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31/05/2003 - 10h06

Pesquisa questiona a identidade de Luzia

CLAUDIO ANGELO
Editor-assistente de Ciência da Folha de S.Paulo

Uma análise feita por um trio de cientistas da Holanda e dos EUA põe em xeque uma das mais recentes -e potencialmente revolucionárias- teorias sobre o povoamento da América: a de que os primeiros colonizadores do continente não foram os ancestrais dos índios de hoje.

Em artigo publicado na última edição da revista "American Journal of Physical Anthropology" (www.interscience.wiley.com/jpages/0002-9483/), os cientistas argumentam que o parâmetro usado pelos defensores dessa hipótese, a comparação entre medidas de crânios, não serve para estabelecer relações de parentesco entre grupos atuais e antigos.

Isso significaria que dois dos fósseis humanos mais famosos das Américas, a brasileira Luzia (11.500 anos) e o americano Homem de Kennewick (9.000 anos), podem não ter nada de diferente.

Medições realizadas nesses crânios indicaram que eles não possuíam afinidade morfológica com os índios atuais. Luzia, estudada pelo antropólogo Walter Neves, da USP, estaria mais próxima dos africanos e dos aborígenes australianos do que dos mongolóides (asiáticos típicos) que compõem a população indígena. O Homem de Kennewick, segundo o antropólogo americano Richard Jantz, da Universidade do Tennessee, também teria afinidade com populações da costa do Pacífico.

O estudo de ambos, além de diversos outros fósseis espalhados pelo continente -principalmente no Brasil e na Colômbia-, tem levado alguns pesquisadores a teorizar que os primeiros habitantes da América não eram mongolóides e foram eliminados, por guerra ou competição por recursos, pelos ancestrais dos índios de hoje, que migraram da Ásia numa época mais recente.

A hipótese tem uma boa sustentação no que se refere à morfologia dos crânios: programas de computador permitem comparar dezenas de medidas de vários fósseis e agrupá-los segundo o número de medidas semelhantes.

Para o trio de pesquisadores liderados por Gerrit van Vark, da Universidade de Gronigen (Holanda), no entanto, medições de crânio podem ser um critério insuficiente para propor uma nova teoria, especialmente quando se comparam populações antigas com populações atuais.

O grupo cotejou 35 crânios do Paleolítico Superior (até 15 mil anos atrás) da Europa com crânios da mesma base de dados usada por Neves e Jantz, provenientes de vários locais do mundo.

A comparação mostrou que, dos 35, 19 tinham mais afinidade com populações australianas, africanas e japonesas do que com as européias. No entanto, estudos genéticos mostram que os donos dos crânios analisados são de fato ancestrais dos europeus atuais.

"A mensagem é que precisamos abordar com cuidado cenários construídos por morfologia de crânio", diz Frank Williams, da Universidade de Atlanta (EUA), co-autor do estudo. "Pode haver outros fatores causando diferenças entre homens do Pleistoceno [época em que a América foi colonizada] e os de hoje."

Segundo Williams, durante o Pleistoceno a variabilidade de formatos de crânio era maior. Com a invenção da agricultura, cerca de 10 mil anos atrás, houve uma redução dessa variabilidade. Isso significa que crânios modernos, como os dos índios que sobreviveram, e antigos, como Luzia e Kennewick, não podem ser comparados sem uma análise genética, por exemplo.

Resposta

O artigo de Van Vark, Williams e Don Kuizenga foi rebatido por Jantz e seu colega Douglas Owsley na mesma edição da revista. Segundo a dupla, as antigas populações européias não podem ser comparadas às americanas. Além do mais, medidas realizadas em crânios europeus mais completos mostram, sim, afinidade com populações atuais.

Neves diz que concorda "em gênero, número, grau, cheiro e sabor" com a crítica de Van Vark. "Todos sabemos que há muita variação em formato de crânio. Mas ele falha em dizer que 46% dos crânios que ele analisou têm mais semelhança com europeus, 28,6% com australianos e 11,4% com africanos. Se me perguntassem de onde a amostra veio, eu não teria problema nenhum em dizer que ela veio da Europa."

O antropólogo da USP diz, ainda, que a crítica às medidas de crânio pode ser feita quando a amostra é pequena. "Mas nós não seríamos inconsequentes a ponto de propor um modelo de ocupação da América com base em um crânio só", continua.
 

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