessoas possam fazer. Mas, quanto aos piores efeitos de longo prazo na Terra, como o aumento do brilho do Sol, não há nada que possamos fazer.

Folha - Então devemos combater os efeitos da natureza o máximo que pudermos no futuro?
Brownlee -
Bem, se pudermos. Certamente devemos fazer muitos esforços para não tornar as coisas piores. Projetos de larga escala de engenharia planetária, como mudar nossa atmosfera ou algo nesse nível, teremos de ver se isso é possível ou prático, politicamente, cientificamente ou tecnologicamente.

Há muita gente que acredita que poderemos modificar, digamos, a atmosfera de Marte e fazê-lo mais parecido com a Terra, mas isso ainda precisa ser demonstrado. Uma vez que você começa a tentar modificar planetas globalmente, é um negócio muito arriscado. Você com certeza não quer tornar as coisas piores. É como o juramento hipocrático, "não cause mal".

Eu acho que a conclusão do livro é a de que provavelmente estamos encalhados aqui na Terra. Podemos explorar esses outros mundos que estão próximos, mas a maioria das pessoas e as próximas gerações viverão na Terra. Então precisamos pensar nesses termos e proteger o nosso ambiente o máximo que pudermos. Mas também entender que a Terra tem um tempo limitado quando o assunto é abrigar vida. As escalas de tempo são muito longas comparadas à duração da civilização, então não é algo sobre o que as pessoas devam se apavorar, mas é algo que as pessoas deveriam saber. Todos os cidadãos da Terra devem ter noção da história natural de seu planeta.

Folha - Nenhuma revolução tecnológica pode superar isso?
Brownlee -
Certamente haverá muitas revoluções tecnológicas. Mas eu duvido que vá acontecer. A maioria das pessoas pessoas acredita que viajar entre as estrelas certamente vai acontecer. Aparentemente, muitas pessoas acham que acontece o tempo todo, pessoas voando e visitando os Estados Unidos de outros sistemas solares. Mas a maioria dos cientistas que eu conheço pensam que isso é muito imaginativo.

Sabe, é interessante. No passado, na Terra, quando as coisas iam mal, quando o ambiente começava a ficar ruim, as pessoas podiam desistir e navegar para novos mundos e encontrar novos lugares. Então eu acho que está nos nossos genes essa coisa de pensarmos que, quando as coisas ficam ruins, podemos ir a outro lugar. Mas eu realmente penso que este é o nosso planeta. E, infelizmente, ao longo do tempo, o Sol está vagarosamente ficando mais brilhante e finalmente chegará a um ponto em que o planeta não poderá mais se adaptar e se torna inabitável. No caso, o período é de 5 bilhões de anos. Temos ainda meio bilhão de anos antes que isso aconteça.

Folha - Comparado ao tempo de vida da Terra, é bem pouco.
Brownlee -
É um período muito longo comparado à existência da civilização, mas é um período curto comparado ao tempo de vida da Terra. A Terra e o Sol duram cerca de 12 bilhões de anos e o tempo em que plantas e animais podem viver na Terra é de cerca de 1 bilhão de anos, quase 10% do tempo total. E foi assim que chegamos nisso a partir de "Sós no Universo?". Se você olhar a Terra aleatoriamente durante esses 12 bilhões de anos, ela só será o que consideramos "tipo-Terra" durante 10% de sua existência.

Folha - Quando "Sós no Universo?" foi publicado, causou bastante barulho na mídia e até entre cientistas. O segundo livro deve ter efeito similar?
Brownlee -
Espero que sim. Na verdade, é impressionante que ninguém tenha escrito um livro sobre o futuro a longo prazo do planeta. Então, o que nós fizemos foi pegar a ciência que foi feita sobre isso e colocar todas essas idéias num livro. Pensamos que isso é algo que todas as pessoas na Terra deveriam saber, como o começo, a evolução e o fim devem ser.

Folha - Essa noção de que as pessoas devem saber disso foi a principal motivação para escrever?
Brownlee -
Sim, porque víamos uma grande desconexão. Na mídia, o que as pessoas viam nos Estados Unidos... toda noite você pode ver programas com pessoas voando pelo Universo e pela galáxia e coisas assim.

