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24/02/2003
-
10h44
da Folha de S.Paulo
Um novo fóssil de 1,9 milhão de anos pode tornar a genealogia da humanidade um pouco menos complicada e controversa. Encontrado na Tanzânia, ele sugere que a espécie Homo rudolfensis é, na verdade, idêntica ao Homo habilis _e deve, portanto, virar um galho serrado da árvore genealógica dos hominídeos.
É um destino um tanto melancólico para a espécie, que já chegou a ser considerada ancestral direta do homem moderno. Ao mesmo tempo, porém, o fim do H. rudolfensis pode pôr ordem na bagunça criada pelos cientistas na família humana de 2 milhões de anos atrás _ninguém se entende sobre como classificar cada fóssil já faz algumas décadas.
"Claro que essa é a nossa interpretação, e tenho certeza de que ela vai gerar muita controvérsia", disse à Folha o antropólogo norte-americano Robert Blumenschine, 45, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey. "Mas o nosso achado traça um elo morfológico entre o H. rudolfensis e o H. habilis", sugerindo que um fosse apenas um alter ego do outro.
Sítio famoso
A tese da equipe internacional de Blumenschine, publicada na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org), foi criada com base em escavações na já legendária garganta Olduvai, onde uma infinidade de hominídeos foi achada _entre eles o próprio H. habilis, no início dos anos 60.
Além das toscas ferramentas de pedra que emprestam seu nome (olduvaiense) do lugar e formam a mais antiga tradição cultural da humanidade, a equipe achou ossos de grandes mamíferos dos quais os hominídeos se alimentavam. A vedete, contudo, é a parte inferior de um rosto, incluindo o maxilar superior com quase todos os dentes, que eles consideram ter pertencido a um Homo habilis.
"Encontrar coisas tão completas _sei que parece estranho dizer isso, mas para a época em questão ele está bastante completo_ é uma oportunidade rara", diz Blumenschine. "O registro fóssil é tão fragmentado que uma dentição superior completa pode fazer uma grande diferença."
"Fragmentado" é até eufemismo. Embora o H. rudolfensis tivesse sido proposto como nova espécie em 1986, ninguém ainda tinha achado os dentes da criatura _o exemplar que deu nome à espécie, achado no Quênia, perdeu todos os seus. Os pesquisadores da Rutgers conseguiram isso agora _e notaram uma ou duas coisas reveladoras no maxilar dele.
"Sempre se imaginou que o H. rudolfensis tivesse dentes grandes porque as aberturas onde os dentes se encaixavam são grandes", diz Blumenschine.
"Contudo, o nosso espécime têm essas mesmas raízes grandes para os dentes, mas elas terminam numa dentição que é relativamente pequena, o que é totalmente inesperado", afirma o antropólogo norte-americano.
Outra ligação clara entre o novo fóssil, o H. rudolfensis e o H. habilis é o trecho entre o maxilar e a abertura nasal, bastante plano nos três hominídeos. E, segundo a equipe, a própria presença do fóssil em Olduvai, território clássico do H. habilis, é mais uma evidência a uni-los. Para Blumenschine, as similaridades são tantas que não faz mais sentido separá-los.
Mais uma espécie
No entanto, quem pensa que o número de espécies da família humana deve encolher pode esquecer, diz Blumenschine. Para ele, muitos dos fósseis atribuídos antigamente ao Homo habilis são, na verdade, primitivos demais e devem ser reclassificados, dentro ou fora do gênero _isso ainda precisaria ser decidido.
Apesar da aparente volta de mais complexidade, a decisão pode ser um avanço, se virar consenso. É que vários dos supostos H. habilis têm cérebros pequenos demais para se encaixarem confortavelmente na espécie. Separar os de cérebro ampliado de seus colegas menos espertos colocaria alguma ordem nesse caos.
"Essa é uma área em que cada novo espécime causa grande impacto, porque temos tão poucos deles", diz Blumenschine. "Uma coisa é certa: a situação das espécies hominídeas era bem mais complexa do que é hoje."
