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27/04/2003 - 03h35

Os próximos 50 anos do DNA

MARCELO LEITE
editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Anteontem completaram-se 50 anos da publicação da estrutura da molécula do DNA por James Watson e Francis Crick. Ainda que nos anos 1950 seu impacto tenha sido modesto, como mostrou o historiador Robert Olby, a descoberta foi paulatinamente reconstruída como o momento inaugural de uma revolução nas ciências da vida, que teriam deixado de vez os meandros da história natural para se tornarem exatas, já como biologia molecular.

Não por acaso, o cinquentenário coincidiu com a terceira e definitiva finalização do Projeto Genoma Humano, o PGH (em 2000 e 2001, o anúncio de um rascunho e sua publicação já haviam alavancado ampla cobertura jornalística). Muito já se escreveu sobre o significado dessa façanha, que a ninguém cabe desmerecer, mas uma mudança crucial no que se diz e publica sobre ela precisa ser ressaltada, para que não submerja na torrente laudatória.

Há pouco mais de uma década, quando o PGH ainda engatinhava nos planos do Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos, o genoma era dado como o Santo Graal da biologia. Em outras palavras, a porta para desvendar o que significa ser humano, ou a tradução do Livro da Vida.

Tais metáforas grandiosas e irrefletidas ainda são empregadas, ainda que não com a mesma frequência, e menos por cientistas do que por jornalistas. Mais comum, agora que os mais de US$ 3 bilhões foram gastos (US$ 2,7 bilhões só pelo governo americano), é o genoma ser apresentado para o público como um (novo) começo, como a pré-história de uma outra era.

Nela, a caracterização molecular-informacional do vivo ampliará seus domínios para os territórios da complexidade escamoteada no meio século de 1953 a 2003: das proteínas e suas interações à modelagem computacional das centenas de cascatas de reações bioquímicas (vias metabólicas) entrelaçadas que compõem a atividade frenética de uma célula.

O roteiro existe e foi descrito em letra de forma no último dia 11 na revista "Science" (www.sciencemag.org) por cinco visionários do mesmo DOE, entre eles o lendário Aristides Patrinos -peça-chave na conversão da biologia para o esquema "Big Science" dos projetos Manhattan (bomba atômica) e Apollo (ida à Lua). O programa já tem até nome: "Genomes to Life" (http://DOEGenomesToLife.org), "Genomas para a Vida" ou "Dos Genomas até a Vida", quer dizer, da transcrição dos genes em bits até a reconstrução digital da própria vida (em escala celular).

Na visão do GTL, tal expansão do modelo genômico terá consequências superlativas para todos os domínios da vida e da sociedade planetárias, muito além da medicina (lembre-se, revolucionar a saúde humana era a promessa pré-histórica do DNA). Da produção de alimentos à de energia, das matérias-primas ao saneamento da poluição ambiental, todos os problemas se dissolverão sob a luz redentora do conhecimento biomolecular e de processos biomiméticos na base da produção material.

Escrevendo sobretudo para americanos, e americanos vitoriosos em mais uma guerra, Patrinos e parceiros concluem o artigo renovando promessas de supremacia: "Conhecimento é poder, e precisamos desenvolver um entendimento abrangente dos sistemas biológicos se quisermos usar suas capacidades eficazmente para dar conta de desafios societais imensos". E com um pedido de renovação de crédito, claro: "Enfrentar esses desafios de maneira expedita exige dar passos ousados agora para alcançar um novo ritmo de descoberta biológica, mais rápido e mais eficiente".

Talvez nem todas essas promessas sejam realizáveis, mas aqueles que se preocupam com o rumo da ciência devem ficar atentos para seu renovado potencial de provocar apenas choque e espanto.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
 

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