Folha - Pelo visto, o sr. não gosta de "Jornada nas Estrelas"...
Brownlee -
Bem, eu acho que é interessante, mas é interessante como uma fantasia. Em programas como "Jornada nas Estrelas", eles sempre vão a lugares e encontram planetas que podem não ser exatamente como a Terra, mas são bem parecidos, e os habitantes são sempre como nós, a maioria respira ar e muitos falam inglês. E isso é uma fantasia. Mesmo que vida inteligente evolua, é muito improvável que seja parecida conosco. Então, nós escrevemos "Sós no Universo?" porque achamos que havia uma grande desconexão entre o que estava acontecendo na ciência e o que as pessoas pensavam sobre a natureza dos planetas. Muitos vão pensar que o propósito da natureza é produzir planetas como a Terra, e o propósito dos planetas como a Terra é a evolução de pessoas. E isso é complicado, a natureza produz todo tipo de planeta. E, mesmo quando a vida evolui, não há nenhuma preferência para evoluir até pessoas.

Folha - Falando em geral sobre astrobiologia, o sr. sente que o campo já está maduro, em termos de pesquisa? Não há muitos exemplos de vida além das formas terrestres...
Brownlee -
Eu acho que é uma ciência bem robusta e saudável agora. A astrobiologia coloca geólogos, astrônomos, cientistas atmosféricos, oceanógrafos e químicos trabalhando nesse problema da vida no Universo. Eu acho que é um campo extremamente saudável. Muitas pessoas em seus próprios campos agora pensam mais em termos planetários, que a Terra não é só um lugar, é um planeta, um planeta comparado a muitos outros possíveis planetas.

Folha - A Nasa cortou seus investimentos em Seti. Por seus argumentos nos livros, não foi uma grande perda, foi?
Brownlee -
Bem, não sei. Procurar animais e espécies inteligentes além de nosso Sistema Solar é muito, muito difícil, mesmo com coisas como o Terrestrial Planet Finder. Então há esperança de que, se houver espécies inteligentes lá fora, possamos detectar radiocomunicações deles. A tecnologia certamente está lá. Eu acho que vale a pena olhar. O pessoal da Seti está rapidamente aumentando a sensibilidade e a eficiência de sua busca, eles têm ótima tecnologia. E não se pode prever que você não vai receber um sinal. Você pode ter de olhar por dez anos, pode ter de olhar por mil anos e talvez você nunca pegue um sinal, mas certamente vale a pena olhar. Eu não gastaria bilhões, mas acho que um modesto apoio é razoável.

Folha - Durante os últimos anos, com a repercussão do livro, o sr. e Ward se sentiram alguma vez como os que vêm para estragar a festa? Enquanto todo mundo quer achar vida em todo lugar, vocês dizem, "opa, não tão rápido".
Brownlee -
Eu acho que é justamente o contrário. Nós damos todas as evidências de que deveríamos ser otimistas para encontrar vida, só que vai ser vida microbiana. Em nosso próprio planeta foi assim a maior parte do tempo. Se você descesse na Terra em qualquer períodos, nove vezes de cada dez você só veria vida microbiana. Não há nada errado com isso. Seria fantástico encontrar vida microbiana em Marte, por exemplo.

Folha - Mas, como o sr. apontou, as fantasias que as pessoas nutrem falam de espécies complexas e inteligentes...
Brownlee -
É justamente isso. As pessoas deveriam pensar diferente. Seria horrível ir a Marte e descobrir micróbios vivendo lá e as pessoas ficarem desapontadas. Eu estive no Field Museum em Chicago, um par de anos atrás, bem cedinho, e eu fui ver um dinossauro, sabe, o maior tiranossauro rex, Sue? E foi incrível. Eu estava lá e era bem cedo. O museu estava vazio e então entraram dois pais e uma filhinha. E eles vieram e havia ali o maior tiranossauro rex de qualquer museu no mundo. E a garota vem e diz: "Oh, eu pensei que fosse muito maior". É o melhor que temos no mundo, e ela estava desapontada, porque não era como ela via na TV. Deveríamos ficar empolgados de encontrar vida lá fora, e não deveríamos esperar ver as coisas que vemos em "Jornada nas Estrelas".
 

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