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08/07/2003 - 10h17

Nova técnica amplifica sensação de toque

SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Aprender por meio de informações inseridas diretamente no cérebro ainda é um sonho de alunos preguiçosos, mas algo que começa a se aproximar disso emergiu de uma pesquisa alemã. Segundo Hubert Dinse e sua equipe, é possível remodelar os circuitos do cérebro para aguçar o sentido do toque, tratando pacientes que por uma razão ou outra perderam parte de sua sensibilidade tátil.

As pesquisas, que estão sendo realizadas na Universidade do Ruhr, em Bochum, na Alemanha, tiveram seus últimos resultados publicados na revista "Science" (www.sciencemag.org).

O novo estudo demonstrou que é possível estimular o crescimento e o desenvolvimento da região do cérebro responsável pelo controle das sensações táteis com relativa facilidade. No experimento, realizado com mais de 30 voluntários, os pesquisadores iniciaram um processo conhecido como coativação -que, basicamente, consiste em estimular um dado sentido de forma a "ligar" os circuitos cerebrais responsáveis por percebê-lo e processá-lo.

Na ponta do dedo

No caso, os voluntários foram estimulados com pequenos pinos pressionados sobre a ponta do dedo indicador direito. Com o tempo, os neurônios responsáveis pelo processamento das sensações dessa parte do corpo começam a se adaptar para lidar com o aumento de atividade, expandindo sua área de atuação. O resultado é que o indivíduo fica mais sensível àqueles estímulos táteis.

Essa plasticidade sináptica (como é chamada a habilidade de o cérebro se adaptar a estímulos, amplificando seu desempenho) já havia sido demonstrada antes. A novidade do estudo alemão foi mostrar que o uso conjunto de uma droga estimulante e o processo de coativação aumentam ainda mais a capacidade de remodelagem das atividades cerebrais.

Ecstasy

O medicamento usado foi um tipo de anfetamina, substância que integra a receita de drogas como o ecstasy. Apesar disso, o objetivo de Dinse e seus colegas não era dopar os pacientes; há boas razões para a escolha da anfetamina. "Primeiro, ela já é usada em terapia de reabilitação para pacientes de derrame. Segundo, ela mostrou facilitar a potenciação de longo prazo [uma espécie de memória celular de longo prazo, em que os neurônio "se lembram" de como costumavam disparar] no sistema nervoso. Terceiro, dada oralmente, ela aumenta a concentração no cérebro de outros neuromoduladores, como dopamina, serotonina e noradrenalina", explica o cientista alemão.

Ainda não é a droga ideal para essa aplicação, mas por sua ampla gama de efeitos, ela acaba acertando o alvo. Uma meta futura para o grupo de pesquisadores é entender com precisão esse mecanismo de remodelagem cerebral a ponto de produzir uma droga específica, sem todos os efeitos indesejados da anfetamina.

Antes que algum desavisado tente fazer isso em casa, para melhorar a sensibilidade do tato, Dinse manda o aviso: "O ponto crucial é que mostramos que as drogas potencializam o aprendizado tátil, mas não têm efeitos por si mesmas na acuidade". Por acuidade, os cientistas entendem a capacidade de distinguir dois pontos de pressão sobre a pele separados por uma distância tão pequena quanto possível. É uma espécie de "resolução" do tato.

Os pesquisadores mal publicaram os resultados, mas já estão vendo aplicações médicas. Ao menos é o que relata Dinse. "Aplicamos a coativação em um estudo recém-concluído em idosos. Idosos são caracterizados por um declínio dramático da performance do toque. Atualmente, há uma controvérsia sobre o quão irreversível o declínio é. Usando coativação, pudemos mudar a acuidade táctil de um voluntário de 80 anos para a de um de 50."

Potencial

Apesar disso, a perspectiva de modelagem cerebral é entusiasmante e não deve parar só no tato. "Para mim, estamos apenas começando a usar nosso conhecimento sobre plasticidade cerebral, desenvolver estratégias de estimulação e manipular a organização do cérebro e, por consequência, o comportamento e a percepção", diz Dinse. "Vejo isso como um ponto de partida com enormes potenciais." Talvez haja alguma esperança para aqueles alunos preguiçosos, afinal.
 

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