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01/04/2003 - 09h54

Fósseis põem em dúvida megaglaciação

REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Uma imensa era glacial, que teria avançado até o equador e destruído quase todas as formas de vida na Terra, pode ter sido muito mais suave do que se imaginava. Prova disso é que, bem no meio de um dos eventos gelados, micróbios dos mais diferentes tipos sobreviveram e prosperaram.

O achado, feito por cientistas dos Estados Unidos, promete complicar a vida dos que defendem a teoria conhecida como "Snowball Earth" (algo como "Terra Bola de Neve"), que propõe nada menos que quatro dessas megaglaciações entre 750 milhões e 543 milhões atrás.

Tais eras do gelo teriam sido fundamentais por colocar a vida sob pressão, eliminar um sem-número de espécies e levar os sobreviventes a se tornarem cada vez mais complexos -se é que aconteceram mesmo.

"Eu realmente não vejo uma correlação direta entre esses eventos e o aparecimento da vida complexa", disse à Folha o geólogo Stanley Awramik, 56, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara. "Ao menos no caso do período que nós estudamos, não há sinal de que uma mudança radical tenha ocorrido", afirma.

Vale da Morte

Awramik é um dos autores do estudo que sai hoje na revista científica "Proceedings of the National Academy of Sciences" ou "PNAS" (www.pnas.org). Com seus colaboradores Frank Corsetti e David Pierce, ele buscou registros da antiga vida microbiana no vale da Morte, hoje um deserto entre os Estados norte-americanos de Nevada e da Califórnia.

Apesar do apelido sinistro, o vale já foi cheio de vida há mais de 700 milhões de anos, conta Awramik. "Era um ambiente marinho raso, com apenas alguns metros de profundidade", diz o geólogo. "Há sinais de um movimento constante das ondas e da formação de um tapete microbiano." Na época, a região devia estar entre 5 e 10 de latitude, tendo "migrado" para o norte com a deriva dos continentes.

Na formação Kingston Peak, a equipe encontrou uma microfauna diversificada, que incluía procariontes (seres sem núcleo celular, como as atuais bactérias) e eucariontes (seres vivos com núcleo, que lembram amebas e vegetais primitivos). Embora unicelulares, as criaturas apresentam notável grau de complexidade.

Tudo normal, sem dúvida, se essa fauna minúscula não estivesse bem no meio de um evento glacial. E não há sinais de mudança na diversidade de espécies entre o início e o fim do frio. "Isso mostra que a glaciação foi muito menos severa do que se imaginava."

Teoria repensada

Os achados do trio californiano podem ser o fim da teoria Snowball Earth: "Acho que essa hipótese é uma daquelas idéias maravilhosas, que fez as pessoas pensarem e as levou a tentar entender essas transformações gigantescas que afetaram a biosfera nessa época", pondera Awramik.

"O nosso estudo é uma pequena fotografia desse mundo, mas ele mostra que havia uma porção, provavelmente bastante substancial, de água não-congelada mesmo durante um período considerado de glaciação", afirma.

Pelo menos no período estudado pela equipe, não há sinais de que a temperatura média da superfície do planeta tenha alcançado a marca de 50C negativos, como postulam alguns modelos climáticos. "Contudo, nas glaciações posteriores, parece que isso realmente chegou a ocorrer", ressalva Awramik.

De qualquer maneira, o papel majoritário da "Snowball Earth" para o aparecimento dos seres vivos complexos com muitas células terá de ser revisto. Afinal, o aspecto de divisor de águas desse evento não está mais tão claro.

"Isso, na verdade, ainda precisa ser explorado", afirma Awranik. "Pode ser que as glaciações tenham sido apenas um dos fatores a influenciar uma cascata de eventos que terminou no aparecimento da vida complexa."

"Temos de achar mais evidências disso antes, durante e depois das glaciações", diz o geólogo. Para ele, não se pode descartar nem mesmo a hipótese de que a vida multicelular tenha aparecido em meio às glaciações.
 

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