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09/02/2003 - 03h35

Artigo: Como enxergar o invisível

MARCELO GLEISER
especial para a Folha de S.Paulo

Na década de 1930, o astrônomo suíço-americano Fritz Zwicky resolveu medir as velocidades de galáxias agrupadas nos chamados aglomerados, grupos que podem conter de dezenas a milhares de galáxias de massas e formatos diversos. A atração gravitacional das galáxias entre si faz com que elas se comportem como abelhas presas em um saco de papel, incapazes de escapar. Por exemplo, a nossa galáxia, a Via Láctea, faz parte do Grupo Local, que contém 20 galáxias. O aglomerado de Virgem, que se encontra a aproximadamente 60 milhões de anos-luz daqui, contém milhares de galáxias.

A idéia de Zwicky era usar suas medidas de velocidade das galáxias no aglomerado para estimar a sua massa total. Afinal, se a força que está movendo as galáxias é a força gravitacional, suas velocidades dependem da massa total do aglomerado.

No Universo, nem tudo que tem massa brilha. Por aqui mesmo, em nosso Sistema Solar, o único objeto que brilha, isto é, que produz sua própria luz, é o Sol. Planetas, luas e asteróides apenas refletem essa luz. É bem verdade que a massa do Sol é muito maior do que todo o resto do Sistema Solar. E se, no caso das galáxias, essas ilhas de estrelas, ou no dos aglomerados, existisse muito mais massa do que a que podemos ver?
Foi isso que sugeriu Zwicky. Suas medidas eram compatíveis com a existência de muito mais massa nos aglomerados do que a soma das massas das galáxias: os aglomerados estavam cheios de massa invisível. A questão então se tornou como enxergar o invisível, ou seja, como estimar a massa dos aglomerados se não podemos vê-la.

Mais recentemente, foi descoberto que não só os aglomerados, mas as próprias galáxias, têm muito mais massa do que o esperado. Para chegar a essa conclusão, foi necessário estimar a velocidade de rotação das galáxias. Basicamente, se a maior concentração de massa da galáxia está onde podemos vê-la, ela deveria estar na região central, que é a mais luminosa. Nesse caso, as leis da gravidade, aliadas às leis da mecânica, mostram que a velocidade de rotação da galáxia deveria decrescer na região periférica, onde existe menos massa visível.

Mais uma vez, os resultados foram surpreendentes. As velocidades de rotação da maioria absoluta das galáxias espirais (como a nossa Via Láctea) permanece relativamente constante. Esses resultados permitiram uma estimativa da quantidade de matéria invisível nas galáxias, que varia entre 3 e 10 vezes mais do que a matéria visível, composta de estrelas e gás luminoso.

No caso das galáxias, a velocidade de rotação é obtida usando o famoso efeito Doppler, que diz que ondas têm suas frequências modificadas caso exista movimento relativo entre a fonte e o observador. Sabemos disso com ondas sonoras: basta lembrar da modificação no som da buzina de um carro que se aproxima (maior frequência) ou se afasta (menor frequência).

O efeito Doppler nas galáxias aparece nas medidas da luz de suas estrelas em posições diferentes relativas ao centro. E nos aglomerados, que estão muito longe para esse tipo de medida. Nesse caso, as medidas são da luz que vem das galáxias como um todo, que aparecem como pontos de luz a grandes distâncias (as abelhas no saco de papel). As conclusões são ainda mais dramáticas do que no caso das galáxias: existe de 10 a 100 vezes mais matéria invisível -chamada de matéria escura- em aglomerados.

Como essas medidas são complicadas, é sempre bom ter outros métodos para confirmá-las. Para isso, utiliza-se o fato, previsto pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein, de que a presença de matéria encurva a geometria do espaço à sua volta. Se a luz de uma estrela distante passa perto de outra em direção à Terra, será desviada na proporção da massa da estrela intermediária.

Esse efeito, chamado de lente gravitacional, tornou-se fundamental para enxergarmos o invisível. Para estimar a massa total de um aglomerado, basta encontrar um objeto bem distante cuja luz passa perto dele em sua viagem até a Terra. Os resultados confirmam que, de fato, a maior parte da massa do Universo, em torno de 80%, é mesmo invisível. O essencial, como escreveu Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe", é mesmo invisível aos olhos.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
 

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