Família pré-humana perde um membro
REINALDO JOSÉ LOPESda Folha de S.Paulo
Um novo fóssil de 1,9 milhão de anos pode tornar a genealogia da humanidade um pouco menos complicada e controversa. Encontrado na Tanzânia, ele sugere que a espécie Homo rudolfensis é, na verdade, idêntica ao Homo habilis _e deve, portanto, virar um galho serrado da árvore genealógica dos hominídeos.
É um destino um tanto melancólico para a espécie, que já chegou a ser considerada ancestral direta do homem moderno. Ao mesmo tempo, porém, o fim do H. rudolfensis pode pôr ordem na bagunça criada pelos cientistas na família humana de 2 milhões de anos atrás _ninguém se entende sobre como classificar cada fóssil já faz algumas décadas.
"Claro que essa é a nossa interpretação, e tenho certeza de que ela vai gerar muita controvérsia", disse à Folha o antropólogo norte-americano Robert Blumenschine, 45, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey. "Mas o nosso achado traça um elo morfológico entre o H. rudolfensis e o H. habilis", sugerindo que um fosse apenas um alter ego do outro.
Sítio famoso
A tese da equipe internacional de Blumenschine, publicada na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org), foi criada com base em escavações na já legendária garganta Olduvai, onde uma infinidade de hominídeos foi achada _entre eles o próprio H. habilis, no início dos anos 60.
Além das toscas ferramentas de pedra que emprestam seu nome (olduvaiense) do lugar e formam a mais antiga tradição cultural da humanidade, a equipe achou ossos de grandes mamíferos dos quais os hominídeos se alimentavam. A vedete, contudo, é a parte inferior de um rosto, incluindo o maxilar superior com quase todos os dentes, que eles consideram ter pertencido a um Homo habilis.
"Encontrar coisas tão completas _sei que parece estranho dizer isso, mas para a época em questão ele está bastante completo_ é uma oportunidade rara", diz Blumenschine. "O registro fóssil é tão fragmentado que uma dentição superior completa pode fazer uma grande diferença."
"Fragmentado" é até eufemismo. Embora o H. rudolfensis tivesse sido proposto como nova espécie em 1986, ninguém ainda tinha achado os dentes da criatura _o exemplar que deu nome à espécie, achado no Quênia, perdeu todos os seus. Os pesquisadores da Rutgers conseguiram isso agora _e notaram uma ou duas coisas reveladoras no maxilar dele.
"Sempre se imaginou que o H. rudolfensis tivesse dentes grandes porque as aberturas onde os dentes se encaixavam são grandes", diz Blumenschine.
"Contudo, o nosso espécime têm essas mesmas raízes grandes para os dentes, mas elas terminam numa dentição que é relativamente pequena, o que é totalmente inesperado", afirma o antropólogo norte-americano.
Outra ligação clara entre o novo fóssil, o H. rudolfensis e o H. habilis é o trecho entre o maxilar e a abertura nasal, bastante plano nos três hominídeos. E, segundo a equipe, a própria presença do fóssil em Olduvai, território clássico do H. habilis, é mais uma evidência a uni-los. Para Blumenschine, as similaridades são tantas que não faz mais sentido separá-los.
Mais uma espécie
No entanto, quem pensa que o número de espécies da família humana deve encolher pode esquecer, diz Blumenschine. Para ele, muitos dos fósseis atribuídos antigamente ao Homo habilis são, na verdade, primitivos demais e devem ser reclassificados, dentro ou fora do gênero _isso ainda precisaria ser decidido.
Apesar da aparente volta de mais complexidade, a decisão pode ser um avanço, se virar consenso. É que vários dos supostos H. habilis têm cérebros pequenos demais para se encaixarem confortavelmente na espécie. Separar os de cérebro ampliado de seus colegas menos espertos colocaria alguma ordem nesse caos.
"Essa é uma área em que cada novo espécime causa grande impacto, porque temos tão poucos deles", diz Blumenschine. "Uma coisa é certa: a situação das espécies hominídeas era bem mais complexa do que é hoje."
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