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15/06/2003 - 02h34

Artigo: os três Pês da pesquisa

MARCELO LEITE
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Prioridade, publicação e patentes. Esses são os três principais fatores de motivação no campo da tecnociência. Não são excludentes, mas pode ocorrer certa tensão entre eles, em particular quando há competição entre grupos --como a corrida no início deste ano entre uma equipe brasileira e outra chinesa para sequenciar (soletrar) o genoma da bactéria Leptospira interrogans.

A L. interrogans e sua prima L. biflexa são as responsáveis pela leptospirose, doença infecciosa transmitida principalmente pela urina de roedores durante enchentes. Dependendo do ano, podem ocorrer milhares de casos e centenas de mortes no Brasil. Decifrar letra por letra do DNA da bactéria tem por objetivo identificar genes e, por extensão, proteínas (genes são trechos de DNA que especificam a sequência de aminoácidos na proteína) que sirvam de alvos para a pesquisa de vacinas e de testes diagnósticos.

No Brasil, um grupo de 47 pesquisadores de 30 instituições se lançou à tarefa. Ele foi coordenado pela farmacêutica Ana Lúcia Tabet Oller do Nascimento, do Instituto Butantan de São Paulo, com a colaboração da filial baiana da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da Rede Onsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Segundo Nascimento, os brasileiros foram batidos em apenas um mês por uma equipe chinesa. O artigo dos concorrentes chineses, liderados por Guoping Zhao, saiu no semanário científico "Nature" (www.nature.com) em 24 de abril. Por coincidência, a edição comemorativa dos 50 anos de publicação, na mesma "Nature", do artigo de James Watson e Francis Crick com a estrutura do DNA.

O grupo do Brasil também havia submetido em fevereiro deste ano um artigo com a sequência completa de cerca de 4,7 milhões de "letras" do genoma da L. interrogans, mas à revista mensal "Nature Genetics" (www.nature.com/ng), do mesmo grupo. Apesar dos elogios de "referees", especialistas independentes que opinam sobre a qualidade dos trabalhos submetidos, o artigo foi recusado pelo editor da "Nature Genetics".

A recusa deixou os brasileiros intrigados, conta Nascimento. Um mês depois, a publicação do artigo da equipe de Guoping na "Nature" desfez o mistério, pois o trabalho havia sido submetido em outubro de 2002, quatro meses antes da pesquisa brasileira (embora tenham corpos editoriais separados, cientistas acreditam que as publicações mantêm comunicação para evitar redundâncias).

O consórcio financiado pela Fapesp havia porém garantido para si um outro tipo de prioridade, a proteção à propriedade intelectual. Numa palavra, patentes. Já em fevereiro de 2002, ciente da pressão competitiva chinesa, o grupo havia depositado provisoriamente no escritório de patentes dos EUA nada menos que 2.000 sequências de DNA identificadas por ferramentas informáticas como genes/proteínas potenciais.

A idéia era garantir pelo menos o que Nascimento chama de prioridade de uso e um ano de vantagem para analisar e caracterizar as 2.000 proteínas. Desse pente-fino resultaram 24 candidatas fortes a alvos para vacinas, como noticia a edição deste mês da revista "Pesquisa Fapesp" (www.revistapesquisa.fapesp.br), que os brasileiros confirmaram em fevereiro passado como pedidos firmes de patentes.

Apesar de cederem aos chineses a prioridade de publicação, fonte tradicional do prestígio científico, os pesquisadores daqui estão na dianteira no que se refere à chance de auferir vantagens econômicas das eventuais descobertas.

Quem perde e quem ganha com isso?

E-mail:cienciaemdia@uol.com.br
 

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