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22/05/2003 - 08h31

Cientistas criam camundongo "estúpido"

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

No ano passado, cientistas norte-americanos haviam feito, via alterações genéticas, um camundongo do tipo "Cérebro", com a cabeça muito maior do que o normal. Agora, outra equipe nos Estados Unidos e no Canadá deu o troco, produzindo um roedor do tipo "Pinky", burro como uma porta.

Apesar das aparências, não se trata de um esforço para criar uma versão literal do famoso desenho animado "Pinky & Cérebro". Na verdade, o novo estudo, a ser publicado numa das próximas edições da revista americana "PNAS" (www.pnas.org), alimenta a polêmica hipótese de que os trechos do DNA que não codificam genes, apelidados pelos geneticistas de DNA-lixo ("junk-DNA"), podem ter relação direta com o desenvolvimento do aprendizado e da memória.

Os cientistas "desligaram" um gene em camundongos com a especificação de uma proteína chamada MBD1. Ela faz parte de uma família de substâncias cuja função é grudar uma molécula num gene, bloqueando a sua expressão (leitura). Em testes anteriores, pesquisadores já haviam desativado a fabricação de outras proteínas desse tipo, como MBD2, MDB3, MBD4 e MeCP2.

Os resultados nunca foram bons para o camundongo. Sem a MeCP2, tanto roedores quanto humanos sofrem déficit neurológico (doença conhecida como síndrome de Rett). Sem a MDB2, os camundongos têm déficit de comportamento maternal. Sem a MDB3, morrem no estágio embrionário. Sem a MDB4, têm falhas no sistema de reparação do DNA e desenvolvem tumores.

Qual não foi a surpresa dos pesquisadores do Instituto Salk para Estudos Biológicos, em La Jolla, Califórnia (EUA), quando seus camundongos sem MDB1 nasceram aparentemente normais.

A impressão não durou muito. "Eles vivem normalmente", afirma Alysson Renato Muotri, pesquisador brasileiro do Salk e co-autor do estudo. "Mas parecem meio estúpidos."

A avaliação dos animais mostrou que eles tinham déficit de aprendizado e de memorização, além de possuir menor densidade neuronal no hipocampo, região do cérebro associada a memória.

Perceber estupidez em humanos é muito mais fácil do que em camundongos, mas os cientistas garantem que é possível fazê-lo também com os roedores. Alguns testes demonstram as habilidades "intelectuais" dos animais.

"Num dos testes, colocamos o bicho numa piscina no escuro", diz Muotri. "Ele não gosta de água e quer fugir dali, mas só pode fazê-lo por uma plataforma. Um animal normal procura a plataforma e, numa segunda tentativa, já vai direto para ela. O camundongo sem a MBD1 não aprende, não consegue se lembrar de onde estava a plataforma."

A ação exata da MBD1 que causa essas mudanças ainda não está clara, mas os pesquisadores têm uma sugestão polêmica. Eles acham que a MBD1 é justamente a proteína que bloqueia um estranho efeito do DNA-lixo que faz com que algumas sequências pulem de uma parte a outra do genoma —coisa que os cientistas chamam de retrotransposons.

Greve de lixeiros

É como se a MDB1 fosse a líder sindical que convencesse os "lixeiros" do DNA-lixo --responsáveis pelo transporte de trechos supostamente "inúteis" do DNA-- a fazer greve. Sem a MDB1, os lixeiros continuam trabalhando sem parar. Foi o que observaram os cientistas em estudos com chips de DNA. Os retrotransposons estavam à toda, saltando o tempo todo. Por alguma razão misteriosa, essa bagunça do DNA-lixo prejudica funções de memorização, aprendizado e fabricação de neurônios.

A idéia ainda é bastante controversa. "Nós tentamos publicar isso como o destaque do estudo, mas a 'Nature' recusou de cara", conta Muotri. "Tivemos de rescrever, com um outro enfoque, para publicá-lo na 'PNAS'."

Apesar disso, o pesquisador brasileiro acredita que começam a emergir as primeiras evidências de ligação entre o DNA-lixo e o desenvolvimento de um organismo. E o grupo do Salk parece estar em boa companhia.

"Essa idéia que defendemos agora já foi levantada pelo próprio Crick, em 1982", diz Muotri. Francis Crick foi um dos decifradores da estrutura da molécula de DNA, em colaboração com James Watson. O feito completou seu 50º aniversário neste ano.

Especial
  • Saiba mais no caderno "DNA: 1953-2003"
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